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Na fila do psiquiatra


Acordar cedo, dar seu nome na recepção e sentar numa cadeira acolchoada e velha por aproximadamente 5 Horas.

5 horas de espera na fila do psiquiatra.

Apresentei-me naquela manhã fria de julho numa clínica qualquer, onde esperava que um médico (de qualificação específica) me receitasse pílulas coloridas da felicidade junto com pílulas de formatos variados pra acabar com a minha dor. Mas... a espera de cinco horas mata os pés, o intelecto, a pouca paciência. O que se fazer em cinco horas? Revistas são folheadas de trás pra frente, livros começam a cansar os olhos e até o café parece amargo depois do terceiro copo. 5 horas inúteis, 5 horas intermináveis. Dispus-me então a analisar os colegas de fila, os julgados loucos, assim como eu, que precisavam esperar a mesma quantidade de tempo – quem sabe mais -  por uma receita azul preenchida e carimbada. Uma receita que prometia, quimicamente, mudar vidas.

Pra começo, decidi fazer amizade com uma mãe magra, quase que empenada como uma porta velha, de nariz protuberante e olhos que pareciam não fechar em descanso há séculos. Ao seu lado, um menino tão curvado quanto (mas que não atingiu a curvatura “completa” da sua mãe devido a pouca idade) e com uma feição tão angelical que, dentro de um julgamento superficial e ridículo, nunca seria tido como o paciente da vez. Como se já quisesse ensaiar o que dizer ao psiquiatra no momento de consulta, a mãe empenada como uma porta despeja sobre mim todo o histórico do garotinho sem que eu faça muito esforço de simpatia ou precise demonstrar ser alguém de confiança. Escuto pacientemente todas as incontáveis crises que o seu filho teve, desde quebrar todos os móveis da casa aos berros a até quase agredir fisicamente sua mãe. Mas ora, um garoto tão bonzinho que pede permissão até pra se afastar da mãe alguns metros? Vai entender...

Decidi partir pra um segundo objeto pessoal de estudo: Um homem esquelético, com roupas muito amassadas e malcheirosas (fato que, na verdade, tornava-se um padrão para os colegas de fila). Ele tentava ser muito simpático, mostrar-se muito entendido sobre qualquer assunto, mas um lampejo de loucura nunca abandonava seus olhos, tornando todo e qualquer contato um tanto quanto assustador. Revelou sem muita demora (tal como a mãe empenada), a sua dependência incontrolável com drogas, seus surtos psicóticos quando sem elas e, notavelmente, apresentava um tique muito incômodo de ter de tocar-me a todo instante, como se encostar sua pele em qualquer lugar da minha pudesse reenergizar a loucura do olhar do moço. Afastei-me pra que o incômodo cessasse e encontrei alento, enfim, numa cadeira de plástico próxima a uma senhorinha que poderia até ser até a minha avó. 

A vózinha, por sua vez, não despejava problemas. Com real satisfação, decidiu conversar sobre o calor demasiado, a dificuldade do dia-a-dia e elogiar o quanto eu era bonita. De fato, ela poderia mesmo ser a avó que nunca tive, tendo assim, ao lado da senhorinha rosada, alento e proteção. Desejei que nossas cadeiras fossem teletransportadas juntas até uma casa de campo com vista para um jardim encantado e que não estivéssemos numa fila tão indesejada, cheia de testemunhas oculares às nossas confissões. Na casa de campo, poderia até ser a vez de contar meus próprios problemas. Entretanto antes de que eu assustasse a velhinha simpática, fui afastada de meus devaneios: Chegara a minha vez de conhecer em pessoa o motivo pelo qual estava na fila há tanto tempo.

Uma espera de 5 horas que renderam 5 minutos dentro do consultório de um médico careca e de aparência ansiosa:

- O que você sente?
- Tremores, sensação de desmaio, formigamento nas mãos e pés, sensação de morte iminente, falta de ar, por vezes pressão alta...
- Hm... – O médico careca e feioso murmurou enquanto, ainda sem me fitar, preenche a tão sonhada Receita Azul com rapidez surpreendente – Muito fácil resolver! Tome.

Recebo a receita e não entendo uma vírgula da caligrafia horrorosa.

- Tá... mas o que eu tenho, afinal?
- Pânico! Volte daqui a um mês! 

E assim, com diálogo em nível zero e como se tivesse me diagnosticado com uma gripe leve, sai cabisbaixa e confusa da sala do médico. Sem respostas, sem nenhum contato humano ou qualquer fingida tentativa de que alguém se importava.

As respostas às muitas perguntas que rondavam minha cabeça permaneciam em aberto. Voltei um mês depois, como recomendado (embora já desacreditada na receita azul da felicidade), e ainda encontrei a mãe empenada como uma porta arrastando seu filho de feições angelicais, o dependente químico de roupas malcheirosas e a vozinha rosada e simpática. Percebi então que aquelas pessoas tornariam-se minha família temporária durante muitos outros períodos de cinco horas de espera na fila que nos unia, a fila do psiquiatra, onde muitas outras histórias se somariam à minha e a família não pararia de crescer.





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