Get Even More Visitors To Your Blog, Upgrade To A Business Listing >>

Refutando objeções ao aniquilacionismo (Parte 2)



A “destruição” é sempre apenas no sentido de “ruína”?

Outra estratégia usada pelos ‘infernistas’ é dizer que as várias ocorrências bíblicas dos termos “destruir” e “perecer” significam apenas “ruína”, e nunca tem o sentido de destruição total ou cessação de existência. Para fundamentar essa posição, citam os vários casos em que a palavra apollumi aparece no sentido de “perder” algo, e não no sentido de “destruir” efetivamente. Em resposta a essa objeção, deve ser observado que, realmente, apollumi tem um sentido secundário que muitas vezes é usado no Novo Testamento, que é o significado de “perder”. Sempre quando alguém “perde” algo (como a moeda da parábola de Lucas 15:9), ou está em “perdição”, é apollumi que aparece, porque o grego não tinha palavra exclusiva para “perder-se”. Essa é a razão pela qual encontramos tantos casos onde apollumi não implica em destruição total.

No entanto, qualquer indivíduo minimamente esclarecido sobre o grego bíblico sabe também que há outras palavras que só podem significar “destruição”, e que sempre quando aparecem significam destruição mesmo, no sentido de morte e cessação de existência consciente. Uma dessas palavras é olethros, que aparece, por exemplo, em 1ª Coríntios 5:5, texto este que diz:

“Entreguem esse homem a Satanás, para que o corpo seja destruído [olethros], e seu espírito seja salvo no dia do Senhor” (1ª Coríntios 5:5)

Ninguém em sã consciência faz oposição ao fato óbvio de que aqui o “destruir” do corpo se refere literalmente à morte (cessação de vida), pois o corpo não permaneceria vivo e ativo quando o olethros viesse a ocorrer. O problema para os imortalistas é que essa mesma palavra grega é usada várias vezes para o destino final dos ímpios depois do juízo, como, por exemplo, em 1ª Tessalonicenses 1:9, que afirma:

“Eles sofrerão a pena de destruição [olethros] eterna, a separação da presença do Senhor e da majestade do seu poder”(2ª Tessalonicenses 1:9)

Paradoxalmente, em construções verbais semelhantes e onde aparece a mesma palavra grega para “destruir”, os imortalistas interpretam o primeiro caso como uma destruição real (morte), mas o segundo caso apenas como uma “perdição” ou “ruína”. O que pode explicar isso a não ser a grave epidemia de eisegese presente nos círculos imortalistas? Como Bacchiocchi corretamente observa, “a destruição dos ímpios não pode ser eterna em duração porque é difícil imaginar um processo eterno, inconclusivo de destruição. A destruição pressupõe aniquilamento. A destruição dos ímpios é eterna, não porque o processo de destruição continue para sempre, mas porque os resultados são permanentes”[1].

Norman Geisler, em sua Enciclopédia de Apologética, ainda tenta dar um último suspiro à crença imortalista com um exemplo totalmente defeituoso, onde a “destruição” final dos ímpios é comparada à destruição de um carro em um depósito de ferro que já foi destruído, mas não aniquilado, e ainda continua sendo carro. O problema com esta analogia é que para um carro voltar a funcionar como carro (i.e, em estado de atividade, e não como mera sucata) alguém precisa consertar ele. Os corpos dos ímpios depois da destruição final serão como o carro que é totalmente destruído e que já não está mais em atividade.

Os corpos mortos (cadáveres daqueles que morreram carborizados) permanecerão no geena por algum tempo, à vista de todos os justos, como advertência (Is.66:24), tal como o carro que já não anda mais, mas está totalmente quebrado. A diferença entre um caso e outro é que o carro ainda pode voltar a funcionar se alguém consertá-lo, mas os corpos mortos dos ímpios jamais serão ressuscitados para poderem voltar à vida e atividade. No fim das contas, o carro destruído que não é consertado virará sucata e com o tempo os elementos se dissolverão em nada, assim como os corpos dos ímpios. A diferença é que Deus acelerará este processo com a criação de “novo céu e nova terra”(Ap.21:1), e como o prof. Azenilto Brito bem observa, não há parte alguma que nos diga que tal lago de fogo “se transfira para alguma outra parte do universo para prosseguir queimando. Tal lago de fogo, após operar a ‘segunda morte’, simplesmente sai de cena”[2].

