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Crítica: Hiroshima meu Amor (1959)



GUILHERME W. MACHADO

Não deixa de ser incrível como Resnais conseguiu manter tamanha coerência temática em sua longa carreira sem, na maioria das vezes, ter escrito seus próprios roteiros. Já em Hiroshima meu Amor, seu primeiro e mais conhecido longa-metragem, é possível enxergar distintamente as marcas de seu cinema. Seja nos aspectos formais, como a edição que movimenta a narrativa não-linear e a movimentação de câmera  que remete muito mais a um estilo moderno de fluxo que à mise-en-scène predominante na virada dos anos 50 pros 60  seja nas suas principais obsessões temáticas: o tempo e a memória. É um engano, entretanto, crer que as fundações de seu cinema partem daqui, uma vez que todos esses elementos já haviam sido ensaiados com maestria nos seus curtas, dentre os quais destaca-se o brilhante Noite e Neblina (1955).

Hiroshima meu Amor parte, logo depois dos créditos, de um dos mais belos planos de abertura do cinema. Os amantes, cobertos pelas areias do tempo, como que enclausurados numa ampulheta que, ao contrário da lógica, retrocede no tempo. Tal momento de beleza ímpar é sucedido por uma sequência, que mistura brilhantemente impressionismo e realismo, de imagens da Hiroshima pós-atentado nuclear. Nesse momento ouvimos narração (mais poética do que propriamente narrativa) dos protagonistas que insistem, dentre outras coisas, que "eu vi tudo em Hiroshima" e que "você não viu nada em Hiroshima". Jogo de palavras esse que não deixa de ser uma anedota sobre a memória popular acerca dessas tragédias que assumem proporções globais (memória muito alimentada por fontes de informações midiáticas, seja jornalismo ou cinema e literatura, mas que passam a se confundir com conhecimento real, afetivo até, sobre o sofrimento passado).


Mas, diferente do que a abertura dá a entender, o filme de Resnais enquadra os temas muito menos sob uma ótica macrossocial e bem mais num âmbito individual. É um filme sobre personagens, dois amantes  que não deixam de representar as suas cidades natais  e o último dia que passam juntos em Hiroshima. Importante ressaltar que, para Resnais e Duras, não são os indivíduos que moldam a cidade, é a cidade e a própria história que molda os indivíduos; o que está em jogo, portanto, é a influência do externo sobre o interno, e não o contrário. A mulher (Emmanuelle Riva) é fruto do seu passado em Nevers, a influência daqueles anos de juventude vividos por ela na sua cidade natal estão enraizados de forma permanente no seu ser. O mesmo se aplica ao homem (Eiji Okada), mesmo que o filme seja muito mais voltado às experiências passadas dela.

Pouco comentado sob esse aspecto, Hiroshima meu Amor é também um delicada abordagem às relações fugazes no cinema. Pensando bem, não é um formato narrativo (deixando de lado o arranjo modernista adotado) tão diferente de filmes como Desencanto (1945), Antes do Amanhecer (1995), ou até mesmo A Noite (1961), de Antonioni, embora esse último o use para explorar temas bem diferentes. Resnais e Duras potencializam sua história conferindo a ela um senso de urgência através da limitação de tempo imposta aos protagonistas. Eles tem um dia para resolver os problemas internos que despertaram um no outro. Tudo isso faz com que o filme transborde com emoções, intensamente captadas pela direção sensível que nos leva numa espécie de tour de force – embora o termo aqui seja um pouco enganoso – emocional que se intensifica conforme a noite avança, atingindo não um, mas uma série de pequenos climaxes até o seu repentino fim.


Essa revisão no cinema me chamou atenção para o quão atual parece a direção de Resnais, mesmo não dispondo de uma série de recursos tecnológicos que hoje são bem comuns. Sua preocupação cênica está muito mais focada em provocar um conjunto de reações sensoriais altamente estetizadas no espectador, semelhante ao que hoje é conhecido como estética de fluxo, do que propriamente preocupada em achar a forma mais apropriada de transmitir informação visual, que é o que prega a mise-en-scène clássica (ainda muito em vigor na época). Claro que isso envolve todas as questões do início da Nouvelle Vague, que em muitas formas abandonou o clássico e estabeleceu bases pro cinema moderno, mas fato é que Hiroshima meu Amor parece um filme bem mais próximo de um Wong Kar Wai da virada do século – não deixa de guardar suas semelhanças com Amor à Flor da Pele (2000) – do que realmente com um clássico francês da época, como Salário do Medo (1953) ou A Um Passo da Liberdade (1960).

  NOTA (9.5/10):


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