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O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: uma história de amor

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: uma história de amor foi escrito por Jorge Amado, em 1948, como presente de aniversário de um ano de seu filho João Jorge; sua publicação, no entanto, se deu apenas em 1976 quando Carybé fez as ilustrações.

O livro inicia com uma trova do poeta popular Estevão Escuna que diz:

O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um gato maltês casar
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e dona Andorinha

Essa trova parece ser, ao mesmo tempo, introdução e resumo do que vai ser narrado em seguida, prenunciando o seu final não feliz, pois, ao usar os verbos no futuro (“o mundo só vai prestar”), o narrador nos dá uma pista de que “o mundo ainda não presta”, quer dizer, ainda não é possível, no mundo em que vivemos, conviver em paz com as diferenças. Depois da trova, vem o “Era uma vez”, que nos transporta para o mundo dos contos de fada ao dizer que esta história aconteceu num 

passado quando os bichos falavam, os cachorros eram amarrados com linguiça, alfaiates casavam com princesas e as crianças chegavam no bico das cegonhas.

O que vamos percebendo ao longo da narrativa é que O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá é uma história dentro de outra história em que se vai questionando o próprio modo de narrar.

Manhã

A história propriamente dita começa com uma explicação de como a Manhã se atrasa para chegar. Ficamos sabendo que há aí outra história de amor se desenrolando, pois a Manhã se atrasa quando o Vento vem ajudá-la a acender as brasas do Sol e, ao mesmo, tempo narra-lhe uma história – a sua curiosidade em saber o final é o que a faz se atrasar para “amanhecer o dia”.

A Manhã começa a refletir se a história de amor contada pelo Vento não foi contada com segundas intenções em relação a ela, o que vai aumentando a curiosidade do leitor em querer saber que história é esta capaz de fazer a Manhã se atrasar tanto para amanhecer.

Ao ir dizendo como o Vento é um bom contador de casos, o narrador vai dizendo também algumas características do que acredita fazer parte do bom narrar, por exemplo, diz que alguns casos eram longos como “capítulos de folhetim” e que “quando mais comovente, melhor a novela”.

Nessa linha de escritura, o autor faz referência a si mesmo quando, ao tentar descrever como a Manhã estava se sentindo, diz 

Um autor erudito falaria em confusão de sentimentos

nos dando a dica de que, ou o autor deste livro não é erudito, ou este, ao escrever, não tinha tais pretensões de reconhecimento literário.

Seguindo a história, os relógios começam a se atrasar por causa do atraso da Manhã e os galos também se confundem sem saber a que horas devem cantar… eles fazem então uma denúncia ao Tempo, que quer saber o porquê de tais confusões.

A Manhã responde que ficou ouvindo o Vento contar uma história e o Tempo, por sua vez, fica tão curioso para saber que história é esta que promete uma rosa azul em troca da contação da Manhã.

Primavera

Neste ponto, o narrador faz (literalmente) um parêntesis no livro para dizer que, agora sim, vai transcrever a história do Gato Malhado e da Andorinha Sinhá por tê-la ouvido de um famoso e erudito Sapo Cururu que ouviu a história do próprio Vento.

A história de amor começa na Primavera e o Gato Malhado é apresentado primeiro. Ao descrever seu comportamento e como os bichos do parque o vêem, o narrador parece contrastar a beleza da estação das flores com a fama de egoísta e mau do Gato, mas, ao contrário da “opinião geral” dos outros animais, descobrimos que ele é um ser triste e solitário.

Apesar de ser um gato feio e pardo, com a chegada da Primavera seu corpo todo se espreguiça e ele sorri, não só pela boca, mas também “pelos olhos pardos”, o que parece significar que o seu espírito se abre para apreciar a beleza da paisagem primaveril.

A Andorinha Sinhá não consegue compreender por que, sendo ela tão popular entre os habitantes do parque, só o Gato Malhado não lhe dava atenção. Mais uma vez, a curiosidade faz com que a história vá seguindo novos rumos, pois é esse sentimento que faz com que a Andorinha queira se aproximar do Gato.

Neste ponto, o narrador faz (literalmente) um novo parêntesis no texto para apresentar a Andorinha Sinhá. Ele a descreve como uma passarinha muito disputada entre os outros pássaros como uma ótima pretendente para casamento, pois tinha simpatia, beleza e um coração inocente, mas ela não amava nenhum dos que a cortejavam.

Fecham-se os parênteses e continua-se na estação da Primavera. Ao ver o Gato Malhado sorrindo, os bichos se assustam e fogem, mas a Andorinha Sinhá vai falar com ele e, para provocá-lo, diz que ele é feio. O Gato, ao contrário do que todos pensavam, acha graça, e os dois, a partir de então, começam a se encontrar sempre para conversar e passear pelo parque.

