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Crítica: A Hora do Lobo (1968)

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GUILHERME W. MACHADO

Bergman mergulha como nunca em sua carreira no expressionismo para fazer A Hora do Lobo. Os fantasmas imaginados pelo personagem de Max Von Sydow são expressões dele mesmo, reflexos distorcidos de uma alma que sofre. Johan – o homem em questão – é assombrado por traumas do seu passado, eventos que podem variar da sua infância a relacionamentos amorosos mal-resolvidos. E é nesse tipo de terreno psicológico, trabalhando com mentes perturbadas, que Bergman tira alguns de seus melhores trabalhos.


O filme começa – e é impressionante o quanto isso passa batido – com um interlúdio textual que estabelece A Hora do Lobo como uma história verídica, baseado num caso real de um homem que desapareceu em condições semelhantes. Bergman, em toda sua sabedoria, não vai muito além nisso e imediatamente passa os créditos iniciais com o som vazado dele conversando com sua equipe de filmagem (áudio que pode ser verdadeiro ou falso, tanto faz), passando uma mensagem bem clara: A Hora do Lobo é um produto cinematográfico, uma construção artística – e como tal, uma farsa regida pela sua própria liberdade criativa – mesmo que baseada num caso verídico, informação por si só duvidosa, mas que não tenho o interesse de averiguar.

Nunca fica claro, para mim, se Johan é realmente um artista. Ele obviamente tem a pretensão de ser um; fala, inclusive, como um quando nega sê-lo. Em sua loucura, ele incarna todos os fetiches do artista sofredor, como ser engolido por um mundo pequeno-burguês de figuras excêntricas, com seus jantares ao som de Mozart, suas bibliotecas intermináveis e seus assuntos de uma intelectualidade trivial. Por outro lado, Bergman em geral recusa-se a mostrar-nos seus quadros, temos apenas breves relances dos mesmos, e o filme muitas vezes dá a impressão de que suas pretensões artísticas podem fazer parte de seus devaneios. De qualquer forma, ele pode ser ou não um artista, mas ele certamente é uma figura traumatizada.

Seria criminoso reduzir uma obra tão ampla como A Hora do Lobo, mas um de suas facetas é a do isolamento, e o efeito psicológico dessa. É essa combinação do efeito brutal do isolamento, da falta de sono, junto das inseguranças (possivelmente provocadas pela gravidez de sua companheira Alma, que pode ter sido fator catalizador para o retorno das memórias de infância e das relações fraternas do protagonista) e traumas de Johan que começa a sua descendência frenética à loucura – num processo que curiosamente lembra Cure [1997], de Kiyoshi Kurosawa, um cineasta que em princípio nada tem a ver com o sueco. Fatos mal assimilados (psicologicamente) de seu passado começam a misturar-se em fantasias antropófagas, num coquetel insano que, pela proximidade e semelhança de condições (isolamento e insônia), contagia também Alma (Liv Ullmann).

Importante perceber que, por mais que Alma tivesse entrado na loucura de seu companheiro, nunca foi propriamente a fantasia dela, e ela se viu livre da mesma quando o perdeu. Ela nunca viu ou experienciou pela primeira vez esses eventos sem que houvesse sabido antes por parte dele, seja pelo diálogo no início em que ele narra as figuras que tem visto na ilha ou pela leitura do diário, que foi o ponto de partida para que ela entrasse realmente nesse universo.

Há uma série de riquezas inseridas em A Hora do Lobo e o exercício de disseca-las uma a uma num texto de poucas páginas é fútil, além de invasivo, pois é lógico que cada um terá sua experiência com o filme. Dedico, então, essas linhas finais ao notável esforço estético de Bergman e sua equipe, principalmente seu memorável diretor de fotografia Sven Nykvist, na externalização imagética dos pesadelos de Johan. Enquanto há pouco contraste nas cenas iniciais, momento em que ainda há algum equilíbrio na vida do casal (mesmo que os sinais de loucura já fossem presentes), o jogo de sombras e luzes expressionistas vão se acentuando com o desenrolar da narrativa que culmina num magnífico tour de force onírico da meia hora final.

  NOTA (10/10):


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