Portanto, a analogia com o “carro destruído”, ao invés de provar a sobrevivência e consciência eterna dos ímpios, prova apenas que eles precisariam ressuscitar caso tivessem que sair do estado de inatividade para o estado de atividade, onde poderiam ser sensíveis ao fogo. Um corpo morto ainda é um “corpo”, mas ele precisa ser ressuscitado para estar em vida. Um carro destruído ainda é um “carro”, mas ele precisa ser consertado para voltar a funcionar como carro. Se o corpo ou o carro não são consertados, estão apenas fadados a se dissolverem em nada – o carro é desintegrado, e o corpo volta ao pó da terra. E não há absolutamente nada que sugira que os ímpios serão “consertados” após serem “destruídos”!

A única forma de salvar a doutrina ‘infernista’ seria espiritualizando tudo. Ou seja: fazer de conta que todos esses textos de destruição dos ímpios nunca se referem ao estado natural em que o corpo deles se encontrará após o juízo, mas sempre somente à “condição espiritual”. O problema com isso é que quase sempre essa destruição dos ímpios está associada com a vida eterna dos remidos, a qual não é uma vida apenas “espiritual”, mas natural e literal também. Se a destruição eterna é usada em paralelo à vida eterna, e esta vida eterna não está no sentido de “apenas espiritual”, então espiritualizar a destruição dos ímpios para tentar encaixar um tormento eterno ali é simplesmente desonesto. A destruição precisa ser tão natural e física quanto a vida dos salvos na eternidade será natural e física.

E mesmo que o termo “destruir” por si só não bastasse para concluir em favor de um aniquilacionismo, sequer precisamos disso, porque tal como o erudito Basil Atkinson observa, há mais de 25 substantivos diferentes para descrever o aniquilacionismo final dos ímpios[3]. Os escritores vétero e neo testamentários simplesmente esgotaram os substantivos do idioma hebraico e grego para descrever a destruição completa que os ímpios sofrerão. Se o termo “destruir” não parece forte o suficiente, o que você diria sobre “exterminar” (Sl.37:9; Mc.12:5-9; At.3:23), “tornar em cinzas” (2Pe.2:6; Is.5:24; Ml.4:3), “evaporar” (Os.13:3) ou “deixar de existir” (Sl.104:35; Pv.10:25)? Ou que tal a linguagem de ser “consumido” (Ap.20:9; Sl.1:18; 21:9), de ser “como se nunca tivesse existido” (Ob.1:16) e de ser “reduzido a nada” (Is.41:11-12)?

Geisler esboça uma “refutação” a isso também. Em sua “Enciclopédia de Apologética”, ele cita dois textos bíblicos (Is.57:1; Mq.7:2) como a “prova” de que o “perecer” ou “destruir” não diz respeito ao aniquilacionismo dos ímpios, com essa argumentação brilhante:

“Deve-se observar que a palavra hebraica usada para descrever os ímpios perecendo no Antigo Testamento (’ãvad) também é usada para descrever os justos perecendo (v. Is.57:1; Mq.7:2). Mas até os aniquilacionistas admitem que os justos não serão aniquilados. Sendo esse o caso, não deveriam concluir que os ímpios deixarão de existir com base nesse termo”[4]

O que Geisler parece não perceber é que de fato esses textos dizem que os justos também serão aniquilados por esta ocasião, porque eles estão falando da primeira morte, e não da segunda! O problema é que os leitores leigos não têm o costume de conferir os textos citados entre os parêntesis como referência, e assim são facilmente ludibriados por qualquer argumentação tola. Qualquer um que de fato decida ir conferir nestas duas referências os textos em questão perceberá que o autor estava falando do destino de justos e ímpios nesta vida, e nesta vida é óbvio que tanto os justos quanto os ímpios igualmente morrem (i.e, deixam de existir). O texto de Miquéias referenciado diz:

Já pereceu da terra o homem piedoso, e não há entre os homens um que seja justo; todos armam ciladas para sangue; cada um caça a seu irmão com a rede” (Miquéias 7:2)

