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Sonata

 Quando a música termina fica a sensação de que ela durou apenas um segundo. Tantos compassos, a expectativa logo antes do início, aguardando em silêncio o primeiro som, retendo a respiração para focar a atenção. Cada nota vem com a fascinante sensação de surpresa, parece que cada gesto, por mais singelo que seja, tem a capacidade de me encher de empolgação. Ah, essa dúvida de não saber o que virá! A qualquer momento o discurso pode tomar um rumo inesperado e observo cada nuance mais insignificante com tanta atenção, chego a acreditar que sou eu quem está conduzindo o andamento. Cada silêncio parece durar um movimento inteiro! Ainda não aprendi a aceitar que só posso ouvir e aguardar.
 E sem perceber o tema já foi apresentado, parece que entendi a proposta, mas então começa a verdadeira viagem. As cores vão se tornando complexas, o que eu achava que já tinha conhecido começa a se fragmentar, a apresentar suas potencialidades. Inicialmente tenho que fazer um esforço para acompanhar, essa complexidade causa uma certa estranheza, me tira da zona de conforto do ideal harmônico. Os atritos dissonantes que começam a se apresentar requerem uma força de vontade; ainda bem que foi agora, se fosse lá no início teria espantado qualquer um. Eu chego a me perguntar, por que me forçar a acompanhar essa tensão? Um segundo que perdi o foco e pronto, nada mais parece fazer sentido.
 Por que eu continuei? Parecia valer a pena ver onde isso ia dar. E valeu mesmo. Depois de tantas voltas, de chegar até a dispersar a atenção, a quase perder o interesse, eis que aquela sensação tão linda da descoberta parece se fazer presente de novo! Parece a tão esperada volta para casa! A volta ao ventre, à morada do Senhor, se sentir vivo de novo. Mas após todo o desenvolvimento, todos os cantos por onde o acompanhei de perto, às vezes não com toda a atenção e esforço merecidos, eu já mudei. Ao menos juro que fiz o meu melhor. Como poderia ouvir como no início depois de tudo o que se passou? Agora é melhor, tudo faz sentido, forma uma grande figura e é fascinante uma obra tão engenhosa. Parece que cada nota só podia estar onde de fato esteve, tudo esteve sempre em seu lugar.
 Em uma fração de segundo é possível resgatar toda a jornada, desde a expectativa, durante o silêncio que antecedeu o primeiro gesto. E é o sinal de que o final se aproxima. A conclusão vai sendo preparada, é tão forte a iminência da cadência final. Que pena que tem que acabar! Só resta ir me arrumando na cadeira, voltando da viagem. A sala já está repleta do som de conversas, tosses, cadeiras rangendo, passos. Mas tudo ainda ecoa dentro da minha cabeça, em uma fração de momento, do começo ao fim ao começo, acho que uma resistência boba de deixá-lo ir embora.
Acabou.

Ah, se fosse possível simplesmente apertar o "play" de novo. E de novo e mais tantas outras vezes, até enjoar!!! Mas seria a segunda vez, já seria diferente. Eu já seria outro. E você também.
Fique bem :-)
Saiba que ao dormir você continua soando aqui dentro.


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