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Guerra na Ucrânia ameaça nova onda de apropriação de terras nos países mais pobres


O impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia vai dar novo alento ao movimento de aquisição em grande escala de Terras em países em desenvolvimento por empresas ou governos estrangeiros, para as destinar a produzir produtos agrícolas ou florestais que não beneficiam a população local, mas sim a de outro país, alerta uma equipa internacional de cientistas na edição desta sexta-feira da revista Science. “Esta apropriação de terras conduz tipicamente a problemas sociais e ambientais”, escrevem.

Desde o início do século XXI, e com maior incidência após a crise alimentar de 2007-2008, quando os preços da comida disparam, criando instabilidade social e insegurança alimentar tanto em países em desenvolvimento como países desenvolvidos, “mais de 45 milhões de hectares, aproximadamente a dimensão da Suécia ou de Marrocos, foram adquiridos através de negócios transnacionais para produção agrícola”, contabiliza o artigo que tem como primeiro autor Jampel Dell’Angelo, do Instituto de Estudos Ambientais da Universidade Vrije, em Amsterdão, nos Países Baixos.

A crise alimentar de 2008 teve múltiplos factores, mas foi sugerido que as alterações graduais na dieta das populações de países que alcançaram uma nova prosperidade nas últimas décadas foram um factor decisivo para o aumento dos preços que desencadeou essa crise. Mas os mais pobres ressentiram-se mais, não só por causa do preço dos alimentos, como devido à pressão sobre as terras agrícolas dos seus países, procuradas para satisfazer as necessidades de outras sociedades mais prósperas.

“A expansão sem precedentes destes investimentos fundiários suscitou preocupações acerca de uma onda neocolonial de apropriação de terra e recursos hídricos no Sul Global”, explicam os autores, que temem os efeitos da nova crise alimentar causada pela guerra na Ucrânia. Esta faz-se não só através da falta de alimentos e fertilizantes, mas também do disparar da inflação.

Para se ter uma ideia do impacto da guerra, há que dizer que a Ucrânia a Rússia, juntas, garantiam 30% das necessidades do mundo em trigo e cevada, um quinto do milho e mais de metade do óleo de girassol, segundo números das Nações Unidas.

“Propomos que os impactos da invasão da Ucrânia pela Rússia vão alimentar a ressurgência de uma nova corrida global por terras agrícolas, provocando transformações que vão ter uma cascada de efeitos de longa duração, em múltiplas dimensões do desenvolvimento rural”, escrevem na Science.

“Esta previsão baseia-se na experiência histórica (repetição da crise pós-2008), bem como na observação de alguns sinais que estão a surgir, como choques de produção alimentar, aumento do preço dos fertilizantes, do petróleo, da energia em geral e também da procura [de alimentos]”, explicou ao PÚBLICO, por e-mail, Jampel Dell’Angelo.

Um padrão globalizado
Colocar a questão apenas em termos de países que adquirem ou fazem contractos de aluguer de longa duração de terras com os governos de noutros países pode ser limitador, sublinha Dell’Angelo. “É frequente que as empresas que investem em aquisições de larga escala de terras tenham diferentes bandeiras”, diz o investigador.

“Por exemplo, pode haver um fundo de investimento com base em Nova Iorque e accionistas de diferentes países, talvez a maioria deles do Médio Oriente, que detém uma empresa na Tanzânia que é a proprietária legal da concessão de terra e do desenvolvimento do negócio agrícola”, ilustra.

Embora em vários casos os investidores sejam empresas públicas, pode ser complicado compreender quais os países envolvidos num negócio específico. “Em geral, há um padrão globalizado, com o envolvimento de vários países em cada contracto. Mesmo quando se trata de investimentos domésticos, é frequente haver capital estrangeiro envolvido no negócio”, conclui Dell’Angelo.

É mais fácil identificar os países que são objecto do interesse dos investidores. “A maior parte dos negócios são na América Latina, no Sudeste Asiático e na África subsariana”, resume.

Aumento da desflorestação e destruição da biodiversidade, diz Dell’Angelo, são os principais impactos em termos ambientais do avanço destes negócios em que largas extensões de terras em países em desenvolvimento são adquiridas ou alugadas para a produção agrícola e florestal destinada a países de elevados rendimentos.

Uma consequência grave é a apropriação dos recursos hídricos. “É algo que está integrado na apropriação das terras. A água que é usada para cultivar as pastagens que alimentam o gado no Brasil que vai acabar em hambúrguers que alimentam os norte-americanos, ou entrar na cadeia industrial de processamento de carne chinesa, pode ser encarada como água que está a ser ‘exportada’, que não é usada na Brasil pela população ou ecossistemas locais”, explica Dell’Angelo. “Isto é especialmente grave porque acontece em países que têm níveis elevados de escassez de água e/ou taxas de subnutrição”, salienta o cientista.

Os impactos negativos destes contractos transnacionais para a utilização de terras agrícolas em países em desenvolvimento são, no entanto, variados: “Vão desde a apropriação dos recursos hídricos até ao aumento de combustíveis fósseis, insegurança alimentar e uma variedade de efeitos sociais e políticos como redução do emprego, expropriação de terras e a supressão violenta de mobilizações sociais”, enumera a equipa no artigo na Science.

Mudanças irreversíveis
“O nosso maior receio é que as transformações desencadeadas se possam tornar irreversíveis”, salientou Dell’Angelo ao PÚBLICO. “Quando populações locais, agricultores, povos indígenas, são expulsos das suas terras, será muito difícil poderem regressar. Os ecossistemas são destruídos, as florestas desbravadas, e será muito difícil que sejam restaurados”, especifica.

O principal alerta que os cientistas querem fazer é exactamente este, os impactos da guerra na Ucrânia na alimentação e na agricultura globais podem desencadear mudanças estruturais irreversíveis.

“A questão da apropriação de terras e água devia ter destaque na negociação de acordos internacionais e tratados de investimento”, diz a equipa. “Cadeias de abastecimento globais, desflorestação, biodiversidade, água e alterações climáticas são tudo áreas em que devia haver um esforço coerente para a integração de políticas relativas à apropriação de terras”, escrevem na Science. É uma forma de mencionar acordos recentes sobre a biodiversidade ou as alterações climáticas, por exemplo.

“As regulamentações sociais e ambientais existentes têm perdido força gradualmente, e na maior parte dos casos, as salvaguardas para evitar a apropriação de terras são apenas de carácter voluntário. Para a questão da apropriação dos recursos hídricos o problema é ainda mais complicado, é um assunto que não recebeu praticamente nenhuma atenção até agora em termos de iniciativas de governação”, sublinha Dell’Angelo.


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