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Desconhecido bagunceiro

Tags: norma

Existe uma teoria que diz que todas as mulheres são dependentes afetivamente de alguém. Umas mais, outras menos, mas todas são.  Norma sempre afirmou que não. Ela não dependia de ninguém, pelo menos era o que sempre dizia. 

Norma já estava solteira há algum tempo e suas amigas sempre arrumavam encontros para ela com rapazes que elas julgavam fazer o tipo dela. Na verdade, Norma sempre falou que para ter qualquer chance, eles precisavam ser altos, sarados, bem sucedidos, afortunados e com gel no cabelo e sem vícios. Todos os que ela conheceu eram bem por aí. Nenhum deles agradou.

Renata, melhor amiga de Norma, arquitetou mais um encontro. Gersinho se encaixava em todos os requisitos preestabelecidos. Teoricamente perfeito. Ela se arrumou e foi ao encontro do rapaz.
Às 20:00, britanicamente pontual, Gersinho chegou ao restaurante caríssimo escolhido para o primeiro encontro. Norma se atrasou. Quando chegou, antes do “boa noite” ele já salientou com ligeiro ar de descontração que não gostava muito de esperar, mas que como era a primeira vez que se encontravam ele deixaria passar.

Conversaram muito sobre os mais variados assuntos enquanto comiam o prato mais caro do local. Gersinho estava bem motivado a impressioná-la. Ele falou de dinheiro, boates, academia, casas de praia. Norma ouvia muito atentamente.  Entre a costura dos assuntos Norma pensava: “Apesar de chatinho ele é interessante!”

Um segundo encontro aconteceu em um lugar bem menos formal. Era aniversário da Renata e ela quis comemorar seu aniversário em um barzinho com todos os amigos. Definitivamente não era o ambiente que ambos estavam acostumados a ir, mas como se tratava da melhor amiga de Norma, eles foram.

Era muita gente bebendo cerveja e falando alto, na mesa só havia petiscos, de calabresa frita com cebola a salaminho, passando pelo frango à passarinho.  Gersinho pediu o cardápio e não encontrou nada de fosse do seu agrado. Ele pediu uma taça de vinho, Norma pediu o mesmo para acompanhar.  Como ninguém estava falando muito sobre as coisas que ele era acostumado a falar, Gersinho ficou meio deslocado, limitando-se a dar risadas amarelas quando todos na mesa riam. Norma percebeu o desconforto dele, ela também estava meio alheia a todos a mesa, mas pelo menos ela e Renata tinham amigas em comum.

Nunca uma ida no banheiro poderia mudar drasticamente a história de uma pessoa.  Norma foi e chamou Renata para ir com ela. No caminho Norma se desequilibrou e iria cair feio se um homem não a tivesse segurado forte pelo braço, a olhado penetrantemente nos olhos e dissesse: “Não estarei sempre ao seu lado para segurar você!” . Ela riu, agradeceu meio sem graça e seguiu o caminho para o banheiro.  Quando voltou, procurou mais não encontrou o tal homem.

Sentou-se a mesa, mas, ficou olhando o tempo todo para os lados ao ponto de Gersinho perguntar se ela estava procurando alguém. Ela desconversando respondeu que não. Apenas estava olhando ambiente.
Quando estava indo embora, o homem apareceu e a olhou de uma forma desconcertante. Ela conseguiu apenas ler os lábios dele, que diziam: “estarei aqui amanhã!”.

Gersinho a deixou em casa, e ela foi se deitar com a imagem daquele homem na cabeça e não conseguia parar de pensar nele.  No dia seguinte a noite, ela saiu e não contou a ninguém onde estava indo. Ela ficava se questionando o por quê de estar fazendo aquilo. Chegou na porta do bar mas desistiu, deu meia volta para ir embora. De repente a voz:

 - Não imaginei que você voltaria aqui!

- Nem eu!

Meio sem graça, ela se deixou ser guiada à mesa onde ele estava sentado. Ele a ajudou a se sentar. Sentou-se a frente dela. E antes de iniciar qualquer assunto ele se apresentou formalmente a Norma. Começaram a conversar sobre os mais diversos assuntos. Ele mais ouvia do que falava. E o pouco que falava parecia mexer com ela. Parecia entender seu intimo, coisa que homem nenhum havia feito, ainda mais em tão pouco tempo.

