A revolta marcou o maior desafio ao longo governo de Putin – Copyright AFP Abdulaziz KETAZ

Daphne Benoit

O motim do grupo mercenário Wagner enfraqueceu o presidente Vladimir Putin e pode afetar o curso da guerra na Ucrânia, dizem analistas.

A revolta abortada do fim de semana liderada pelo chefe de Wagner, Yevgeny Prigozhin – que declarou uma retirada repentina depois de marchar em direção a Moscou – prejudicou a imagem de Putin, elevou o moral entre as tropas ucranianas e gerou confusão.

Isso marcou o maior desafio ao longo governo de Putin e a mais séria crise de segurança da Rússia desde que ele chegou ao poder em 1999.

Mas não está claro se isso se traduzirá diretamente no campo de batalha – como Rob Lee, do Instituto de Pesquisa de Política Externa, aponta, Wagner não tinha mais um papel fundamental no teatro ucraniano.

“As forças de Wagner foram substituídas em Bakhmut (no leste da Ucrânia, local da batalha mais longa e sangrenta da guerra) no final de maio e início de junho”, escreveu Lee no Twitter.

“Acho que nenhuma tropa de Wagner está atualmente na linha de frente, ou foi retirada de lá para este evento.

“Wagner é projetado para assaltos e não para operações defensivas. Nunca ficou claro que papel eles desempenhariam durante a contra-ofensiva da Ucrânia”, acrescentou.

Soldados ucranianos que voltaram da linha de frente no domingo disseram que a revolta de Wagner não afetou visivelmente os combates em Bakhmut, no leste da Ucrânia.

– A ‘credibilidade enfraquecida’ de Putin –

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse no domingo que a revolta abortada de Wagner expôs “verdadeiras rachaduras” na autoridade de Putin.

A rebelião de Prigozhin marcou “um desafio direto à autoridade de Putin”, disse o principal diplomata americano.

O presidente francês, Emmanuel Macron, adotou uma linha semelhante, dizendo que a revolta “mostra as divisões que existem dentro do campo russo e a fragilidade de suas forças militares e auxiliares”.

A rivalidade de longa data de Prigozhin com altos escalões militares sobre a condução da operação russa na Ucrânia transbordou no sábado, quando as forças de Wagner tomaram um quartel-general militar em Rostov-on-Don e avançaram em direção à capital.

Em um discurso inflamado no sábado, Putin acusou Prigozhin de traição e prometeu punir os perpetradores, acusando-os de levar a Rússia à beira de uma guerra civil.

Poucas horas depois, porém, ele aceitou um acordo mediado por Minsk concedendo uma anistia para o chefe Wagner e seus homens, e o exílio para a Bielo-Rússia para o próprio Prigozhin.

“Este episódio enfraquece a credibilidade de Putin, que parecia estar em pânico na televisão no sábado”, disse à AFP William Alberque, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.

“Todos em Moscou se perguntam: ‘Se foi uma insurreição de cinco minutos, por que o presidente falou em guerra civil?’

“Por outro lado, se Prigozhin continuar vivo, todos os agentes de segurança russos se sentirão impunes”, alertou.

– A ameaça da Bielorrússia –

No sábado, Kiev disse que os distúrbios ofereciam uma “janela de oportunidade” para sua tão esperada contra-ofensiva.

Mas Moscou insistiu que o motim não afetaria suas operações na Ucrânia. Os ataques russos continuaram no sábado, matando cinco pessoas em Kiev, de acordo com o prefeito da cidade.

No domingo, a Rússia disse que repeliu vários ataques ucranianos no leste e no sul do país, onde Kiev havia anunciado ganhos.

Mas especialistas acreditam que o motim será um golpe para o moral das tropas russas na Ucrânia, que sofreram pesadas perdas em 16 meses por ganhos territoriais marginais.

“Isso deve afetar o moral russo”, disse Pierre Razoux, diretor acadêmico da Fundação Mediterrânea de Estudos Estratégicos (FMES), com sede na França.

“Do lado ucraniano, talvez haja um ímpeto a ser aproveitado para romper a linha de frente, ou pelo menos para ganhar posições”.

Mas ele alertou que a Ucrânia “também teria que proteger a fronteira com a Bielorrússia porque não está a salvo de um golpe traiçoeiro.

“Se 15.000 homens de Wagner chegarem da Bielo-Rússia, eles podem causar algum dano. Talvez seja isso que Prigozhin negociou com Putin.”