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História: O Mundo de Zara - Ambição - por Sr Ed

Olá!

Hoje trago algo diferente, mas que me orgulho muito de poder compartilhar.

Um dos leitores do blog, Sr Ed, me permitiu publicar uma de suas histórias. O texto é grande, e eu pretendo ilustra-lo a longo prazo, sendo o mínimo que posso fazer pra honrar tal obra. Por hora, compartilho o texto, do jeitinho que me foi enviado.

É o conto de um guerreiro Kruig chamado Gumash, lutando para conquistar a mais alta posição de seu povo, mesmo isso sendo quase impossível para ele. O que é um "kruig"? Como é a luta? O que dificulta sua vitória? Será que isso compensa? Isso e muito mais será explicado ao longo deste texto, como parte de uma coletânea de histórias de "O Mundo de Zara"

Espero que aprecie sua leitura, e... na minha opinião, o texto tá excelente.

E boa leitura.


O Mundo de Zara

 

AMBIÇÃO


K'elp, Império unificado - Ano 702 da segunda era.


A cabeça doía, sua visão Estava turva e por um milésimo de segundo se perguntou "o que eu estou fazendo aqui?", mas não demorou para se recordar, afinal, seu adversário não cessaria com apenas um golpe. Sentiu-se um tolo, esquivou-se do golpe da espada com facilidade, mas em sua arrogância, menosprezou o adversário e acabou atingido pelo cabo da espada na altura da têmpora. Seu inimigo era maior e mais forte, além de se orgulhar por ter uma pele esverdeada, comum aos kruigs com maior resistência física. Gumash não se importava, ele era menor e sua pele era cinza, mas era rápido. Além disso, sabia que nenhum kruig era resistente o bastante para suportar uma de suas adagas na jugular, era o que sempre dizia para si mesmo.

Recuperou-se para esquivar do próximo golpe, em tempo de ouvir a plateia urrar em comemoração ao golpe que acabara de levar. "Malditos ignorantes" pensou "em breve serei o governante de vocês, esperem para ver". 

Seu adversário sorria e se aproximava novamente, deferindo-lhe um golpe de espada na diagonal, de cima para baixo, mirando-lhe no ombro esquerdo. Como um raio, Gumash se aproximou, encurtando a distância e saindo do raio de ação da lâmina, rapidamente estocando uma de suas adagas na axila do adversário. Antes que ele pudesse perceber, Gumash havia se abaixado, girando o corpo em um jogo de pés que mais parecia uma dança e se erguido atrás dele, atravessando-lhe a segunda adaga no pescoço. Por fim, ouviu o som da espada do adversário se chocar contra o solo, em meio ao silêncio da plateia. Dois segundos depois, o kruig de pele verde estava no chão e a plateia ia aos berros novamente, comemorando por mais uma vida que se perdia na arena.

Gumash limpou suas adagas nas roupas do cadáver, embainhou e pensou "quantos mais serão?...".

Não é de hoje que os kruigs resolvem seus problemas na violência. Afinal, todos os líderes sempre foram selecionados da mesma maneira, em um embate que não precisava ser até a morte mas que muitas vezes era, com objetivo de decidir quem seria o próximo al'Kahur. Nenhum kruig aceitaria receber ordens de um outro kruig mais fraco. Mas dessa vez era diferente, dessa vez não era apenas um embate, seriam vários. Centenas de kruigs ambiciosos se candidataram, visando não apenas se tornarem o al'Kahur do norte, mas de receberem os poderes de um Selenita dados diretamente pelo imperador Klaus. Os Selenitas eram os regentes daquele mundo, com os poderes de um, nenhum kruig jamais ousaria lhe desafiar novamente, nem mesmo um outro Selenita, sob risco de perderem seus poderes para o Imperador. Gumash se perguntava qual seria o seu poder quando vencesse aquela competição, mas sabia que não seria pouca coisa, afinal, os filhos de Klaus eram temidos em todo o continente. Os Vanar ainda resistiam em Zirael, mas em breve, não haveria nenhum pedaço de terra que não fosse parte do Império Unificado, regido pelo imperador Klaus.

No momento, Gumash precisava ir para casa e lidar com um perigo ainda maior, sua baba, que não podia sequer imaginar que ele estava metido nesse tipo de situação. Mas tudo que Gumash pensava é que estava fazendo aquilo por ela, se um dia se tornasse o al'Kahur do norte, poderia finalmente lhe dar a vida de rainha que ela merecia. Ao mesmo tempo, ele era a única pessoa que sua baba tinha, já que o seu paba morreu a alguns anos vítima da praga do sono e por isso Gumash não podia nem pensar em se dar ao luxo de morrer, treinando exaustivamente para ser mais rápido e mais letal a cada dia.

Entrando em casa, pensou em ir direto ao quarto, pegar algumas roupas limpas e sair para banhar-se no quintal, onde havia uma pequena estrutura de palha destinada a essa finalidade.

Entrou e pegou suas roupas, mas ao sair foi recepcionado por sua baba, que disse:

    - Graças à Mãe, meu yoto está de volta! Como foi o trabalho?

    - Tudo óti…

    - Espera! Que marca é essa aí na tua cabeça? Moleque! Se eu souber que tá metido em briga, arranco-lhe o couro!

A expressão dela era aborrecida e balançava uma vassoura na direção de Gumash. As fêmeas kruig têm o costume de lixar os caninos inferiores para parecerem menores e mais atraentes, mas não Velfrid, a baba de Gumash era de uma outra época e orgulhava-se de expor suas presas enormes, ainda mais quando estava brava, dando-lhe um aspecto ainda mais assustador.

    - Não é nada disso baba, isso aqui foi uma pancadinha de leve durante o trabalho, a carpintaria é um trabalho perigoso, não ache que é coisa leve.