A noite foi muito agradável para ambos. Deu a hora dela ir para casa, ele queria acompanhá-la, mas ela preferiu pegar um taxi. Então ele a acompanhou até a porta do carro. Quando ela estava entrando ele falou:

- Eu estarei sim.

- Não entendi! Estará o que?

- Quando te vi pela primeira vez você estava quase caindo, te segurei e falei que não me teria sempre por perto para te segurar. Na verdade, eu menti. Eu estarei. Mas só se você quiser.

Ela ficou impressionada com o que ele falou. Entrou no carro sorrindo e foi pra casa. Eles sempre se encontravam, ela passou a beber cerveja, não mais se importava com os bares que ele sempre a levava, passou a gostar daquele ambiente e principalmente da companhia dele. Gersinho a essa altura já havia perdido a vez.

Ela sempre se flagrava pensando sobre  a forma como ele fazia com que ela fosse ela mesma, e essa liberdade ela tinha com ele a fazia cada vez mais dependente. Norma percebeu que sempre afirmou não precisava de homem nenhum porque não havia conhecido nenhum homem que se fizesse precisar.

Mas ele também não era fácil. Afinal um homem que se conhece em um bar não devia ser uma  coisa totalmente confiável. Ele era carne de pescoço e a deixava louca. Algumas vezes ela não se reconhecia por estar tão dependente. Ele bebia, fumava, dançava, era do tipo galanteador, o que causava fortes dores de cabeça a Norma. Da mesma forma como ela caiu nas graças dele, outras tantas viviam se insinuando.  Ela que alguns meses atrás se declarava uma mulher equilibrada – como se isso fosse possível a uma mulher – e nada ciumenta – como se isso também fosse possível – chegou a fazer ceninha por que ele ajudou a catar do chão as coisas uma  mulher deixou cair. Para Norma, se o que aconteceu entre eles foi do nada, fatalmente poderia acontecer com outra também. Então, ajudar uma mulher a pegar  as coisas que caíram no chão, abrir uma porta, sentar-se a mesa, tudo  se tornava uma ameaça em potencial. Ele achava graça de tudo isso.

Norma chegou a terminar o relacionamento complexo que tinha com ele. As amigas mais que depressa entraram em contato com Gersinho afirmando que ele teria sua segunda chance.  Norma achou que seria uma boa para tentar esquecer aquele cafajeste.

Ela e Gersinho foram ao mesmo restaurante de quando se encontraram da primeira vez.  Ela achou um saco, não tinha pessoas falando alto, não tinha samba, não tinha os petiscos. Ela pediu uma cerveja  e recebeu um olhar de reprovação. Em menos de duas horas ela já queria se enforcar. Eles foram embora e Gersinho não teve uma noite feliz.

Nas festas de fim de ano Norma não tinha reatado seu complicado relacionamento com aquele homem. Maior que as canalhices dele, era a saudade que ela sentia. E sofria.

Faltando poucos minutos para o ano novo, já com os pés as águas da praia de Copacabana, Norma falou com Renata sobre a falta que ele fazia.  Renata prontamente começou a tecer as mais de mil razões para que ela não voltar a vê-lo.

- Norma, ele some, ele é um beberão, fumante, frequenta lugares estranhos, canalha, vive rodeado de mulher. Não tem dinheiro e nem de longe o tipo atlético que  frequenta academias. Como é que pode você gostar tanto dele assim. Com tantos outros que querem estar com você?

- Renata, eu acho que é justamente por isso que eu gosto tanto dele.

Na primeira semana do ano seguinte Norma ligou para ele. Falou que queria vê-lo e que precisavam conversar. Aonde mais poderia ser esse encontro se não no bar aonde eles se conheceram.  Esse foi o dia mais feliz da vida dela até então, quando, após um bom tempo conversando sobre tantas coisas, ele falou de supetão:

- Sabe de uma coisa Norma, eu senti muito a sua falta.

Norma tentou, mas não conseguiu conter o sorriso bobo alegre, por saber que ela não sentia saudade sozinha.

E pediram mais uma cerveja.


Bruno Nasser


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