Ele ficou ensopado. Subir a rua Cardeal Arcoverde a passos rápidos em uma noite de sexta-feira chuvosa não era missão das mais fáceis. Mas ele teve de fazê-lo, sob pena de perder sua vaga no curso pré-vestibular da Faculdade de Medicina da USP.

Era isso ou ficar dentro do ônibus que vinha de Embu das Artes no engarrafamento do Largo da Batata. Escolheu a primeira opção, na contramão de Seus companheiros de coletivo.  Logo sentiu a água da chuva escorrendo de seus cabelos cacheados para seu moletom surrado. Também percebeu seus pés se encharcando; seu tênis feito de pano definitivamente não foi sua escolha certa do dia. Pelo menos as suas apostilas e caderno não sofreram o mesmo que seu corpo e suas roupas.

Após quatro ou cinco quadras de caminhada, permaneceu concentrado no objetivo de chegar à aula de biologia a tempo. Mesmo assim, caminhando no sentido contrário dos carros engarrafados, não Conseguiu Deixar de sentir o cheiro de asfalto molhado – inibido algumas vezes pela fumaça dos escapamentos. Depois de passar pela décima primeira quadra, não conseguiu deixar de se incomodar com os faróis dos veículos emitindo fortes luzes em direção aos seus olhos.

Mas, ao tirar os fones de ouvido pretos que reproduziam o que eram considerados os hinos do rap nacional e entrar na sala de aula com apenas cinco minutos de atraso, tudo isso deixou de ser importante. Se acomodou nas cadeiras universitárias de madeira em uma daquelas salas de mármore num prédio da avenida Doutor Arnaldo. Ainda ofegante, abriu seu grosso caderno de 200 folhas e anotou o nome da matéria com sua caneta azul e de ponta fina. Respirou fundo e voltou sua atenção ao jovem professor.

Ao ouvir sobre o sistema digestório dos animais que possuíam exoesqueleto, ele sequer tinha noção, mas a contramão faria parte da sua trajetória dali em diante. Ela seria infinitamente mais interessante do que a subida pela Cardeal Arcoverde.