   - Então tome mais cuidado, se meu yoto não chegar inteiro em casa, eu mesmo vou lá falar com o Kato, e ai dele se não lhe pagar devidamente.

   Baba, em nome da Mãe, não me vá arrumar encrenca com o Kato, já foi uma gronga arrumar trabalho nos últimos meses, não me faça perder esse!

   - Tudo bem, não se preocupe, agora vá lá se banhar, estou sentindo seu fedor daqui, tá igual um guarajuzinho.

    - Lá vem você com essa, tô indo então…

Gumash saiu e foi banhar-se, pensando em qual seria seu adversário no dia seguinte e preocupando-se um pouco com o futuro. O que seria de sua baba se ele morresse em uma disputa idiota? Será que ela um dia o perdoaria? Quais as chances de ele realmente se tornar um al'Kahur e ainda por cima um dos filhos de Klaus? Não seria a primeira vez que seu orgulho lhe prejudicava, mas dessa vez provavelmente lhe mataria.

O segundo embate foi inesperado. Logo de início Gumash percebeu que seu adversário não estava bem, ele cambaleava e tremia os braços quando levantava a espada. Olhando atentamente os movimentos enquanto circulava ao redor do adversário, foi fácil notar a razão. O jovem kruig de pele azulada havia se ferido na luta anterior e claramente não estava em condições de lutar uma segunda vez.

A arena permitia que os participantes levassem quase qualquer tipo de arma, contanto que conseguisse carregar e manusear, com exceção de armas de longo alcance, os kruigs valorizavam uma boa luta corpo a corpo e consideravam a luta à distância uma forma covarde de vencer o adversário. Mas Gumash não se importava, além disso, nada o impedia de usar suas adagas como bem entendesse.

Com um movimento rápido, atirou sua adaga na direção do adversário, que claramente não esperava por aquilo. Tentou esquivar para o lado e levantar o braço para se defender, mas foi impedido pelo seu ferimento no abdômen, recebendo a adaga direto no pescoço.

O jovem kruig engasgou algumas vezes, largou a espada, ajoelhou-se e em seguida caiu prostrado para frente.

Dessa vez a plateia não gritava de alegria, mas vaiava. Gumash sabia que os kruigs apreciavam uma boa luta e aquela não havia sido uma, mas não se importava, não estava ali para alegrar espectadores, estava ali para que sua baba tivesse uma vida digna.

"Kruig burro, devia ter desistido quando sabia que não dava", pensou Gumash enquanto virava o cadáver de barriga para cima, removendo sua adaga de volta e limpando-a nas roupas do adversário recém derrotado.

Aquela vitória fácil lhe deixou um pouco mais confiante, mas ao mesmo tempo, Gumash precisou refletir melhor sobre a situação. Ele precisava se empenhar ao máximo para terminar as lutas de forma íntegra, pois se sofresse qualquer tipo de lesão, teria que carregá-la para o embate do dia seguinte e isso seria desastroso. Precisava confiar na sua velocidade.

Gumash era um kruig de 52 anos, relativamente jovem, afinal sua raça tem uma expectativa média de vida de 120 anos. Gumash e sua família viviam em Z’hoel quando a região foi invadida por humanos. O pretexto da invasão foram as famosas minas de ouro de Z’hoel, que futuramente se tornaria uma das principais fontes de riqueza dos humanos. Para Gumash, a destruição de seu lar foi apenas um começo, pois, durante sua fuga acabou por se separar de seus pabas, tendo que se esconder por conta própria e futuramente caindo nas mãos dos humanos. Uma vez prisioneiro, foi obrigado a fazer trabalhos braçais, sendo em seguida vendido a um comerciante das arenas, não como um gladiador, mas como uma aberração, já que fazia parte da cultura humana colocar seus lutadores para enfrentar feras e animais selvagens nas arenas. Teria sido o fim de Gumash, na época já com 16 anos, mas foi quando conheceu Zotar, o kruig que lhe ensinou a sobreviver.

A parte mais cansativa era chegar ao local e retornar, pois levava cerca de 3 horas de caminhada até a arena. Isso até que não incomodava tanto Gumash, mas lhe tirava bastante tempo, pois precisava reunir informações, treinar e ainda ganhar algum dinheiro, sendo que 6 horas do seu dia eram gastos apenas com o trajeto de ida e volta.

Gumash teve que vender uma das ferramentas de seu paba, pois era mais fácil convencer sua baba de que estava realmente trabalhando se chegasse em casa com algum dinheiro.

Não era de agora que eles passavam por grandes dificuldades, desde que pôde retornar para sua família, já aos 34 anos, Gumash era quem arrumava o sustento da casa, seus pabas já estavam com idade avançada, e por serem de outra terra não conseguiam muitas oportunidades de emprego, tendo sempre que sobreviver de pequenas prestações de serviços. Aproveitou o tempo que teve com seu paba para desenvolver habilidades de carpintaria e era com isso que garantia o sustento. Nunca contou para sua baba o que passou, apenas que havia se perdido e que levou muitos anos para encontrá-los novamente.

Velfrid já havia colocado os olhos sobre as inúmeras cicatrizes que Gumash carregava em seu corpo, e mesmo sabendo que poderia arrancar-lhe a verdade na base do tapa, compreendeu que deveriam ser lembranças dolorosas para o seu yoto e preferiu não pressioná-lo, apenas aceitando que seu menino estava de volta e que isso já era uma bênção por si só.

No dia seguinte, Gumash acordou cedo novamente, preparando-se para sua longa caminhada. Pegou sua bolsa, algumas moedas, limpou suas duas adagas e checou se o fio estava bom, depois escondeu dentro de sua bolsa e pegou algumas ferramentas de carpintaria apenas para manter as aparências.

Antes de sair, ouviu um “tenha um bom dia, que o Guardião lhe proteja” de sua baba e se retirou.

