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Manual para apreciar Satie

 
  A obra ao lado é da fotógrafa contemporânea americana Barbara Kruger.
"Compre-me, vou mudar sua vida". 

  Abaixo, uma fotografia de Margaret Bourke-White, da época da depressão americana.
"Não há caminho como o caminho americano".

  Me interessei por estas obras. De maneira acessível ironizam as dinâmicas da nossa sociedade. No carro que percorre o caminho/modo de vida americano há espaço para todos? O quanto não compramos passivamente o discurso consumista?

 Porém, pode ser que um dia alguém pergunte à fotógrafa e ela diga que tais idéias nem passaram por sua cabeça! Ih, será que eu errei?

 Ah, é por isso que adoro arte! Jogos com significados, sem conclusão, sem vencedor, onde ninguém tem razão. 

 


A seguir, vou falar um pouco de um mestre nesse jogo: o compositor francês Eric Satie.


 
  Ao conhecer suas Gymnopédies (peças para piano compostas em 1889) tive a impressão de tê-las ouvido em trilhas de filmes. Nunca pesquisei à respeito, mas fiz essa associação na hora. Essas pequenas peças para piano são tão charmosas, sua delicadeza discreta me comove.

  Falando em trilha sonora, se fosse um cineasta usaria uma Gymnopédie em uma cena como a última da película mais recente do Almodóvar, quando o filme em que a personagem de Penélope Cruz, aspirante à atriz, tinha atuado anos antes é postumamente reeditado. O desfecho já concluído, o tempo é suspenso e as cenas reeditadas mostradas sem pressa ao espectador. E justamente este momento de imobilidade, onde nada acontece, me pareceu ser o de maior força dramática do filme inteiro. A monotonia pode ocultar uma sensibilidade comovente, muda, fugidia. Uma sensibilidade que ouço (ou imagino ouvir) em Satie.
  Ao conhecer um pouco mais do contexto cultural no qual sua música estava inserida as Gymnopédies adquirem nuances de ironia e duplos sentidos. Hoje ouço nestas peças uma dubiedade fascinante. Elas são tão bonitas, mas essa beleza pode soar tão subversiva, tão cheia de outros significados. A simplicidade, neste caso, talvez ironize os clichês da tradição musical européia do início do séc. XX. Em meio a debates inflamados, vanguardas anunciando a morte de um sistema, rupturas, uma geração de jovens compositores franceses me parece debochar das pretensões de uma música que se leva à sério demais.
  Porém, sou um homem do séc. XXI. Atualmente, uma trés charmante canção de Satie, como "Tendrement",  não tem mais um caráter ousado, crítico, mesmo que eu saiba seu contexto original. Os contextos mudam e os significados também, constantemente. Será que essa ambiguidade não foi intencional? Talvez ele tenha escolhido não se decidir. A melancolia da Gymnopédie nº1 soa tão sincera que chego a duvidar de seu caráter irônico!Tendrement pode ser uma inteligente crítica ideológica às incongruências e clichês de um vocabulário musical...


...ou só uma terna canção de café!





"Um amor terno e puro para que você se lembre,
Aqui está meu coração, meu coração trêmulo, meu pobre coração de criança.
E aqui está, pálida flor, que você fez desabrochar,
Minha alma que morre por você e por seus olhos tão doces."




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