Note que o texto não diz que o justo “perecerá” (indicando um estado futuro depois do juízo), mas sim que ele “já pareceu” (indicando apenas esta vida terrena presente). Nesta vida, os justos e ímpios perecem (morrem). A diferença só ocorre na vida futura (depois da ressurreição), quando apenas os ímpios perecerão novamente (o que é conhecido como segunda morte), enquanto os justos não, e herdarão em lugar disso uma vida eterna. O outro texto referenciado por Geisler é o de Isaías 57:1, que diz:

O justo perece, e ninguém pondera sobre isso em seu coração; homens piedosos são tirados, e ninguém entende que os justos são tirados para serem poupados do mal”(Isaías 57:1)

Mais uma vez, o termo não está no tempo futuro (“perecerá”), como é costume quando os autores bíblicos estão tratando do juízo vindouro, mas sim “perece” (no tempo presente), indicando apenas a vida atual. Portanto, inferir através destes textos que o termo não implica em “aniquilar” porque ele também é usado aos justos nesta ocasião é simplesmente falso, pois de fato ele implica em aniquilar nestas ocasiões específicas, uma vez que ele é usado em aplicação à vida presente, e não à vida futura. O contra-argumento de Geisler não passa de um “tiro no pé”, com um efeito bumerangue, que volta contra si mesmo. Não apenas ele não explica nada sobre os inúmeros textos que tratam da destruição final depois do juízo, como ainda mostra que esta palavra realmente implica em morte real, já que nesta vida morremos de fato!

Um capítulo inteiro que deixa isso ainda mais claro é o Salmo 37, onde o escritor inspirado claramente se referia ao destino futuro posterior ao juízo, tendo em vista que ele fala de destinos distintos para salvos e perdidos, ao invés de uma destruição para ambos (como seria caso estivesse falando apenas da vida presente). Para que ninguém diga que um texto está “fora de contexto”, citarei os textos na íntegra:

Salmos 37
9 Porque os malfeitores serão desarraigados; mas aqueles que esperam no Senhor herdarão a terra.
10 Pois ainda um pouco, e o ímpio não existirá; olharás para o seu lugar, e não aparecerá.
11 Mas os mansos herdarão a terra, e se deleitarão na abundância de paz.
12 O ímpio maquina contra o justo, e contra ele range os dentes.
13 O Senhor se rirá dele, pois vê que vem chegando o seu dia.
14 Os ímpios puxaram da espada e armaram o arco, para derrubarem o pobre e necessitado, e para matarem os de reta conduta.
15 Porém a sua espada lhes entrará no coração, e os seus arcos se quebrarão.
16 Vale mais o pouco que tem o justo, do que as riquezas de muitos ímpios.
17 Pois os braços dos ímpios se quebrarão, mas o Senhor sustém os justos.
18 O Senhor conhece os dias dos retos, e a sua herança permanecerá para sempre.
19 Não serão envergonhados nos dias maus, e nos dias de fome se fartarão.
20 Mas os ímpios perecerão, e os inimigos do Senhor serão como a gordura dos cordeiros; desaparecerão, e em fumaça se desfarão.
21 O ímpio toma emprestado, e não paga; mas o justo se compadece e dá.
22 Porque aqueles que ele abençoa herdarão a terra, e aqueles que forem por ele amaldiçoados serão desarraigados.
23 Os passos de um homem bom são confirmados pelo Senhor, e deleita-se no seu caminho.
24 Ainda que caia, não ficará prostrado, pois o Senhor o sustém com a sua mão.
25 Fui moço, e agora sou velho; mas nunca vi desamparado o justo, nem a sua semente a mendigar o pão.
26 Compadece-se sempre, e empresta, e a sua semente é abençoada.
27 Aparta-te do mal e faze o bem; e terás morada para sempre.
28 Porque o Senhor ama o juízo e não desampara os seus santos; eles são preservados para sempre; mas a semente dos ímpios será desarraigada.
29 Os justos herdarão a terra e habitarão nela para sempre.
30 A boca do justo fala a sabedoria; a sua língua fala do juízo.
31 A lei do seu Deus está em seu coração; os seus passos não resvalarão.
32 O ímpio espreita ao justo, e procura matá-lo.
33 O Senhor não o deixará em suas mãos, nem o condenará quando for julgado.
34 Espera no Senhor, e guarda o seu caminho, e te exaltará para herdares a terra; tu o verás quando os ímpios forem desarraigados.
35 Vi o ímpio com grande poder espalhar-se como a árvore verde na terra natal.
36 Mas passou e já não aparece; procurei-o, mas não se pôde encontrar.
37 Nota o homem sincero, e considera o reto, porque o fim desse homem é a paz.
38 Quanto aos transgressores, serão à uma destruídos, e as relíquias dos ímpios serão destruídas.