Antes de sua luta com o adversário desconhecido, procurou buscar algumas informações dos organizadores. Estes que eram em geral humanos, o que lhe dava ânsia, odiava que o imperador tivesse que ser um, mas se não fosse pela unificação do império, talvez ainda fosse um escravo. 

Os organizadores não quiseram dizer muito, não de graça pelo menos, e como Gumash não possuía muitos norens a única informação que conseguiu foi de um homem bem vestido, mas com olhos cansados, que deixou escapar que aquela não era a única competição e que tudo aquilo o estava deixando exausto. O que aquilo significava? Haveria mais de um vencedor? Era de conhecimento geral que com a chegada do Império, o reino de Calcamor foi dividido, e onde antes havia apenas um al'Kahur, que significa "a cabeça", agora haveriam dois, um do norte e um do sul, para garantir um controle mais rígido por parte do imperador. 

Será que haveriam ainda mais? Para os kruigs, aquilo era um desrespeito à sua tradição, mas não havia nada que pudesse ser feito a respeito. Essa também não havia sido a única mudança, a moeda corrente havia deixado de ser o torque e passado a ser o noren, o preço dos alimentos havia aumentado e obrigava as pessoas a praticarem escambo. Os impostos também haviam subido e as leis estavam mais duras. 

Klaus sabia que não conseguiria manter todo o império unido por conta própria e que todas essas mudanças acabariam gerando uma rebelião, então escolhia líderes por todo o continente que respondiam a ele e o auxiliavam na manutenção da ordem, sempre tomando o cuidado de deixar um kruig governando um kruig, um vanar governando um vanar e um humano governando um humano, como forma de manter as coisas estáveis. Se em algum momento colocasse um humano para governar um kruig ou vice versa, sabia que não haveria meios de manter a situação sob controle.

No salão dos lutadores, havia todo tipo de kruig, a maioria forte e mal encarado, com diferentes colorações de pele, que ia do cinza claro ao mais azulado ou até mesmo verde. Isso se dava pela presença de um peptídeo fibroso, que em conjunto com a melanina, altera a pigmentação da pele. Esse mesmo peptídeo também garante uma maior resistência ao tecido epitelial, sendo que quanto maior o volume, mais cor ele garante. 

Para a maioria dos kruigs, esses conceitos são desconhecidos, a única coisa que lhes importa é que quanto mais cor, mais resistente um kruig é, gerando diversos graus de preconceito entre eles. Gumash, por ter uma pele acinzentada, raramente era levado a sério pelos outros lutadores, mas via isso como uma vantagem que deveria ser usada a seu favor. Evitava encarar os outros lutadores e buscava chamar o mínimo de atenção possível, respondendo apenas quando se dirigiam diretamente a ele e com o mínimo de palavras possível. Até então, suas vitórias tinham sido consideradas sorte, pelos demais.

A terceira luta foi uma surpresa para Gumash, pois entraram não um, mas dois outros lutadores na arena. Um com a pele levemente azulada, que carregava uma clava na mão direita e um escudo na esquerda, além de possuir um dos caninos inferiores quebrados. O segundo também era azul, mas um azul mais forte e com ligeiros tons de verde, carregava um machado de duas mãos e urrava em êxtase.

Não era a primeira vez que Gumash enfrentava dois adversários, e observando atentamente, pode perceber que pelo menos não eram os dois contra ele e sim cada um por si, o que o tranquilizou, sabia bem o que fazer.

Nas arenas humanas era muito comum ter que enfrentar mais de uma pessoa ou mais de uma fera. Uma das primeiras lições que Zotar lhe ensinou foi a nunca ficar no meio de dois adversários. "Se lutar com dois, nunca ficar meio, senão você esmagado por dois lados", era bem o que ele diria.

Analisando o cenário, observou que o kruig com machado estava mais feroz, além de possuir um alcance maior com sua arma, então correu em direção ao de escudo, tentando mantê-lo entre ele e o de machado. Logo ao se aproximar, precisou saltar para o lado e fazer um rolamento no chão para amortecer a queda, pois seu adversário o recebeu com um golpe de clava, que passou ao largo. O kruig de machado correu em direção aos dois, urrando, o que chamou a atenção do de escudo. Gumash aproveitou-se da distração e também que ainda estava abaixado para desferir um golpe com sua adaga na coxa do adversário, mas com o movimento do seu alvo, acabou acertando uma das peças de metal de sua armadura e fazendo um tilintar de metal contra metal. O kruig de machado aplicou toda sua força em um golpe lateral que tinha por objetivo atingir os dois de uma vez só, mas Gumash se afastou e o kruig de pele mais clara se protegeu com o escudo, recebendo o impacto não da lâmina, mas do cabo do machado, sendo arremessado a uma distância de mais ou menos cinco passos. O próximo golpe veio de cima para baixo, dessa vez diretamente em Gumash, que fez um novo rolamento para esquivar-se, dessa vez indo para a direita, na direção em que o outro kruig caiu, ainda tentando mantê-lo no meio de ambos.

"Parem de fugir, covardes!!!" Gritou o de Machado, preparando-se para desferir um novo golpe. O kruig com a Clava lançou um golpe na tentativa de afastar Gumash e aproveitou o impulso do braço, retornando a clava em um novo ataque direcionado ao outro kruig, que defendeu-se com o cabo do machado e riu alto, chutando com toda sua força. O adversário com escudo defendeu-se, mas o impacto do chute o empurrou para trás na direção de Gumash. A armadura dele não era muito pesada, mas protegia bem as regiões vitais. Vendo uma brecha em sua proteção, Gumash cravou-lhe sua adaga na altura do cóccix, aplicando o máximo de força que podia para superar a resistência da pele azul, fazendo-o gritar. Entretanto, não pôde impedir que seu adversário caísse por cima de si, ficando deitado sob o peso dele e recebendo ainda um grande espirro de sangue no rosto quando o que lhe pressionava contra o chão foi atingido na face pelo machado, interrompendo seus gritos ali mesmo.

