Get Even More Visitors To Your Blog, Upgrade To A Business Listing >>

É preciso abrir parênteses para a censura

Recolhimento de HQ viola o Estado de Direito

Tentativa de intervenção da prefeitura na Bienal não só lembra a atuação da censura, mas afronta decisão do Supremo

(Folha de São Paulo, 07/09/2019)


        Esse é um blog de turismo, mas a interrupção na temática das viagens é necessária pois não podemos nos privar de falar sobre  a censura, essa velha senhora que acreditávamos (talvez inocentemente) que estivesse morta e enterrada. Pois ela renasceu das cinzas e não foi exatamente agora, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, já há algum tempo seus efeitos vêm se tornando 'gigantes pela própria natureza' no país que hoje comemora 197 anos de sua "independência" e nós permanecemos 'impávidos' ouvindo o 'brado retumbante' da intimidação, a cada dia mais explícito. 

        Não por acaso, escolhi as tirinhas do personagem Armandinho para ilustrar essa postagem. Alexandre Beck, o autor, conhece bem o que é censura por conta das tiradas inteligentes de uma criança tentando entender o país em que vive. Em maio/2016 uma de suas tirinhas foi derrubada pelo Facebook (retirada da página) porque o personagem Pudim perguntava, referindo-se à imagem de Jesus, quem era a "biba comunista de barba, cabelos compridos e usando vestido". A segunda versão (veja acima) da tirinha também foi derrubada e apenas a terceira se manteve na página. 
       Se a fala do personagem parece ofensiva aos preceitos cristãos, cabe explicar que a crítica de Alexandre Beck não era aos símbolos religiosos e sim ao preconceito incrustado na fala do personagem Pudim, o mesmo da tirinha acima rindo do medo de Armandinho de que a censura volte. Pudim não está 'pensando positivo' (como li em um comentário sobre essa tirinha no Facebook), ele é o alienado da turma, uma criança que reproduz os preconceitos presentes em sua criação, que não acredita em machismo, em racismo, para quem a cultura não faz falta nenhuma e homofobia é 'normal', anormais - para Pudim - são os homossexuais.

        Já Armandinho, é criado cercado de amor e desenvolve tamanho senso crítico e discernimento que surpreende muitos adultos. Dinho certamente não entenderia o porquê de tanto alvoroço por conta da imagem de um beijo gay em uma história em quadrinhos. Nem mesmo compreenderia o porquê de um evento cultural - uma Bienal do Livro - precisar de um mandado de segurança para garantir sua realização. E mais ainda: Por que a presença de fiscais da prefeitura 'caçando' livros da mesma forma como deveriam estar caçando ações realmente ilegais que se espalham pelo Rio de Janeiro?
        Armandinho não entenderia nada disso e caso se pronunciasse sobre os últimos acontecimentos correria o risco de mais uma vez ter sua boca calada, assim como aconteceu em maio/2016 e em setembro/2019 (sim, nessa mesma semana) quando a exposição de charges, tirinhas e cartoons “O Riso é Risco: Independência em Risco – Desenhos de Humor”, em Porto Alegre, durou menos de 24h  e foi censurada pela Câmera dos Vereadores por conter críticas ao presidente Bolsonaro. A tirinha de Armandinho que era parte da exposição segue abaixo: 
        Você não encontrou nada de agressivo ou ofensivo nela? Então é hora de abrir os olhos e admitir de uma vez por todas: 'a censura está de volta'. E ela é volátil, pode chegar a todos os lugares, inclusive ao setor de turismo. Em maio/2019, por exemplo, o turismo LGBT foi retirado do Plano Nacional do Turismo. Se continuarmos a olhar passivamente para tais desmandos do país, quanto tempo demorará para que os hotéis gay friendly comecem a sofrer boicotes ou para que eventos como a Parada Gay de São Paulo, a maior do mundo, deixem de acontecer. Se continuarmos passivos, as páginas dos jornais voltarão a ter espaços em branco e receitas de bolo, onde deveriam estar artigos sobre a liberdade de expressão e a igualdade de gênero.
          Antes de encerrar, vale lembrar que em novembro/2018, Alexandre Beck foi demitido de quatro jornais catarinenses onde eram publicadas as histórias de Armandinho por conta de uma tirinha que 'ofendeu' a Brigada Militar do Rio Grande do Sul (veja abaixo) e resultou em uma nota de repúdio direcionada ao veículo de comunicação. Enfim, se isso não for censura, ainda nos falta uma palavra nos dicionários para definir as situações descritas. Assim como Armandinho, temo que além da #censura, tão em pauta na atualidades, em breve eu tenha que criar uma nova tag para o blog. Seria muito triste.


Em tempo: Armandinho é fã de super heróis e iria querer o livro "Vingadores - a cruzada das crianças"... Seus pais certamente o presenteariam, ajudando a engrossar o cordão de leitores que em menos de 40 minutos esgotaram o livro nos 520 estandes da Bienal.


Leia também:
Rio de Janeiro, terra de quem?




This post first appeared on De Turista A Viajanteturista-viajante-dicas, please read the originial post: here

Share the post

É preciso abrir parênteses para a censura

×

Subscribe to De Turista A Viajanteturista-viajante-dicas

Get updates delivered right to your inbox!

Thank you for your subscription

×