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Livro de Leonard Avritzer cai na armadilha de Bolsonaro

Política e antipolítica tem o mérito de, em linguagem jornalística, expor a crise do governo Bolsonaro no momento da pandemia. Poder-se-ia cobrar mais do autor, uma vez que o livro praticamente enxuga a participação da população e membros da esquerda, quase reduzindo o Brasil a uma espécie de Bolsonaro versus Bolsonaro. Compreendemos. A opção do autor foi, tudo indica, realmente apenas falar dos problemas que o governo Bolsonaro criou para ele mesmo. Mas, convenhamos, há algo de insatisfatório na publicação: será que o título do livro e o argumento central, se sustenta? Bolsonaro estaria de fato fazendo uma espécie de antipolítica? E o que livro propõe seria a verdadeira política?

O que é antipolítica no livro? Avritzer assim define:

A antipolítica é a reação à ideia de que instituições e representantes eleitos devem discutir, negociar e processar respostas a temas em debate no país. A antipolítica constitui uma negação de atributos como a negociação ou a coalizão. Ela se estabeleceu no Brasil a partir da suposta luta anticorrupção. Ninguém é contra a luta anticorrupção e uma sociedade sem corrupção continua fazendo parte de um horizonte utópico e desejável no Brasil. Porém, existe um fio da navalha entre a construção de um horizonte utópico e a transformação de grupos políticos, partidos e cidadãos em párias a serem perseguidos nas ruas, aeroportos e redes sociais. (Avritzer, Leonardo. Política e antipolítica (Coleção 2020) (p. 19). Todavia. Edição do Kindle).

Não tenho como objetar neste detalhe: a ideia de centrar a política em quem rouba e quem não rouba o erário público é pobre. Para além do livro, pode-se dizer – como eu costumeiramente faço – que uma tal forma de ver a política é própria de nossa classe média. Mas, colocando de lado isso e ficando só com a noção de antipolítica, é possível concordar com o autor? Aqui, parece que o autor se envolveu em uma situação complicada.

A antipolítica de Avritzer é pouco útil, pois ela se restringe à própria concepção e definição de Bolsonaro. Também para Bolsonaro, de certo modo, a antipolítica é isso que Avritzer diz que é: não estabelecer acordos fáceis. Ora, mas Bolsonaro também disse que iria fazer uma “nova política”. Ele falou que ia fazer a antipolítica tomando a política tradicional como algo a ser negado. Errado? Não de todo. Afinal, quem já não disse isso? De fato, no Brasil, não temos conseguido estabelecer o que é acordo em torno de ideias sem que se forneça cargos ao adversário que se pretende cooptar. Essa prática nem sempre é aceita pela população. Aliás, nem sempre é falada pelos candidatos, ao menos quando estão na oposição, como sendo algo virtuoso. De fato, Bolsonaro fez o que disse que ia fazer, até um determinado momento – até seu encontro com o Centrão. Recolou na praça uma política em que o combate ideológico é central. Ora, quem pode dizer que isso não é política?

Tomemos a ideologia não no sentido de Marx, como falsa consciência, mas como esta é vista na imprensa e no senso comum, isto é, como doutrina, como ideário. Nessa acepção, os não ideológicos são Moro e Dória. Um é juiz e outro é gestor. Ambos afirmam não serem políticos pois não possuiriam ideologia. São membros do céu junto com Jesus, acima de conflitos dos meros mortais. Assim, falam o que falam para poderem fazer política. O próprio Bolsonaro fez isso para se eleger. O livro de Avritzer parece endossar essa ideia bolsonaresca.

O livro louva ideias centristas. Consegue, inclusive, transformar Mandetta em herói à medida que o constrói como centrista. Há o louvor do centro. Não há a percepção que uma tal forma de pensar é exatamente a da classe média, a do Marechal Castelo Branco, em certa medida a que faz com que se imagine que as ideologias são nefastas, e que a política pode se fazer sem ela. Assim, a posição de centro, que no fundo é a posição liberal (ou neoliberal), se faz passar por não ideológica e, enfim, se torna o que seria o bom senso, o razoável, a medida do meio termo. A média é o melhor lugar? Esquece-se que a média gera mediocridade!

Não à toa, portanto, o livro louva a política que se opõe ao que chama de antipolítica: trata-se da política ideológica do centro. Ora, trata-se de uma posição que visa enganar o ouvinte, o eleitor, pois quer fazer pensar que só é ideológica a esquerda e a direita. Não há razão para quem quer ser radical. Foge-se assim da definição de radical que vem de Marx: ir às raízes. Fica-se com a ideia de senso comum que ser não radical é ter bom senso. Ora, uma tal posição é altamente ideológica – e, nesse particular, ideológico aqui tem  ver com Marx, falsa consciência.

Assim, não é difícil ver que o livro cai direitinho na armadilha de Bolsonaro, ao menos aquela que foi estampada na retórica da campanha eleitoral, quando ele insistia que iria chegar no governo e limpar a política do “viés ideológico”. Depois, uma vez no governo, ele acabou confessando que entendia por “viés ideológico” apenas o que estava atrelado aos governos do PT e outros que viessem a defender teses de respeito a direitos humanos, direitos de minorias e semelhantes. Ao reclamar da antipolítica de Bolsonaro, define a política segundo uma das definições de Bolsonaro, a da campanha; ao propor uma prática política correta, que Bolsonaro deveria seguir se fosse um bom governante, endossa uma perspectiva em que o ideal é o afastamento de esquerda e direita, que seriam polos ideologizados. Nessa segunda situação, endossa ao menos uma parte da política de Bolsonaro: a esquerda é ideológica, e deve ser extirpada.

Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo.



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