Com o pé direito, o kruig de machado pisou no braço esquerdo de Gumash, onde estava a adaga visível, e com o pé esquerdo pisou e chutou o rosto de Gumash inúmeras vezes, gritando "Fracos!!! Imprestáveis!!!"

Por um segundo, Gumash desesperou-se, pois se desmaiasse com os golpes, seria seu fim, então puxou com toda a força a adaga que ainda estava cravada no cóccix do inimigo morto que o sufocava com seu peso, cortando um pouco da própria barriga ao puxar a adaga, mas ignorando a dor e cravando a lâmina na perna do adversário que lhe chutava, fazendo-o cair e libertar seu braço esquerdo que estava preso. Gumash gritou para ganhar mais força e empurrou o cadáver para o lado, levantando-se com um rolamento para trás e ainda vendo o mundo girar por conta dos chutes. 

Seu adversário havia se levantado parcialmente e ficou de joelhos, ainda com a adaga cravada na perna direita, um pouco acima do calcanhar. Era a sua chance, correu na direção do adversário, mirando-lhe o pescoço com sua adaga. Antes que pudesse chegar, o kruig ferido inesperadamente aplicou um golpe lateral com o machado, usando apenas uma das mãos, já que a outra ele usava para se apoiar no chão. O machado não era leve, para aplicar aquele golpe com uma só mão era necessária muita força, Gumash não esperava aquele movimento e novamente sentiu-se um tolo por subestimar seu adversário. Como já havia pegado impulso para se aproximar, apenas tentou sair do raio de ação da lâmina do machado, sendo atingido com toda a força pelo cabo e rolando para a esquerda algumas vezes. Levantou com toda a rapidez que conseguiu, mas percebeu que sua adaga ficou no chão em frente ao inimigo e, pior ainda, seu ombro direito havia se deslocado. Não teve tempo de internalizar a dor, pois precisou se esquivar rapidamente, livrando-se por pouco do machado voador que passou ao largo de sua cabeça.

    - Cinzento maldito! Como eu vou lutar amanhã com essa gronga de perna? Maldito, maldito, não podia só morrer? Você é fraco, não tem como conseguir, só para de atrapalhar a trajetória alheia seu inseto! - gritou.

Gumash ergueu-se com dificuldade, sentindo uma dor insuportável no ombro direito, olhou para sua adaga jogada ao chão, próximo ao seu adversário e respondeu:

    - Eu vou sobreviver hoje, então eu mereço mais que você - e correu em direção à sua arma. Até considerou pegar o machado, mas com um único braço jamais seria capaz de brandir a arma com eficiência. Seu adversário sabia que não conseguiria se mover muito com a perna ferida, então apenas se jogou ao chão e se arrastou para alcançar a adaga antes. Gumash chegou e tocou no cabo, mas só a tempo de ser agarrado pelo pulso, puxado com força e atirado ao chão. Seu adversário lhe deu um soco no rosto, ergueu-se com a perna boa, colocou o joelho da perna ferida na altura do diafragma de Gumash e começou a lhe estrangular com ambas as mãos.

    - Você se considera um kruig? Pra ser um al'Kahur, tem que saber bater!!! Não sabe lutar com as próprias mãos? Cinzento imprestável!

Gumash estava com o braço direito inutilizado, então começou a tatear por todos os lados, buscando um ponto fraco ou falha na armadura. 

    - Você não ia sobreviver? Luta, covarde, tá se enganando é? EU mereço mais!"

Com um toque de esperança, sentiu o cabo de sua adaga, cravado na perna que lhe pressionava o diafragma, pouco acima do calcanhar. Agarrando com força, puxou a adaga com tudo o que tinha, sentindo os dedos lhe apertarem ainda mais o pescoço. Torcendo para que seu plano desse certo, Gumash fincou a adaga com toda a força na coxa do kruig, esperando perfurar a artéria femoral. Precisou dar golpes com o punho no cabo da adaga para que ela entrasse mais fundo na pele resistente, em seguida puxando-a de volta com toda a força e esperando o sangue jorrar. Quando sua visão já estava escurecendo e seu braço perdendo a força, sentiu o aperto em seu pescoço afrouxar, pouco a pouco, até que a única coisa impedindo-lhe de respirar era o joelho em seu diafragma. Ouviu um leve sussurro que dizia "Não era pra ser assim, eu nasci pra isso… Dana.. desculpa o seupaba..." e sentiu o kruig desabar sobre ele.

Apesar do peso, agora conseguia puxar o ar e o fazia várias vezes tentando recuperar o fôlego. Colocou novamente toda sua força para empurrar o kruig morto para o lado e esperou mais alguns segundos, antes de levantar-se. Gumash havia ficado tão focado na batalha que só agora percebeu o barulho ensurdecedor da plateia, gritando em êxtase pela reviravolta da batalha.

Depois de tomar um pouco de ar e sua visão se ajustar novamente, levantou-se, em busca de sua outra adaga. Viu que estava na areia, ao lado do kruig morto, então a pegou, limpou o sangue nas roupas do kruig de escudo e guardou-as. Sentindo seu rosto inchado arder, seu ombro latejar e seu equilíbrio fraquejar, Gumash rumou para a saída, sem demonstrar nenhuma reação à plateia que gritava "Cinzento! Cinzento!" inúmeras vezes.

Gumash pensou "Quantos sonhos terei que destruir para realizar o meu? Droga! Quantos mais serão?...”

...

A competição dispunha de uma equipe médica, que prestava cuidados básicos aos lutadores e que colocaram o ombro de Gumash de volta ao lugar, costuraram o corte em sua barriga e aplicaram alguma pomada anestésica no rosto, mas que logo perdeu o efeito e voltou a doer.

