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A PROPÓSITO DE UMA ENTREVISTA



Pelas 22:40h do passado dia 7 de Julho, o programa "Roda Viva", transmitido há muitos anos, todas as segundas-feiras, no canal TV Cultura da televisão brasileira, entrevistou uma jornalista e escritora portuguesa – Inês Pedrosa – presente no FLIP, Festival de Literatura Internacional de Parati, cidade do estado de Rio de Janeiro.
Dessa entrevista, três particularidades me chamaram a atenção, a saber:
1. Com arrebiques de vedeta solta e despreocupada, a portuguesa em terra alheia disse mal de Portugal para a meia dúzia de entrevistadores e os milhares de tele-espectadores da emissão, ou seja, maculou publicamente perante estranhos a imagem do seu país.
Se o vedetismo por si só já é uma atitude suficientemente desagradável para mal dispor o ouvinte, denegrir a sua terra no estrangeiro cria pelo menos embaraço e incómodo, até mesmo no país de acolhimento.
Isto não é uma questão de patriotismo ou de liberdade de expressão, mas de simples bom senso.
Continua (ou deveria continuar) ainda válido o velho provérbio de que a roupa suja se lava em casa – é mais higiénico, tanto do ponto de vista material, como do mental.
2. Em dado passo da entrevista, afirmou sem tibiezas que, no mundo actual, faz cada vez menos sentido falar em "países".
Ora, tal declaração parece padecer de miopia, quer política, quer etnográfica. Vejam-se as razões por que o Mercosul não funciona, atente-se na fragilidade, nalguns pontos, da União Europeia, e expliquem-se os motivos pelos quais a Inglaterra não quer pertencer à zona do Euro, e a Noruega e a Suíça, também países europeus, não estão interessados em ouvir falar, sequer, do clube dos 27.
Faz sentido, sim, falar em "países", e é mesmo importante que se fale em identidade nacional; a menos que se queira transformar o planeta (mais do que já está) num imenso saco de gatos em que todos se arranham e ninguém sabe quem é quem.
Isto não é uma questão de nacionalismos, nem de chauvinismos e, muito menos, de xenofobia: é uma questão de pragmatismo.
3. O último ponto, o mais interessante, senão o único, para debate, prende-se com uma pergunta que lhe fizeram – "você é optimista?" – e com a respectiva resposta: "há outra alternativa?".
Bem, claro que há. A própria escritora o reconheceu várias vezes ao longo da entrevista, afirmando que, no momento actual, o pessimismo em literatura colhe aplausos da crítica.
Há, então, pelo menos, mais uma alternativa, que conduz à contradição da autora – o pessimismo.
Negar que há outras alternativas para além do optimismo (que, muitas vezes, infundamentado na prática, mais não é do que o mero desejo de ser optimista, uma reacção de fuga) deforma e desfigura a nossa percepção interna e externa – o que nos leva a cometer erros de apreciação e, por consequência, de comportamento.
Mas entre os dois extremos, um pessimismo negativista, por vezes, até, niilista, e um optimismo leviano, que pode chegar a ser maníaco, há todo um espaço, o espaço do realismo.
Entre o pessimismo que se alimenta daquilo que parece ser a tragédia anunciada, precipitada, antecipada (na maior parte dos casos, felizmente, não concretizada), e o outro pólo, o que se apoia na feliz lembrança, ainda que vaga, de um pedaço da eternidade (aquela eternidade que só muito fugidiamente as memórias arcaicas tocam, ao de leve), fica uma atmosfera que apela à análise quotidiana do que nos cerca e nos preenche, do que nos atinge e do que brota de nós, um campo a que podemos chamar "a nossa realidade".
É essa análise que nos permite encarar o pessimismo e o optimismo como tendências apenas, amarradas em humores pontuais, passageiros, como atitudes provisórias e não como disposições consistentes e cimentadas, acabadas, haja o que houver.
Talvez assim se agregue pela reflexão, ainda que temperada por emoções e sentimentos, algum comedimento, alguma moderação, algum equilíbrio, algum recato quando se dão opiniões sobre o país, sobre "países", e sobre aquilo que se espera da vida.


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