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O livre exame de Barnabé que enterra o magistério infalível


O livre exame é um dos ensinos protestantes mais atacados pelos papistas, ou talvez o mais atacado. Todo mundo já conhece a lenga-lenga de sempre: nós evangélicos não podemos interpretar a Bíblia porque nossa interpretação é “pessoal” e “subjetiva”, e a mesma só pode ser interpretada através da interpretação infalível do magistério católico. Ou seja, ninguém é realmente livre para ler e interpretar as Escrituras, o único livre de fato é o papa, e o resto que se lasque, vai ter que concordar com a interpretação do papa querendo ou não, sendo ela boa ou não.

E inacreditavelmente existem apologistas católicos que acham que na era patrística as coisas funcionavam assim (pasme!), quando basta uma breve leitura nos escritos dos Pais para perceber o quão óbvio era que eles interpretavam a Bíblia com total liberdade tal como um evangélico faz nos dias de hoje, sem condicionar essa interpretação a um “magistério infalível” romano. Como citar toda a patrística aqui seria impossível, mencionarei aqui apenas um autor, mas se necessário for publicarei mais outros artigos com outros autores. Trata-se de Barnabé de Antioquia, um cristão do segundo século que escreveu uma carta conhecida pelo nome de “Epístola de Barnabé”. As citações podem ser conferidas neste famoso site católico para ninguém acusar adulteração.

Vejamos, portanto, algumas interpretações de Barnabé, para concluirmos se ele seguia à risca um magistério infalível ou se interpretava as Escrituras livremente. Comecemos com essa interpretação dele dos 318 homens circuncidados por Abraão:

“Com efeito, ele diz: ‘E Abraão circuncidou entre os homens de sua casa trezentos e dezoito homens’. Qual é, portanto, o conhecimento que lhe foi dado? Notai que ele menciona em primeiro lugar os dezoito e depois, fazendo distinção, os trezentos. Dezoito se escreve: I, que vale dez, e H, que representa oito. Tens aí: IH(sous) = Jesus. E como a cruz em forma de T devia trazer a graça, ele menciona também trezentos (= T). Portanto, ele designa claramente Jesus pelas duas primeiras letras e a cruz pela terceira. Quem depositou em nós o dom do seu ensinamento sabe bem disto: Ninguém recebeu de mim ensinamento mais digno de fé. Sei, porém, que vós sois dignos” (Epístola de Barnabé, 9)

Bom, eu particularmente nunca vi um católico sustentando essa interpretação como legítima, muito menos vi algo do tipo constando no Denzinger, o compêndio oficial dos ensinamentos da Igreja Católica. É, parece que Barnabé estava interpretando a Bíblia livremente...

E tem mais essa interpretação que ele faz sobre as proibições de certos tipos de alimentos importas por Moisés:

“Moisés disse: ‘Não comereis porco, nem águia, nem gavião, nem corvo, nem peixe algum que não tenha escamas’. Porque ele tinha em mente três ensinamentos. Por fim, ele diz a eles no Deuteronômio: ‘Exporei a esse povo as minhas decisões’. A proibição de comer não é, portanto, mandamento de Deus, pois Moisés falava simbolicamente. Eis o significado do que ele diz sobre o ‘porco’. Não te ligarás a esses homens que se assemelham aos porcos; isto é, que quando vivem na abundância, se esquecem do Senhor; mas na necessidade reconhecem o Senhor. Assim é o porco: enquanto está comendo, ele não conhece seu dono; mas quando está com fome, ele grunhe e, uma vez tendo comido, volta a se calar. Ele diz: ‘Também não comerás a águia, nem o gavião, nem o milhafre, nem o corvo’. Isto é: não te ligarás, imitando-os, a esses homens que não sabem ganhar o alimento por meio do trabalho e do suor, mas que, em sua injustiça, arrebatam o bem alheio. Andam com ar inocente, mas espionam e observam a quem vão despojar por ambição. Eles são como essas aves, as únicas que não providenciam o alimento por si próprias, mas se empoleiram ociosamente, procurando a ocasião de se alimentar da carne dos outros. São verdadeiros flagelos por sua crueldade. Ele continua: ‘Não comerás moreia, nem polvo, nem molusco’. Isto é: não te assemelharás, ligando-te a esses homens que são radicalmente ímpios e já estão condenados à morte. O mesmo acontece com esses peixes: são os únicos amaldiçoados, que nadam nas profundezas, sem subirem como os outros; permanecem no fundo da terra, habitando o abismo” (Epístola de Barnabé, 10)