Torna-se claro que o autor inspirado não estava falando do destino terreno nesta vida (onde justos e ímpios perecem igualmente na morte), mas sim do destino final posterior ao juízo, tendo em vista tantos e numerosos contrastes sobre o destino futuro dos justos e dos ímpios, como demonstrado na tabela abaixo:

O Justo
O Malfeitor
Herdará a terra (v.9)
Será desarraigado (v.9)
Deleitar-se-á abundantemente (v.10)
Não existirá (v.10)
Permanecerá para sempre (v.18)
Será ferido mortalmente (v.15)
Terá uma morada eterna (v.27)
Perecerá (v.20)
Será preservado para sempre (v.28)
Desaparecerá (v.20)
Habitará na terra para sempre (v.29)
Se desfará como a fumaça (v.20)
Viverá em paz (v.37)
Será à uma destruído (v.38)
Notavelmente, o contraste era sempre entre uma existência eterna versus algum sinônimo, tipo ou analogia de aniquilacionismo. Em nenhum momento a vida eterna dos justos era contrastada com um “tormento eterno” para os ímpios. Se o salmista pensasse que os ímpios seriam atormentados para sempre como consequencia de seus pecados, seria imprescindível que ele registrasse isso pelo menos uma vez em meio às suas várias descrições sobre o futuro dos ímpios no mundo vindouro. Afinal, não haveria nada que pudesse ser pior do que isso como castigo por todas as maldades realizadas em vida. No entanto, esse fantasioso tormento eterno é absolutamente ignorado em todas as vezes em que o salmista descreve a punição dos ímpios.

Convenhamos: que tipo de gente, sabendo que um inimigo será punido com tormento eterno e querendo ressaltar essa terrível punição, não a menciona nunca, mas sempre diz apenas que será “destruído”, que “perecerá” e que “não mais existirá”? Antes que alguém responda que na época todo mundo interpretaria como “tormento eterno” uma vez que o aniquilacionismo não era conhecido, é necessário estudar aquilo que a história de fato nos diz. Historicamente falando, o conceito de tormento eterno era o menos conhecido, o menos popular e o menos crido em qualquer povo que fosse.

Pode parecer surpresa para muitos, mas o aniquilacionismo era muito mais popular e difundido na época em que os escritores bíblicos escreviam, do que é nos dias de hoje. Este não era nem de longe um conceito novo. Além do Antigo Testamento, que é explicitamente e obviamente aniquilacionista, os escritos judaicos do período intertestamentário ainda mantinham a visão tradicional e bíblica de que no fim dos tempos os ímpios serão aniquilados. O livro da “Assunção de Moisés” (que data do primeiro século antes de Cristo), muito respeitado entre os judeus e inclusive citado por Judas em sua epístola canônica (Jd.9), é abertamente aniquilacionista. Ele diz:

“E então o reino dele aparecerá através de toda Sua criação, e então Satanás não mais existirá, e a tristeza partirá com ele”[5]

O mesmo livro diz ainda que os “gentios” (i.e, os não-salvos, na concepção judaica da época) serão “exterminados”[6].

Já no apócrifo judaico do “Apocalipse de Elias”, é dito também:

“Naquele dia, ele [anticristo] será aniquiladona presença d'Ele, diluir-se-á como o gelo ao fogo. Ele será esmagado como a um dragão, sem que possa dar um suspiro. E ser-lhe-á dito: ‘Passado é o teu tempo. Serás agora eliminado, juntamente com aqueles que em ti acreditaram’ (...) E Deus criará um novo céu e uma nova terra, onde não existirá mais nenhum demônio. Então ele reinará com os santos, enquanto sobe e enquanto desce; e os santos também estarão o tempo todo com os Anjos e com o Ungido, durante mil anos”[7]

Na época de Flávio Josefo (38-100) é nos dito que os saduceus ainda eram aniquilacionistas[8], embora os fariseus provavelmente já cressem em imortalidade da alma[9]. De qualquer forma, o conceito aniquilacionista ainda era extremamente popular entre o povo judeu.

