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Crônica do dia do sol

O barulho daquela faca de cabo vermelho indo de encontro à tábua de madeira em formato de guitarra Podia Ser ouvido mesmo com aquela miscelânea de música brasileira que era reproduzida no celular dele.

Entre Gil e Barão, passando por Jorge Ben, Otto e Alceu, as cenouras eram picadas em pequenos cubos simétricos. Também batatas, vagens, cebolas e bananas. Enquanto isso, ela cozinhava o Arroz.

– Se eu fosse você, colocava folhas de louro nesse arroz.
– Louro no arroz?!
– Uhum. Comi esses dias em algum restaurante perto do trampo. Estava ótimo.

E assim ela o fez. A Sintonia entre os dois na cozinha nunca esteve em tão grande forma como naquela tarde ensolarada de domingo. Só perdia talvez para a sintonia entre as letras de Caetano e seus arranjos cheios de acordes. Ficava atrás, certamente, da sintonia dos dois em outro cômodo daquele apartamento em que mais três jovens amigos habitavam.

– Vê se tem cabelo nas minhas costas?

Ela tinha repulsa a cabelos em comidas. Repulsa plausível. Olhando com atenção para a a blusa preta de alças que cobria as costas dela, ele não encontrou nenhum fio de cabelo castanho e ondulado. Então, seguiu com seu corte de ingredientes. Para cada alimento, ele seguia meticulosamente um padrão, na medida do possível. Tinha visto a forma mais prática de se realizar essa tarefa em algum programa de culinária e tentava seguir à risca.

– Não aguentava mais cortar coisas. Vou começar a cozinhar, finalmente.

Agora, era a voz de Gal que saía dos auto-falantes de seu celular, interpretando aquela canção sobre piscinas, margarinas e Carolinas. Ele despejou as cebolas picadas na frigideira em que a manteiga era aquecida. Ela colocou os legumes cortados na panela com água fervente. Cada um fazia a sua parte de maneira lenta e preguiçosa, muito provavelmente por consequência da longa e agitada noite anterior que tiveram. Mesmo assim, tal preguiça era acompanhada de um prazer mútuo, uma espécie de realização que só podia ser alcançada ali, cortando, cozinhando e experimentando.
Se ele estivesse sozinho, não se daria todo esse trabalho na cozinha. Acabaria comendo algo muito mais simples, rápido e não sem graça. Ela, na mesma situação, agiria da mesma forma.

Ele acrescentou a banana na frigideira e ela provou o arroz que já estava quase cozido por inteiro. Agiam como se estivessem a sós, apesar de seus amigos também estarem em casa, na sala, assistindo ao futebol enquanto a carne assava na churrasqueira a bafo. Depois de juntar o pão amanhecido e triturado à banana e à cebola – seu toque especial à farofa, ele pediu a ela que provasse a mistura. Arregalando seus grandes olhos castanhos, ela disse:

– Está ótima. Prova a salada de maionese?
– Hummm. Está uma delícia!

Agora, o baixo de Sujeito de Sorte acompanhava os preparativos finais daquela pequena saga culinária. O almoço, ou, pelo menos, os acompanhamentos do churrasco estavam servidos.




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