Também nunca vi um católico interpretar desta maneira. Aliás, me parece ousado demais para um católico interpretar deste jeito. Como já disse certo apologista católico, “católico não tem interpretação pessoal da Bíblia; católico segue a interpretação da Igreja”. Mas não há nada que indique que a Igreja assumia a interpretação de Barnabé neste e nos outros pontos. Portanto, Barnabé interpretava a Bíblia livremente, tal como um protestante faz hoje.

Por meio de interpretação pessoal, Barnabé também concluiu que o mundo acabaria em seis mil anos:

“Ainda, sobre o sábado, está escrito no Decálogo que Deus o entregou pessoalmente a Moisés sobre o monte Sinai: ‘Santificai o sábado do Senhor com mãos puras e coração puro’. Em outro lugar, ele diz: ‘Se meus filhos guardarem o sábado, então estenderei sobre eles a minha misericórdia’. Ele menciona o sábado no princípio da criação: ‘Em seis dias, Deus fez as obras de suas mãos e as terminou no sétimo dia, e nele descansou e o santificou’. Prestai atenção, filhos, sobre o que significa: ‘terminou no sétimo dia’. Isso significa que o Senhor consumará o universo em seis mil anos, pois um dia para ele significa mil anos. Ele próprio o atesta, dizendo: ‘Eis que um dia do Senhor será como mil anos’. Portanto, filhos, em ‘seis dias’, que são seis mil anos, o universo será consumado. ‘E ele descansou no sétimo dia’. Isso quer dizer que seu Filho, quando vier para pôr fim ao tempo do Iníquo, para julgar os ímpios e mudar o sol, a lua e as estrelas, então ele, de fato, repousará no sétimo dia”(Epístola de Barnabé, 15)

Eu procurei no catecismo católico e não achei uma afirmação dessa natureza (que pena). Parece que Barnabé estava fazendo livre interpretação de novo. Se ele vivesse nos dias de hoje, não seria considerado pelos papistas mais do que um “protestante rebelado” e “filho da serpente”, lamentavelmente.

Ou então imagine que isso tenha sido um ensinamento oficial do infalível magistério da Igreja Romana:

“E que figura pensais que representa o mandamento dado a Israel: os homens que têm pecados consumados ofereçam a novilha, a imolem e, depois queimem? Além disso, as crianças deviam recolher as cinzas, colocá-las nos vasos, enrolar a lã escarlate num pedaço de madeira – de novo aqui a imagem da cruz e a lã escarlate – e o hissopo. E assim, as crianças deviam aspergir todos os membros do povo, para que ficassem purificados dos pecados. Reconhecei como ele vos fala com simplicidade: a novilha é Jesus; os pecadores que a oferecem são aqueles que o conduziram para ser imolado. Basta com esses homens! Basta com a glória dos pecadores! As crianças que fazem a aspersão são aqueles que nos anunciaram a remissão dos pecados e a purificação do coração. A eles foi conferida a autoridade de anunciar o Evangelho, e são doze para testemunhar às tribos, pois as tribos de Israel eram doze. E por que são três crianças que fazem a aspersão? Para testemunhar Abraão, Isaac e Jacó, que são grandes diante de Deus. E a lã sobre o madeiro? Ela significa que o Reino de Jesus está sobre o madeiro e os que nele esperam viverão para sempre. Contudo, por que se põem juntos a lã e o hissopo? Porque no seu Reino haverá dias maus e poluídos, durante os quais seremos salvos. Com efeito, é pelo respingo poluído do hissopo que se cura aquele cuja carne está doente. E por isso que esses acontecimentos são tão claros para nós, mas para eles tão obscuros, pois eles não ouviram a voz do Senhor” (Epístola de Barnabé, 8)

Não, acho que não!

Que conclusão podemos tirar da Epístola de Barnabé? Aqui vão algumas dicas:

Primeiro, que Barnabé não precisava de um magistério romano para porcaria nenhuma. Ele não reconhecia a existência de um. Se reconhecia, o ignorava sumariamente e o tratava como se não existisse.