E quanto ao mundo gentio? As três principais vertentes do mundo grego da época eram o platonismo, o estoicismo e o epicurismo. Estes últimos dois eram explicitamente aniquilacionistas (os epicureus imediatamente após a morte, e os estoicos na conflagração universal). Apenas os platônicos criam na sobrevivência eterna e ininterrupta da alma, mas, mesmo assim, eles eram reencarnacionistas, e não criam em um “tormento eterno” do tipo tertulianista e agostiniano.

Um apócrifo cristão que foi muito considerado nos primeiros séculos chamava-se “Apocalipse de Pedro”, o qual é datado de aproximadamente 100 d.C, ou seja, muito próximo da morte do último dos apóstolos (João). Esse apócrifo consta como “canônico” no cânone muratoriano (do século II) e foi muito lido e usado por várias comunidades cristãs da época, até o século IV. O detalhe é que este livro também é reconhecidamente aniquilacionista. Ele diz:

“Nem todas as almas provêm da Verdade, nem todas dá imortalidade. Nestes éons, em nossa opinião, cada alma está destinada a morrer porque é sempre escrava, tendo sido criada para (satisfazer) os seus desejos, e o seu papel é a destruição eterna: nela se encontra e dela deriva”

E também:

“As pessoas sábias têm conhecimento de que não se colhem figos de cardos ou de espinhos, nem uvas de plantas espinhosas. Isto é, cada fruto provém sempre da árvore à qual pertence: se ele não for bom para ela (a alma) será a destruição e a morte; a outra alma, ao invés, provém da árvore eterna, a da Vida e da imortalidade, da Vida à qual ela se assemelha. Portanto, tudo que não tem existência verdadeira se dissolverá em nada

O ponto fundamental em questão é que os escritores bíblicos em geral, e os evangelistas e apóstolos em especial, não escreviam em um mundo que cria majoritariamente em um tormento eterno; ao contrário, eles escreviam em um mundo no qual quase ninguém cria em tormento eterno, e onde o aniquilacionismo era um conceito bastante comum e crido na época por uma grande quantidade de pessoas.

Consequentemente, se os apóstolos não fossem aniquilacionistas, seria de se esperar que eles empregassem uma linguagem totalmente contrária aos aniquilacionistas típicos, de modo que mostrasse claramente que eles criam em um sofrimento eterno e infindável em um “lago de fogo”, em contraste com todas aquelas várias pessoas que eram aniquilacionistas. Mas qualquer leitor honesto que leia o Novo Testamento nota exatamente o contrário. Não apenas os apóstolos não faziam jamais qualquer tipo de menção a um tormento eterno (o qual só aparece hiperbolicamente uma única vez, entre as figuras de linguagem do Apocalipse, e para falar dos demônios), como também reiteradamente empregavam a mesma linguagem que o mundo aniquilacionista da época empregava para tratar do destino final dos ímpios.

Para não me aprofundar aqui e ter que repetir tudo aquilo que já escrevi em meu livro anterior, por hora basta mencionarmos as analogias usadas pelos profetas, por Jesus e pelos apóstolos para retratar a sorte final dos ímpios. No “mundo aniquilacionista”, as analogias frequentemente utilizadas para retratar a morte final eram comparações onde o objeto em questão que era usado analogicamente era destruído, deixava de existir, ou virava cinzas – todas essas figuras perfeitas para retratar a destruição final. Em contraste, as analogias utilizadas pelos imortalistas eram comparações onde o objeto usado analogicamente não era consumido, mas mantinha uma existência contínua.