Percebendo seu estado, Gumash achou melhor não voltar para casa. Sua baba provavelmente ficaria doente de preocupação, mas se aparecesse em casa naquelas condições, o resultado seria catastrófico. Então decidiu não voltar, quando vencesse a competição, ela compreenderia.

A região de K'elp era dividida entre pequenos povoados. Gumash vivia com sua baba em Mormo, mas a arena se encontrava no povoado de Tuka, muito maior e mais movimentado. Nos primeiros dias, Gumash precisou vender suas ferramentas para ter o que comer e onde dormir, mas assim que sobreviveu à quarta e depois à quinta luta, sua fama começou a ganhar nome. Começaram a chamá-lo de "Barbará cinzento", em homenagem a um carnívoro de pequeno porte, mas que é conhecido por sua enorme ferocidade. Essa fama fez com que os comerciantes locais quisessem oferecer favores a ele, afinal, ele seria o próximo al'Kahur se vencesse e todos queriam somar pontos com o próximo governante. Alguns kruigs começaram a fazer suas apostas no "Barbará cinzento" e com o número de vitórias se acumulando, o número de apostadores também aumentava.

Gumash havia passado muito tempo entre os humanos, aprendendo a não confiar nem na própria sombra, esperando o tempo todo que alguém tentasse lhe emboscar para retirá-lo da competição. Mas nesse aspecto, os kruigs eram diferentes, levavam muito a sério a escolha de seus governantes, e depois da sexta luta em que Gumash enfrentou outros quatro lutadores e saiu vitorioso, era impossível chamar de sorte, havia realmente a possibilidade daquele pequeno kruig cinzento vencer e ninguém iria se opor se isso acontecesse, pois eram poucos que realmente poderiam vencê-lo.

Para o azar de Gumash, sua fama cresceu além do que ele gostaria, pois quando saiu da arena após a sétima luta, encontrou uma kruig baixinha parada encarando-o, com enormes presas inferiores à mostra, uma pele acinzentada e enormes rugas de fúria na testa.

Gumash pensou em dar meia volta e retornar para a arena. Estava com o olho esquerdo roxo, pequenos cortes suturados pelo corpo, hematomas por toda parte, faltava-lhe alguns dentes na boca e havia um corte que ia do seu supercílio esquerdo até o lábio inferior, adquirido na quinta luta ao se esquivar por pouco do golpe de uma espada. Mas antes que se virasse, ouviu o grito:

    - Moleque sem juízo! O que eu te fiz pra que me causasse tamanho desgosto? Está me punindo por ter me separado de ti?!

Gumash novamente se virou, achou que fosse apanhar, mas ouvir aquilo de sua baba doía um pouco mais que qualquer golpe.

    - Baba, estou fazendo isso por nós, eu posso vencer, eu sei que eu posso, poderei te dar a vida que você merece…

    - Não me culpe por isso, yoto idiota!! Não me culpe por essas mortes, não acha que bastava ter meu menino vivo comigo? O que mais nós precisamos? Nós temos um ao outro, temos tudo!!!

    - Mas nós não somos nada! - gritou Gumash - Somos dois cinzentos estrangeiros que não têm onde morrer, temos que comer pensando se teremos para a próxima refeição, temos que nos esforçar o dobro para ganharmos metade, eu tenho que ser exatamente o que aqueles malditos humanos falaram que eu era!!!

    - Não importa o que eles disseram, conseguimos sobreviver sem ter que derramar o sangue do nosso povo, já não perdemos o suficiente?

    - Mas eles não, eles não perderam…

    - E o que isso tudo vai mudar? Onde você acha que vai chegar sujando suas mãos de sangue? - Velfrid estava agora com os olhos marejados, com uma expressão de tristeza, não de raiva.

    - Eu posso ser melhor, é a única chance que teremos. - respondeu Gumash na tentativa de convencer sua baba.

    - Então diga a verdade, diga que não está fazendo isso por nós, que está fazendo apenas por você mesmo - Velfrid disse com um tom mais baixo

Gumash levou alguns segundos antes de responder, mas falou:

    - Sim, estou fazendo por mim…

    - Então é isso, meu filho morreu na invasão de Z'hoel… - Velfrid virou as costas - Não conheço mais você… e não ficarei aqui para enterrá-lo.

Velfrid caminhou para longe e Gumash apenas abaixou a cabeça, engolindo as palavras que queria dizer.

Mais tarde, naquela noite, ambos choraram bastante com o peso dessas palavras não ditas. Aquela fora a última vez que Velfrid aceitou olhar nos olhos de Gumash.

Para surpresa de todos, incluindo o próprio Gumash, havia chegado o dia da batalha final. A oitava luta marcava o confronto entre todos os campeões de cinco competições que foram organizadas separadamente, a qual definiria o título de al'Kahur do norte. Gumash agora estava hospedado em um hotel de ótima qualidade, onde recebeu o melhor quarto e era servido com todas as pompas possíveis pelos funcionários do local, sem nenhum custo por isso, apenas confiando que receberiam as graças do campeão, caso ele vencesse. Na oitava luta, Gumash foi guiado para a arena sem entrar em contato com qualquer outro lutador. Aquela era a última luta, havia a possibilidade real de ele tornar-se o governante poderoso que sempre quis ser, onde deixaria de ser apenas uma marionete para ser aquele movendo as cordas. Precisava ser forte, precisava confiar nas suas habilidades, nas suas adagas, nas suas motivações.

Chegada a hora, bastou um olhar para dentro da arena para suas esperanças afundarem em seu estômago como uma pedra de gelo que ele acabara de engolir. Haviam outros quatro lutadores: um de pele azul com uma lança e armadura leve; um com pele verde que usava armadura pesada e carregava um martelo de guerra; um com pele azul mais claro que carregava um machado e armadura média; por último, um kruig de pele verde escuro, repleto de cicatrizes no rosto e nos braços, com peças leves de couro, um cabelo preso em coque e duas adagas nas mãos.

