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Por ela

Enterrou os pés nas areia tentando, pelo menos naquela manhã, não pensar em nenhuma das coisas que precisava. A voz de sua melhor Amiga ainda ecoava com suas últimas palavras: “Ser feliz é um verbo intransitivo“.

As lembranças das últimas quarenta e oito horas começaram a voltar como um carrossel girando numa velocidade vertiginosa e, antes que pudesse evitar, viu-se mergulhada naquele caleidoscópio de imagens, totalmente alheia ao mundo real a seu redor:

Estava em casa, em sua poltrona preferida, assintindo alguma coisa que não tinha a menor importância na televisão, quando Julia entrara correndo pela porta da sala, que nunca ficava trancada:
- Se arruma logo e vamos!!
Ela nem ao menos se preocupara em responder. Ja estava acostumada com as tentativas da amiga, sempre sugerindo algum programa “divertido”, algum pretexto para tirà-la de casa. Da mesma forma que Julia jà devia saber que a resposta a esses convites era sempre a mesma: Não!
- Alexandra estou falando com você! Você tem exatamente 20 minutos para se arrumar, confortavel, mas bonita. E leve um casaco leve porque vamos ficar fora até de noite.

Irritada com a insistencia de Julia, ela havia se voltado para dar um fora na amiga, mas pra sua surpresa, se viu apenas proferindo as palavras:
- Já vou.
Enquanto se arrumava, não conseguia entender o que estava fazendo. Ela quase nunca saía de casa, a menos que fosse por algum motivo muito importante. Não via o menor sentido em se arrumar, passear, andar a toa. Aliàs, não via muito sentido em quase nada, principalmente em viver.
Levou apenas dezoito minutos pra se olhar no espelho e sentir-se mais bonita do que jamais estivera na vida. Não que se achasse feia, mas normalmente tinha o hàbito de sempre achar defeitos em si mesma na hora de sair de casa.
Enquanto saíam de casa (Julia estava praticamente arrastando-a pela mão) ela lembrou-se de perguntar:
- Afinal de contas, pra onde é que estamos indo?
- Pra todos os lugares que eu sempre quis te levar.
Mais uma vez, ao invés de protestar imediatamente, ela apenas ficou curiosa:
- Nossa! Qual a ocasião? Por acaso é seu aniversário?
A amiga voltou-se pra ela com um sorriso radiante no rosto:
- Aniversário não é, mas tive três desejos concedidos essa manhã.
- Ahan... - ela comentara, cética - e quais foram esses desejos?
- Vem comigo que você vai saber.

A primeira parada foi na estação das barcas. Julia ja tinha comprado dois tickets para a barca de Paquetá e em dez minutos as duas ja estavam no segundo andar da embarcaçao, na parte aberta da lateral direita. Julia estava enconstada na murada, deixando que o vento embaralhasse seus cabelos de todas as formas que lhe aprouvesse. Ela sorria para Alexandra, que buscava abrigo do vento, sentada no branco mais próximo à porta.
- Vem pra cá ver as ondas! O dia está lindo hoje!

Alexandra pensou em responder que não queria seu cabelo ficasse parecido com um espanador, mas ao invés disso apenas se levantou e ficou ao lado da amiga.
- Você vai adorar Paquetá. A ilha é muito fofa, tranquila, e ótima para passeios em um dia ensolarado como esse. Mas a minha parte preferida mesmo é o trajeto. Essa hora e meia de barca, com vento fresco e balanço suave das ondas consegue acalmar qualquer preocupação. Me traz uma sensação de “paz dançante”!

Alexandra não discordou. Apenas concentrou-se em tentar aproveitar a tal paz dançarina, já que não tinha mesmo como escapar dali.

E o dia havia sido surpreendentemente agradàvel! As duas haviam caminhado por um parque natural, depois alugaram bicicletas e conseguiram conhecer toda a ilha em apenas uma tarde. Quando começou a anoitecer, sentaram-se pra jantar num restaurante próximo ao mar, que servia um peixe fresco delicioso!

Voltaram na última barca, às oito e meia da noite.

Durante a navegação de volta, Julia parecera cansada. Estava de pé, na proa da barca e contemplava as luzes dos navios na na Baía de Guanabara com um olhar distante e indecifrável. Após três tentativas de puxar assunto que foram totalmente ignoradas, Alexandra afastara-se um pouco da amiga, que obviamente parecia estar querendo privacidade.