Nesta parte, o narrador começa a conversar com o leitor sobre a forma como está estruturando sua contação:

Foi assim, com esse diálogo um pouco idiota, que começou toda a história do Gato Malhado e da Andorinha Sinhá. Em verdade a história, pelo menos no que se refere à Andorinha, começara antes. Um capítulo inicial deveria ter feito referência a certos atos anteriores da Andorinha. Como não posso mais escrevê-lo onde devido, dentro das boas regras da narrativa clássica, resta-me apenas suspender mais uma vez a ação e voltar atrás. É, sem dúvida, um método anárquico de contar uma história, eu reconheço. Mas o esquecimento pode ir por conta do transtorno que a chegada da Primavera causa aos gatos e aos contadores de histórias. Ou melhor ainda, posso me afirmar um revolucionário da forma e da estrutura da narrativa, e que me dará de imediato o apoio da crítica universitária e das colunas especializadas de literatura.

Este trecho mostra não só um narrador que conversa com o seu interlocutor, mas também um autor consciente do ato (e da brincadeira) de narrar e que não subestima a capacidade de entendimento do seu leitor, fazendo-o participar das suas escolhas narrativas. E, ao mesmo tempo, brinca com o status que as subversões nas estruturas das narrativas têm com a crítica literária.

No “Capítulo inicial, atrasado e fora de lugar”, o narrador descreve a personalidade da Andorinha como de uma criatura arrojada e sem preconceitos (“metida a independente”). Mostra que a Andorinha desde muito tempo observava o Gato por não acreditar na veracidade da fama de mau que ele tinha. Mas, ao falar das suas dúvidas com a Vaca Mocha e das suas intenções de se aproximar do Gato, esta lhe diz que “os gatos são inimigos irreconciliáveis das andorinhas” e que ter amizade com ele seria como “rasgar uma velha lei estabelecida, em passar por cima de regras consagradas pelo tempo”.

Voltamos à história “onde a deixamos por erros de estrutura ou por moderna sabedoria literária”. No fim da Primavera, os pais da Andorinha Sinhá a proíbem de se encontrar com o Gato Malhado, mas a simples proibição não impede que os dois se tornem cada vez mais íntimos (e apaixonados), pois ela 

gostava que a convencessem das coisas com boas e justas razões.

Verão

O capítulo do Verão é curto porque este “passou muito depressa”. Neste capítulo, temos a confirmação do amor que o Gato sente pela Andorinha e vice-versa, mas temos também um prenúncio de que esta história de amor não irá conseguir romper as estruturas dos preconceitos para se afirmar – ao contrário da narrativa em si que abre vários parêntesis e põe capítulos fora de lugar para melhor se contar -, pois a Andorinha já tem encontros com o Rouxinol como seu pretendente.

Temos aí o “Parêntesis das murmurações”, ou melhor dizendo, o capítulo em que temos a confirmação das fofocas e dos preconceitos que os outros bichos do parque têm em relação aos encontros do Gato Malhado com a Andorinha Sinhá.

“Não era só a paisagem que se modificava com o correr das estações, como certamente percebeu o culto e talentoso leitor”, mais uma vez, o leitor é chamado a perceber como a narrativa está se organizando, pois as atitudes dos personagens vão se modificando conforme as estações vão passando.

Outono

No Outono, o Gato Malhado escreve um soneto que é transcrito num “parêntesis poético”, “pois afinal isso aqui não é um caderno de poemas”. Assim, o narrador justifica o fato de o soneto não estar no corpo da narrativa, mas dentro de um novo parêntese.

Após o “parêntesis poético”, temos um “Post scriptum” em que o narrador explica ao leitor o uso de tantos parêntesis dentro da história dizendo que não é por preguiça do autor, mas para melhor entendimento da própria narrativa. E, após este, é apresentado o “Parêntesis crítico”, em que o Sapo Cururu faz uma análise literária dos defeitos do soneto do Gato Malhado.

E voltamos ao Outono. Como era um “tempo cinzento”, as coisas certamente não andariam bem ou, nos dizeres da Coruja para o Gato, “para romper uma lei, é preciso uma revolução…”. Não sendo capazes de tal revolução, temos a confirmação de que o Gato Malhado não poderá casar com a Andorinha Sinhá, pois ela já aceitou o pedido de casamento do Rouxinol.

Inverno

No Inverno, encontramos todo o sofrimento que o Gato demonstra ao assistir de longe a festa de casamento de sua amada com o Rouxinol:

Já não havia futuro com que alimentar seu sonho de amor impossível. Noite sem estrelas, a da festa do casamento da Andorinha Sinhá.

No último capítulo, intitulado “A noite sem estrelas”, a “canção nupcial” da festa parece ao ouvidos do Gato um “canto fúnebre” e, enquanto ouve a música, ele caminha em direção ao lugar onde a Cobra Cascavel mora…

E, assim, a Manhã ganha do Tempo a prometida rosa azul por contar a história de amor que ouvira do Vento.

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