A atenção de Gumash voltou-se apenas para o último, o kruig verde escuro que não parecia tão surpreso em lhe ver, estava com expressão séria mas Gumash quase foi capaz de ouvir sua voz quando os lábios de Zotar se mexeram em um "Olá, Guma".

Uma vez que adentraram a arena, a luta já havia iniciado, sempre foi assim. Mas dessa vez, os lutadores não se aproximavam e nem avançavam em direção um ao outro com ferocidade, afinal, se haviam chegado àquela altura da competição, não havia sido com imprudências. Ficaram por quase dois minutos se encarando e movendo-se com calma, estudando os movimentos um do outro para saberem quando atacar. Gumash estudou as melhores opções e ao olhar para o rosto de Zotar, viu que ambos pensavam da mesma maneira. Com um pequeno desvio de olhos para a esquerda e um leve meio de cabeça, ambos avançaram.

Gumash avançou na direção do kruig de martelo, enquanto o kruig de machado avançou na direção do kruig com a lança, que imediatamente começou a girar sua arma do ar, tentando manter seu adversário longe. Zotar se direcionou também para o kruig de martelo, tentando mantê-lo entre ele e Gumash, mas tendo que manter uma certa distância devido aos golpes que vinham em sua direção. O kruig era forte e manuseava a arma com maestria, se um golpe com aquele martelo atingisse o alvo, poderia representar o fim da batalha para este, mas ainda assim, a arma era extremamente pesada e impossibilitava movimentos muito rápidos, tornando possível que Gumash e Zotar se esquivassem.

O kruig de martelo avançou na direção de Gumash, na tentativa de eliminar um dos adversários o quanto antes e equilibrar o embate, desferindo golpes sucessivos com o martelo de cima para baixo, sempre girando quando a ponta da arma descia, de forma a aproveitar a cinética do golpe anterior. Gumash esquivava de um golpe após o outro, sempre mantendo os olhos no martelo, mas não vendo muita brecha para um contra ataque, então aproveitou para perguntar:

    - O que está fazendo aqui senhor Zotar?

    - Eu perguntar mesma coisa jovem Guma, te ensinei lutar, não te ensinei morrer - respondeu o kruig de pele verde escuro, enquanto raspava a ponta de sua adaga na armadura do adversário, chamando-lhe a atenção e esquivando-se logo em seguida do golpe de martelo que se direcionou a ele.

    - Parem de conversa! Só um vai sair vivo, estão lutando juntos pra quê? São idiotas? - gritou o kruig com o martelo - Mas pra mim tanto faz, se eu não posso derrotar dois Jonts como vocês, então não mereço ser al'Kahur!

    - Conheci bom Jont, para mim não ofensa - respondeu Zotar, enquanto abaixava e dava uma rasteira no kruig, não o derrubando, mas causando um desequilíbrio que o fez tropeçar algumas vezes.

A armadura dele era fechada, além de ter uma proteção para o pescoço e um elmo, o que dificultava de acertar pontos críticos, mas ainda assim, Gumash aproveitou o desequilíbrio para acertar com a adaga no flanco direito dele, local que havia uma pequena junção das placas onde era ajustada o aperto da armadura, não conseguindo fincar muito além da ponta, tirando algumas gotas de sangue apenas.

Zotar aproveitou a distração para fazer um rolamento, cortar com a adaga atrás da dobra do joelho, onde também havia uma falha na proteção. Assim que o kruig abaixou por conta do corte, virou-se para trás desferindo um golpe. Zotar saltou por cima dele, usando o ombro do próprio kruig como apoio das mãos, pousou em frente a este e deu um ataque de raspão com a adaga que pegou no queixo, já que o elmo não protegia essa região, e saltou para trás com duas piruetas, buscando se afastar. A pele verde do kruig realmente lhe proporcionava uma proteção extra, pois a adaga mal arranhou.

Na mesma sincronia, Gumash correu e circulou o adversário, invertendo a posição de combate com Zotar e agora ficando pelas costas, enquanto Zotar atacava pela frente. Ambos estavam acostumados a lutar daquela maneira e não precisavam comunicar verbalmente suas ações para isso.

    - Você não ia voltar para sua família? Achei que o senhor tinha dito que largaria isso - Gumash perguntou enquanto se afastava de mais um golpe de martelo.

    - Zotar muitos anos fora, família se foi, não restar nada a Zotar, então conquistarei mais. - Seu mestre lhe respondeu sem tirar os olhos do adversário.

Gumash se sentiu angustiado, não só por saber que seu mestre e amigo não teve a chance de reencontrar seus familiares, mas por perceber que teria que enfrentá-lo e que possuía baixas expectativas de vitória.

Os espectadores soltavam gritos de celebração, vaiavam e até cantavam pequenos trechos de música dependendo do rumo da batalha. No momento, as vozes mais altas cantavam "Iêe Iáa, Luker vai te pegar!" pois a lança do outro kruig havia voado longe e este estava bravamente se esquivando dos golpes de machado de seu adversário, mas também era possível ouvir outros gritos, inclusive alguns que gritavam "Barbará!" e "Cinzento!".

Apesar de o kruig de martelo ter recebido um corte na perna, ela não estava inutilizada e ele continuou a bater, precisando bater em duas direções diferentes com um martelo extremamente pesado, tornando os seus sinais de cansaço evidentes. Os dois não precisaram se esforçar muito em finalizar a luta, apenas avançavam e depois recuavam dos golpes, tentando desgastar seu adversário enquanto conversavam sobre outras coisas.