A vista de dentro da baía de Guanabara à noite era simplesmente deslumbrante. O negrume da àgua refletia placidamente as luzes dos navios ancorados ao redor. A luz da lua e das estrelas parecia querer competir em beleza, numa disputa entre o natural e o artificial. A brisa morna não fazia barulho suficiente para abafar o ruído das ondas sendo cortadas pelo casco da embarcação.
Alexandra estava quase que hipnotizada, pensando no por quê nunca havia feito esse passeio antes, quando uma voz masculina a trouxera de volta para o mundo real:
- Eu só me pergunto porque é que nunca havia vindo à Paquetà antes!
Alexandra olhou para o rapaz ligeiramente assustada, por ouvir seus próprio pensamentos proferidos por uma voz masculina:
- Eu estava pensando exatamente a mesma coisa!
O rapaz soltou um sorriso simpàtico:
- Sua primeira vez também?
- Sim. Vim obrigada pela minha amiga. - Ela apontou para Julia.
O rapaz fez uma careta:
- Ela não parece muito afim de companhia no momento.
- A Julia sempre fica meio estranha perto do mar. E você? Veio sozinho?
- Não. Aniversário de um amigo.

Os dois começaram a conversar animadamente e quando perceberam a barca já estava ancorada na Praça XV e todos haviam saído. Todos menos Julia, que estava sentada em um banco, encolhida. Os dois correram em seu socorro:
- Julia, o que você tem? Tá passando mal?
- Não... ainda não! - Ela respondera, mas não parecia estar falando com a amiga.
- Vem, vamos levar ela num hospital.
- Não! - Ela agora estava falando com os dois - Estou ótima! Alexandra, ainda tem mais um lugar que eu quero te levar hoje a noite.

A próxima parada havia sido num barzinho com uma agradàvel música ambiente, na Lapa. Rodrigo havia resolvido acompanhar as duas meninas, ja que não conseguira convencê-las a ir ao hospital.
Julia participou da conversa dos dois por um tempo, bebeu duas caipirinhas e depois levantou-se da mesa pra ir dançar. Não, os dois não precisavam acompanhà-la, ela sabia que Alexandra era muito tímida pra dançar em público.

Por volta das quatro e meia da manhã ela voltou à mesa. Parecia sóbria, mas estava assustadoramente pálida!
- Acho que está na hora de eu ir pro hospital... - conseguiu dizer, antes de deixar-se cair numa cadeira.

A caminho para o hospital ela voltara a consciencia duas vezes. Alexandra estava a seu lado, enquanto Rodrigo ia apressando o motorista no banco da frente. Na primeira vez ela havia ficado consciente por quase cinco minutos e havia dito coisas que faziam pouco sentido. Dissera que seus três desejos haviam sido que Alexandra não pudesse lhe dizer “não” por um dia inteiro, que um novo amigo viesse compensar sua perda e que ela pudesse levar consigo uma parte da amiga.
Na segunda vez, mal havia abertos os olhos. Apenas dissera: “Ser feliz é um verbo intransitivo”.

Alexandra não vira mais a amiga. As horas do dia seguinte haviam escapado por entre seus dedos, num tubilhão de telefonemas, correria até a casa dos pais da amiga, perseguição de doutores pelo hospital em busca de alguma informação sobre o estado de Julia.
Apenas há duas horas atrás recebera a única notícia que não queria ouvir.

Sentada de frente para o mar Alexandra pensava “passivamente”, apenas permitindo que as ideias e emoções passeassem por seu corpo e consciencia. Lamentava terrivelmente a perda da amiga mas percebeu para sua surpresa que não se sentia infeliz.
Foi então que os delírios da amiga na madrugada anterior começaram a fazer algum sentido... Julia havia dito que levaria consigo uma parte da amiga e agora Alexandra tinha certeza de que parte fora essa: sua tristeza.

Ligeiramente desnorteada, sem saber se aquilo tudo era possivel mesmo, ela olhou para o lado e viu que Rodrigo se aproximava pela areia, trazendo uma garrafa de àgua. O brilho do sol nascendo às suas costas realçava as sombras de preocupação em seu rosto e Alexandra, sem ser capaz de chorar, sorriu.



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