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Como Eu, Você e Toda a Humanidade Somos o Cara de Camisa Vermelha do Star Trek

E como isso é uma das melhores coisas que já vieram a acontecer.

Na série original de Star Trek, um acontecimento recorrente tornou-se uma das marcas registradas da mega-franquia (além de motivo de piada tanto fora quanto dentro do próprio universo de Star Trek), a Morte do Cara de Camisa Vermelha. Sempre que os roteiristas da série queriam mostrar que os personagens principais sofriam riscos de vida, eles abatiam friamente um membro X da tripulação (que provavelmente apareceu na série pela primeira vez alguns momentos antes). E esse personagem, em 95% dos casos, vestia uma camisa vermelha da frota estelar. Uma análise dos episódios (que eu peguei do Wikipédia) concluiu que 43 personagens de camisa vermelha em um total de 79 episódios morreram na série clássica, e tudo com o intuito de deixar evidente ao público que Kirk, Spock, McCoy & Cia sofriam perigos mortais.

E na minha humilde opinião, Kirk e Spock não existem, mas eu, você e toda a humanidade, nós somos o Cara de Camisa Vermelha.

Seria indescritível o sentimento de vestir a camisa amarela de James T. Kirk, capitão “descolado” da Enterprise que balanceia notavelmente razão e emoção, ou a camisa azul de Spock, com sua incrível capacidade de agir de forma lógica a quase todo momento, mas que de toda forma ainda demonstra ser dono de um sensível coração, ou mesmo a camisa também azul de Dr. McCoy, o mais emotivo do trio, que age com muita raça e fervor perante seus desafios, porém que ainda assim é um médico exemplar. Um tempo atrás, eu afirmaria sem pensar duas vezes que vestiria a camisa de qualquer um desses três personagens interessantíssimos, cuja vida dos outros personagens da série existe apenas em função da deles e para eles. Porém a verdade é que não visto nenhuma delas (por mais que eu quisesse). Ninguém veste. Ninguém é o coadjuvante, e muito menos o protagonista. Cada um de nós somos não mais do que um figurante na vida da grande maioria das 7 bilhões de vidas humanas. Somos apenas um cara no fundo digitando no celular, um carro que passa na sua frente e logo já entra na rua à esquerda, um leve chute sem intenção na parte de trás da sua cadeira do cinema, uma luz da janela do prédio em frente que é apagada quando chega a hora de dormir. E nós, da mesma forma que o cara de camisa vermelha, podemos encontrar nosso fim a qualquer hora.

E isso é uma das melhores coisas que poderia nos acontecer.

Em um vídeo do canal de YouTube, VSauce, é comentado à respeito da “Doença do Protagonismo”. É a crença de que o universo é como um filme em que você é o protagonista. Você, com todas as suas camadas psicológicas, contradições e dimensões de um personagem principal complexo. Enquanto quase todas as pessoas ao seu redor não passam de figurantes e extras, personagens unidimensionais, cuja mera existência é possível apenas em função da sua. A pessoa que demora demais para pedir o frappuccino na fila do Starbucks é O Cara Chato Que Não Liga Para Os Outros, ele não pode estar tendo um dia ruim, ou ser péssimo em matemática, ou ter acabado de sair do oftalmologista e estar semi-cego devido a dilatação da pupila. A garota que fechou você no trânsito é A Filha Da Puta Barbeira Que Não Sabe Dirigir, ela não pode ser alguém que passou o dia todo sem ir ao banheiro e está quase fazendo nas calças, ou estar correndo para ajudar o pai idoso que ficou entalado no vaso sanitário. A mulher atraente de saia curta é A Mulher Gostosa Que Está Te Provocando, e não uma pessoa com sonhos, filosofias e uma vida tão profunda e significativa quanto a sua.

E não é incomum encontrar vítimas da doença. Pessoas que acreditam ser o Kirk ou o Spock do seriado Star Trek que é o universo, enquanto os outros bilhões seres humanos não passam do cara de camisa vermelha. Afinal, quem não quer ser o herói do filme? Quem não quer ser importante? Se distanciar disso é assumir que talvez você seja só mais uma pessoa, que é sim bastante complexa e profunda, com virtudes, vícios, sonhos, dúvidas, frustrações e uma infinidade de sentimentos que borbulham e emergem através de suas atitudes, mas é igualmente apenas mais um homo sapien dentre uma imensidão de outros, com vidas tão relevantes quanto a sua. Assumir isso nos faz sentir pequeno. Sem importância.

Ou não?

Eu nasci nesse planeta, nesse momento do Tempo, e o mundo não passou a existir em função minha. Os outros não nasceram apenas para melhorar ou piorar os meus dias. O universo não é um grande instrumento criado para satisfazer minha necessidade de sentir relevante. Eu que sou um minúsculo instrumento criado pelo universo para conhecer a si próprio e devo estar grato por essa chance que ele me deu. Quero viver cada dia da minha vida sendo grato por estar vivo. Vivo em um momento histórico e em lugar do cosmos cujas chances de eu não existir são infinitamente maiores do que de eu existir. Toda a humanidade ganhou imensuravelmente mais do que na loteria. Eu quero viver meus dias feliz pelo pouco tempo que já vivi, e sabendo que se tudo acabar na próxima quinta-feira (o que é perfeitamente possível), eu não irei embora infeliz e ingrato por não ter realizado meus sonhos, e sim totalmente realizado pelo tempo que tive aqui na Terra e por toda a beleza que conheci durante minha vida.

Talvez se cada membro da civilização humana viver os seus dias ciente de que é um cara de camisa vermelha e que não existe Kirk ou Spock, mas pessoas exatamente como ele, importantes como ele, profundas como ele, humanas como ele, nós estejamos livres para errar mais, respeitar mais, ajudar mais e entender o outro, nunca como alguém inferior ou superior, mas como um companheiro que veste exatamente a mesma camisa que você e que explora audaciosamente, juntos na mesma nave espacial, o magnífico e aterrorizante universo que é a vida.



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