Gumash contou que seu paba havia falecido, mas o havia encontrado antes disso e que sua baba estava viva ainda, mas estava chateada por ele estar ali e disse que só estava fazendo aquilo por ela. Zotar contou que teve a oportunidade de retornar para sua terra natal, em Zork, depois de ser libertado, mas que sua família havia sido morta durante sua captura, décadas antes, e que ele havia alimentado uma esperança vã por todo aquele tempo. Enquanto isso, o kruig com o martelo que agora estava esbaforido, gastava ainda mais fôlego xingando os dois e mandando lutarem como kruigs.

Uma vez que os braços dele já não levantavam o martelo com a mesma velocidade e nem com a mesma força, Gumash abaixou-se e cortou a região atrás do joelho dele, assim como Zotar havia feito antes, só que na outra perna e obrigando-o a se abaixar de novo. Zotar aproveitou a oportunidade para arrancar o elmo do kruig com um poderoso chute e antes que ele se desse conta do ocorrido, Gumash estava com sua adaga enfiada em seu olho, finalizando o adversário.

Ainda com a lâmina cravada no olho do kruig, que agora estava de joelhos e havia largado o martelo, Gumash tirou uns dois segundos para respirar, o único tempo livre que teve antes de sentir uma das maiores dores da sua vida, percebendo que sua mão direita acabava de ser decepada. A princípio não entendeu como aquilo havia acontecido e como não antecipou o golpe, mas a próxima coisa que viu foi Zotar aplicando dois chutes voadores na intenção de afastar o kruig de machado, que já havia derrotado o kruig com a lança e agora desferia um novo golpe contra Gumash, na intenção de finalizá-lo. Gumash se esquivou e caiu no chão, urrando de dor, enquanto Zotar impediu novos ataques, golpeando o outro kruig repetidamente com suas adagas, intercalando com chutes, piruetas e cotoveladas, obrigando o kruig de machado a desviar sua atenção unicamente a ele.

A dor era quase insuportável, além de jorrar uma quantidade de sangue que Gumash sabia que não tinha o luxo de derramar se ainda sonhava em ganhar aquela batalha. Rapidamente puxou uma parte do tecido da própria roupa, segurando com os dentes e cortando com a adaga da mão esquerda enquanto dava passos para trás, recuando da batalha. Em seguida, improvisou um torniquete com o pedaço de tecido cortado e amarrou da melhor forma que conseguiu, utilizando os dentes e a mão que lhe restava, enquanto lágrimas de dor escorriam pelo seu rosto. Somando-se à dor, veio o desespero e em seguida a desesperança. Mesmo em seu melhor estado, Gumash sabia que não tinha chances de derrotar seu mestre Zotar. Até considerou brevemente que poderia sair ileso daquela luta e que se o seu mestre se ferisse de alguma forma, então ele teria chance. Mas o que aconteceu foi justamente o contrário e agora ele sentia o mundo desabar bem debaixo dos pés, concluindo que deveria ter ouvido os conselhos de sua baba e pensando no que seria dela agora que ele morreria.

Levantou-se e caminhou até o kruig do martelo que ainda estava com sua outra adaga presa no olho. Aquela adaga tinha um valor emocional para Gumash e ele não poderia deixá-la ali, então puxou e segurou ambas com a mesma mão, recusando-se a embainhar antes do fim da luta. 

Olhou para a mão decepada, cerrou os dentes por um instante e fechou os olhos, tentando controlar a respiração para reduzir seus batimentos cardíacos e levantando o braço direito para que o fluxo sanguíneo fosse menor na região mutilada. Nada disso reduziu a dor que estava sentindo e a vontade de Gumash era de gritar e chorar de dor, mas manteve-se firme da melhor forma que conseguia. Quando os sons de combate cessaram, Gumash sabia o que o esperava. Abriu os olhos para ver mais um adversário caído no chão e seu mestre de pé, parado, com suas duas adagas banhadas em sangue.

    - Sobrou a gente, de novo… - disse Zotar.

    - Senhor, termine logo com isso, seja rápido e limpo, chegou minha vez de conhecer a Mãe.

    - O que Guma acha que está fazendo? - perguntou Zotar, com um tom de repreensão na voz.

    - Senhor, eu sei que me ensinou a lutar até a morte, mas estou cansado e não quero fazer isso, além do mais, nada disso vai importar no fim, talvez a gente se encontre num próximo ciclo. - A cabeça de Gumash estava baixa enquanto dizia aquilo e estava a uma distância de mais ou menos 15 passos de Zotar.

    - Zotar ensinou Guma lutar, Zotar não ensinou Guma morrer. Erga ombros, mantenha olhos no adversário, controle centro de equilíbrio! E isso é ordem! - Aquilo era o que Zotar sempre dizia quando não queria ouvir argumentos de Gumash.

Gumash apenas obedeceu, sentindo o sangue quente escorrer pelo antebraço.

    - Por que Guma veio para cá? - Zotar perguntou.

    - Preciso ajudar minha baba, ela já perdeu muito - Gumash respondeu enquanto ainda ajustava sua postura.

    - E o objetivo de Guma é fazer ela perder ainda mais? Pois é o que acontecerá.

Com a desesperança dando mais uma pontada em seu peito, Gumash respondeu:

    - O senhor me preparou para enfrentar qualquer adversário, não preparou? Só não esperava encontrá-lo aqui, achei realmente que fosse vencer…

    - E o que faz pensar que não vai mais? - Zotar perguntou com calma.

Gumash odiava quando o mestre lhe fazia perguntas que para ele tinham respostas óbvias, então respondeu com um pouco de exaltação na voz:

    - Ora, estou em clara desvantagem aqui não estou? O senhor me ensinou tudo que sei e tem uma mão a mais, não é motivo o suficiente?

Zotar permaneceu calmo.

    - Guma disse certo antes, eu ensinei Guma a enfrentar qualquer um, inclusive a mim. Mas Guma vai morrer, se não começar a ser honesto

    - Mas senhor, quando que fui desonesto? - Gumash perguntou de imediato.