Já vimos no capítulo 20 deste livro que Tertuliano propôs a analogia do “monte em chamas”. Quando um monte é incendiado, não o vemos sendo consumido e nem desaparecendo. Ele continua existindo exatamente da mesma forma que antes, e embora sua superfície seja afetada, pouco depois ela é reparada. Para Tertuliano, o “monte em chamas” era uma analogia perfeita e fiel ao destino final dos ímpios: assim como a montanha, eles não desaparecerão nem serão consumidos pelo fogo, embora sofram assim como o solo da montanha que é queimada. É dele uma frase que ficou bem conhecida nos séculos seguintes sobre a natureza do fogo do inferno: “um fogo que não consome o que queima, mas enquanto queima repara”[10].

Agostinho propôs uma analogia semelhante, mas retirada da Bíblia: a sarça de Moisés, que estava em chamas, mas não era consumida (Êx.3:2). Agostinho viu nisso uma perfeita analogia com o destino dos ímpios: serão queimados, mas não consumidos. O que precisa estar claro aqui é que de fato existem exemplos e comparações que os escritores bíblicos poderiam ter usado caso cressem em um tormento eterno. Essas opções estavam prontas, à mão, que poderiam ter sido perfeitamente utilizadas por eles, caso eles quisessem. Não seria por falta de exemplos que eles deixariam de citar “analogias imortalistas”.

Contudo, não há absolutamente lugar nenhum da Bíblia que compare a destruição dos ímpios no inferno com um “monte em chamas”. Também não há absolutamente nada na Bíblia que assemelhe o destino dos ímpios com a “sarça ardente”. Também não há absolutamente nada nas Escrituras que trace qualquer tipo de analogia com qualquer coisa que não seja consumida ao ser queimada, mas que “enquanto queima, repara”.

Bastaria uma única analogia deste tipo e já estaria provado o tormento eterno. Mas, ironicamente, as analogias realmente empregadas na Bíblia são sempre de aniquilacionismo, em meio a um mundo da época que usava essas mesmas analogias para ensinar o aniquilacionismo grego ou judaico. No Antigo Testamento, o futuro dos ímpios é comparado com uma “fumaça que desvanece” (Sl.37:20), com uma “flor que se esvaecerá como pó” (Is.5:23), com uma árvore da qual não sobrará “nem raiz nem ramo”(Ml.4:1), com cinzas que são pisadas pelos justos (Ml.4:3), com a fumaça que é levada pelo vento (Sl.68:2) e com a cera que derrete na presença do fogo (Sl.68:2).

Os ímpios são comparados ainda com um sonho que desaparece quando acordamos (Sl.73:20), com uma lâmpada que será apagada (Pv.24:20), com uma palha que é consumida pelo fogo (Is.5:24), com o restolho que é devorado pelas chamas (Is.5:24), com o pó que é levado pelo vento (Is.5:24), com a palha levada pelo vento e tornada em pó (Is.29:5), com a ovelha destinada ao matadouro (Jr.12:3), com o orvalho que bem cedo evapora (Os.13:3), com a palha mais seca que é consumida (Na.1:10), e, finalmente, “serão como se nunca tivessem existido” (Ob.1:16).

Observe quantas vezes o aniquilacionismo final dos ímpios é comparado a coisas como o “pó”, a “fumaça” ou as “cinzas”, que são bastante apropriadamente utilizadas para algo que deixa de existir, uma vez que são visivelmente os menores elementos que poderiam ser comparados. Alguém que se torna “cinzas” ou “pó” não pensa, não sente, não age, não sofre. É apenas uma forma de dizer que eles serão “reduzidos a nada” (Is.41:12). Por mais que os escritores bíblicos tivessem numerosos exemplos para citar de coisas que não são consumidas e que mantém uma existência intacta por toda a eternidade, eles faziam questão de sempre comparar a sorte final dos pecadores com coisas perecíveis. Sempre.

Engana-se quem pensa que este padrão foi alterado com a chegada do Novo Testamento. As analogias neotestamentárias continuam sendo bastante aniquilacionistas, e ainda não há sequer uma única comparação que nos sugira que os não-salvos serão imortais no geena. Jesus foi o que mais ensinou o aniquilacionismo por comparação. Ele disse que os ímpios serão como o sal que é jogado fora e pisado pelos homens (Mt.5:13), como os lavradores da vinha que foram exterminados (Mc.12:9), como os galileus que pereceram e morreram mesmo (Lc.13:2-3), como os dezoito da torre de Siloé que foram aniquilados pela torre quando ela caiu em cima deles (Lc.13:4-5), como os cidadãos da cidade que foram executados pelo rei (Lc.19:27) e como alguém que é “reduzido ao pó” ao ser atingido por uma grande pedra (Mt.21:44).