Segundo, que as interpretações dele eram livres e não meramente uma repetição de ensinos oficiais de uma instituição religiosa em particular. Suas interpretações não têm paralelo nem em outros Pais da Igreja, embora os outros Pais também tivessem suas próprias interpretações pessoais de outros trechos da Escritura.

Terceiro, ninguém da época se levantou contra a livre interpretação de Barnabé. Não houve papas, ou bispos romanos, ou cardeais ou quem quer que seja chamando Barnabé de herege ou o excomungando pelo simples fato de ter interpretado a Bíblia livremente. Barnabé seria herege para os padrões atuais e modernos da Igreja Romana, mas a Igreja antiga, que não tinha nada de Romana, o aceitava com naturalidade. O livre exame em si não era um problema. O problema é quando a interpretação debandava para uma heresia. É o mesmo conceito que os protestantes têm, e não o conceito católico onde o próprio livre exame já é condenado per se.

Quarto, se Barnabé não praticava livre exame, mas apenas seguia as interpretações oficiais da Igreja Romana, então por que a Igreja Romana atual não segue nenhuma das análises de Barnabé sobre as questões acima levantadas? Teria ela aderido a estes ensinos e depois mudado de opinião sem ninguém ficar sabendo? E se é assim, como ficaria a infalibilidade da Igreja? Ou a Igreja Romana de antes era totalmente diferente da atual, ou os apologistas católicos mentem sobre existir magistério infalível na época de Barnabé.

Imagine se Barnabé vivesse nos dias de hoje, e escrevesse tudo isso sem constar em parte nenhuma do catecismo, das bulas, das encíclicas, dos concílios e de outros documentos tidos como oficiais. Imagine ele ignorando totalmente a existência de um suposto papa infalível com um suposto magistério infalível interpretando a Bíblia infalivelmente, e em vez disso fizesse livres interpretações pessoais da Escritura, como ele fazia. Como ele seria tratado? Certamente, seria taxado como um “herege rebelado” que se insurge contra a autoridade papal. Se o lema católico de que católico não interpreta por si mesmo está certo, então Barnabé não era católico, mas qualquer coisa bem longe disso.

Vale ressaltar que eu não estou aqui dizendo que as interpretações de Barnabé estavam certas ou erradas. Isso é o de menos. O ponto realmente importante nesta questão era a sua liberdade de interpretar as Escrituras por conta própria, princípio este condenado da forma mais atroz e selvagem pelos nossos amigos papistas. E se algum apologista católico realmente imagina que Barnabé era uma exceção e que os outros Pais da Igreja não praticavam o livre exame, precisa voltar urgentemente ao planeta Terra – ou melhor, precisa começar a estudar um pouco.

Barnabé era apenas o reflexo do consenso de todos os cristãos primitivos, e Pais da Igreja como Clemente de Alexandria e Orígenes foram ainda muito mais longe na criatividade interpretativa. E mesmo que se alegue que certos concílios regionais condenaram certas crenças de Orígenes, isso só reforça o argumento protestante, visto que Orígenes nunca foi condenado pelo ato de interpretar a Bíblia livremente, mas sim por aderir a certos ensinos antibíblicos. Ou seja, a liberdade de interpretar a Bíblia nunca esteve em xeque, em momento nenhum. O problema sempre foi a interpretação errada que culminasse em heresias, que é o mesmo rejeitado por protestantes como o autor deste blog. Uma coisa é poder interpretar a Bíblia, outra coisa é essa interpretação estar certa. Protestantes não creem que qualquer interpretação esteja certa, da mesma forma que a Igreja antiga não cria, mas também não proíbem a livre interpretação, da mesma forma que a Igreja antiga não proibia.

Mesmo assim, acredite: ainda haverá indivíduos que insistirão que todos os Pais da Igreja, inclusive Barnabé, não praticavam livre exame algum, mas em vez disso se limitavam apenas a seguir a interpretação oficial de um extraordinário magistério romano infalível, na pessoa de um extraordinário papa romano infalível – e tudo isso numa época em que papa e magistério sequer existiam. É rir pra não chorar. 

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.facebook.com/lucasbanzoli1)


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