    - Guma é desonesto com próprio Guma. Se ambição de Guma não for verdadeira, então Guma não será mais forte que seus adversários, e acabará morto.

    - E qual é a sua?

    - Desmoronou tudo que eu tinha, então preciso construir de novo, algo que eu possa deixar - Zotar disse enquanto ouvia as vaias dos espectadores, que estavam decepcionados pela falta de ação do combate - Mas chega de conversa, se Guma acha que sua ambição é maior que a minha, então tente me vencer, isso é ordem!

Gumash assentiu com a cabeça, sabendo que não haveria meios de acabar com aquilo rapidamente. Colocou uma de suas adagas na boca, mordendo-a lateralmente pelo cabo e se preparou, estudando seu adversário antes de avançar. Zotar havia lhe ensinado tudo que sabia, de maneira que conhecia cada movimento seu, então estudar sua postura não ajudaria em nada.

Alguns segundos depois, Gumash apenas avançou para cima de Zotar, ganhando proximidade apenas para receber uma nuvem de areia nos olhos, lançada pelos pés do seu mestre com objetivo de cegá-lo.

Gumash foi obrigado a fechar os olhos e recuar vários saltos para trás, pois esperava um contra ataque imediato. Ao esfregar os olhos com as costas da mão e recuperar a visão, Gumash viu que seu mestre ainda permanecia na mesma posição. 

    - Seja honesto Guma, por que está aqui?

    - Eu já disse, vim pela minha baba - Gumash disse em um som abafado, pois segurava a adaga com os dentes, avançando logo em seguida e desferindo diversos golpes com a adaga em Zotar, que prontamente se esquivava, sem sair do lugar e sempre utilizando o mínimo de movimentos possível, esquivando-se apenas o necessário para se livrar da lâmina, nem um único milímetro a menos e nem a mais. Essa era uma habilidade de Zotar que Gumash sempre admirou, mas que agora lhe causava frustração. Gumash tentou alguns chutes, mas que foram prontamente bloqueados, vez ou outra, Zotar também utilizava os antebraços para desviar o curso das estocadas de Gumash, completando com sua esquiva minimalista, mas nunca contra-atacando com as suas próprias adagas. Em um descuido de Gumash, acabou se deixando levar pela frustração e aplicou mais força que o necessário no golpe, tentando cortá-lo com a lâmina que estava em sua boca. Quando Zotar se esquivou, Gumash acabou passando ao largo e perdendo o equilíbrio, recebendo em seguida um soco na orelha que o obrigou a cuspir sua adaga no chão, cambalear algumas vezes e depois se afastar de Zotar.

    - Droga, se você pode me matar com tanta facilidade, por que não faz logo de uma vez?

    - Porque Guma não aprende se estiver morto.

    - E o que quer que eu aprenda? Já não apanhei diversas vezes de você? Chega disso, usa essas suas adagas logo! - Gumash estava frustrado por haver constatado o que já sabia, não havia maneiras de ele vencer Zotar, mas o mestre se recusava a acabar logo com aquilo.

    - Quero que Guma aprenda que sua ambição precisa ser honesta, se ambição do aliado for maior que ambição de Guma, então o ciclo de Guma acaba e o do adversário continua.

    - E o que quer que eu diga? Que estou aqui para o meu próprio crescimento pessoal? Que estou aqui para que um dia aqueles humanos malditos que me escravizaram ajoelhem-se diante de mim? Que estou aqui para me vingar dos meus inimigos?

    - Agora Guma está sendo honesto. Mas lembre do que ensinei, Guma não tem inimigos, apenas adversários

    - O mundo não é uma arena, Zotar, o mundo é um circo de marionetes, controlado por aqueles que segmentam o poder, eu só acho que chegou minha hora de segurar as cordas!

    - Pelo contrário, jovem Guma, para um kruig o mundo inteiro sempre será uma arena.

    - Então vamos terminar com… - Gumash fez menção de avançar novamente, mas percebeu um detalhe que tinha fugido sua atenção. O chão da arena era de terra, com alguns pontos isolados de areia, mas haviam várias manchas de sangue espalhadas, tanto pelas lutas que ocorreram anteriormente, quanto pela que acabou de acontecer. Mas havia uma poça particularmente grande de sangue logo abaixo de Zotar, que Gumash podia jurar que não estava ali antes.

    - Senhor, o que significa isso? Achei que tivesse saído ileso da batalha.

    - Teria saído, mas Guma não estaria mais aqui.

Aquilo rapidamente aflorou a memória de Gumash. O kruig que lhe decepou a mão desferiu um segundo golpe contra ele, um que certamente seria fatal, mas achou que Zotar o tivesse afastado com chutes. Agora que pensava melhor, lembra-se de ter ouvido claramente o golpe atingir algo, mas com a dor do membro perdido nada daquilo fez sentido no momento, mesmo agora com seu pulso latejando de dor aquilo não parecia fazer sentido. Como Zotar conseguiu derrotar o kruig sozinho depois de receber um golpe daqueles?

    - Senhor, o que está tentando dizer?

    - Guma é kruig esperto, já sabe o que está acontecendo. Meu ciclo termina hoje, mas o de Guma continua. Minha ambição foi maior que a desse kruig - Zotar apontou para o corpo do kruig que lhe atacou com o machado - mas a de Guma é maior que a minha, só queria que entendesse isso antes de eu ir.

    - Não sei se entendi o que isso tudo significa ainda senhor - Gumash agora não estava mais bravo, estava abalado, por mais que quisesse vencer a competição, não queria ver seu mestre e amigo morto.

    - Significa que quando Guma não tiver mais ambição, certamente morrerá.

    - Tudo bem senhor, prometo que sempre terei.

    - Então prove, tente me vencer, isso é ordem!

Gumash sentiu novamente uma po



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