Paulo comparou o destino final dos ímpios com um vaso que está preparado para a destruição (Rm.9:22), o autor de Hebreus disse explicitamente que o fogo devorará os rebeldes (Hb.10:27), e Pedro disse que eles teriam “repentina destruição” (2Pe.2:1), o que não condiz com uma destruição meramente espiritual, a qual não acontece “subitamente”, mas é fruto de um processo de morte espiritual. Ao invés de dizer que eles serão atormentados eternamente, ele diz que “a sua destruição não tarda” (2Pe.2:3), porque, para ele, o “Dia do Juízo destruirá os homens ímpios”(2Pe.3:7). Pedro disse ainda que toda alma que rejeitasse Jesus seria exterminada (At.3:23), e que os ímpios seriam estrado para os pés dos justos (At.2:35).

Até mesmo João, o mesmo que é tão usado pelos imortalistas por ter dito hiperbolicamente que a besta e o falso profeta sofreriam eternamente (Ap.20:10), disse com a mesma clareza que o fogo do céu que cairá sobre os ímpios os consumirá (Ap.20:9), em direto contraste com os imortalistas, que garantem que o fogo não consumirá os corpos, porque aparentemente a Bíblia deles só tem o verso 10. Mas o caso mais interessante se encontra mesmo em 2ª Pedro 2:6, onde o apóstolo trabalha com uma analogia explicitamente aniquilacionista, dizendo:

“Também condenou as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-os as cinzas, tornando-as como exemplo do que acontecerá com os ímpios” (2ª Pedro 2:6)

Pedro não apenas disse que o destino final dos ímpios será se tornarem cinzas (o que por si só já é uma refutação gigante ao imortalismo), como também disse que o destino deles será o mesmoque as cidades de Sodoma e Gomorra tiveram, para não deixar nenhuma sombra de dúvida de que essa linguagem de aniquilacionismo era mesmo literal. Essas duas cidades foram atingidas em cheio pelo fogo devorador de Deus enviado do céu, e como consequência foram totalmente destruídas, ao invés de terem sido refratárias ao fogo sem serem consumidas.

Se Pedro diz que o destino final dos ímpios será o mesmo daquele que as cidades de Sodoma e Gomorra tiveram, e essas cidades foram literalmente reduzidas ao pó, então ele estava sendo literal quando disse que os ímpios se tornariam cinzas. Ele não podia ter sido mais claro. É óbvio que ele não vislumbrava qualquer tipo de imortalidade aos ímpios em meio a um fogo “que não consome”. Pedro poderia perfeitamente ter comparado o destino dos ímpios com o monte em chamas, com a sarça ardente ou com as outras analogias empregadas pelos imortalistas, mas ele fez questão de pegar uma que define com exatidão o aniquilacionismo bíblico, de uma forma que ninguém poderia fazer melhor.

Não apenas Pedro, mas nenhum dos escritores bíblicos faz qualquer tipo de analogia imortalista. Em vez disso, nas mais de trinta comparações que são feitas, elas em todos os casos retratam um destino de destruição final e de ser totalmente consumido pelo fogo, ao invés de ser mantido em existência perpétua em meio a ele. Podemos até perdoar a ignorância de Tertuliano, mas não podemos perdoar a ignorância de apologistas que em pleno século XXI ainda continuam sustentando uma mentira tão descaradamente antibíblica como essa, de que os ímpios não serão consumidos. Geisler diz isso explicitamente em sua Enciclopédia e, para piorar, ainda cita como referência um único texto bíblico (o de Marcos 9:48), o qual não diz em lugar nenhum que o fogo não consome![11]

É difícil entender o porquê que


This post first appeared on Heresias Católicas, please read the originial post: here

Share the post

Refutando objeções ao aniquilacionismo (Parte 2)

×

Subscribe to Heresias Católicas

Get updates delivered right to your inbox!

Thank you for your subscription

×