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O Atlético Mineiro de 1977, vice com 10 pontos a mais que o campeão

No futebol, a ideia de campeonato se vincula a de competição por pontos, já que fases eliminatórias são típicas de copas. Como se sabe, no entanto, o Brasil demorou décadas para adotar o modelo mundialmente mais comum. Essa escolha podia causar distorções bizarras. O que se viveu em 1977 — a bem da verdade já em 1978 — se encaixa na descrição. Atlético Mineiro e São Paulo fizeram a final do Brasileirão. E, mesmo sem perder e somando mais pontos, o Galo ficou com o vice-campeonato.

Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo


Uma fórmula estranha só poderia ter um final esquisito


Não se conta essa história sem destacar o formato do Campeonato Brasileiro de 1977. Como se os 54 clubes disputantes da edição anterior fossem insuficientes, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) incluiu mais oito equipes. Ainda que o país tenha extensão territorial monumental, não é fácil acreditar que a nata do futebol brasileiro fosse composta por 62 agremiações. Não era mesmo.

Considerando-se os estados e territórios existentes à época, apenas Acre, Amapá, Rondônia e Roraima não tinham representantes na disputa, o que ajuda a explicar as decisões tomadas pela cartolagem. O certame se dividiu em três fases de grupos, seguidas de uma fase final. Primeiramente, os clubes foram distribuídos em seis grupos de 10 ou 11 integrantes. Os cinco melhores se classificavam e eram alocados em outros seis grupos, agora de cinco times. Porém, os piores sobreviviam para a disputa de repescagem, também em seis grupos, avançando uma equipe.

Foto: Álbum do Campeonato Brasileiro de 1977

Na terceira fase de grupos, os classificados na segunda (três por grupo) e os que se salvaram na repescagem se reencontravam, divididos em quatro grupos. Os campeões eram os semifinalistas e os dois vencedores faziam a final. Na época, as vitórias somavam dois pontos, exceto se o vencedor conseguisse vantagem igual ou superior a dois gols de diferença, ocasião em que levava três — futebol à brasileira.

É compreensível que o leitor precise reler os parágrafos anteriores. O Brasil não é mesmo para amadores. Com tantos jogos (485), não causou surpresa o fato de que o campeonato não acabou em 1977, invadindo o ano seguinte — que por si só já seria diferente, em razão da Copa do Mundo.

O Galo era um dos postulantes ao título


Em 1976, sob o comando de João Lacerda Filho, o Barbatana, o Galo foi longe no Campeonato Brasileiro. Semifinalista, caiu diante de um Internacional histórico. Com gol no apagar das luzes, o Galo perdeu por 2 a 1

O Colorado contava com Manga, Figueroa, Falcão e, para tristeza alvinegra, Dario, o artilheiro daquele certame. Os mineiros, por sua vez, mesclavam garotos como Toninho Cerezo, Heleno, Paulo Isidoro e Marcelo Oliveira ao campeão nacional Vantuir e o excêntrico goleiro argentino Miguel Ángel Ortiz. Sempre pairou uma dúvida: qual teria sido o desfecho daquela partida se o lesionado Reinaldo, o Rei, estivesse disponível?

Barbatana foi mantido para 1977 e a aposta rendeu frutos. Logo no princípio do ano, o Atlético venceu o Campeonato Mineiro de 1976 (isso mesmo). A final foi disputada contra o Cruzeiro que, pouco tempo antes, conquistara a Copa Libertadores da América, consolidando um decênio brilhante para a Raposa.


Os jovens alvinegros tinham algo de especial. Aquele era um título invicto, o primeiro estadual desde 1970. O Galo marcou 81 gols, em 31 jogos; concedeu oito. 103.725 pessoas assistiram ao fim do jejum alvinegro — viveram momentos inesquecíveis, como o lance em que Ortiz, com frieza, matou um chute de Dirceu Lopes no peito e saiu jogando.

Adentrando as páginas da revista Placar de 8 de abril de 1977, lê-se um título emblemático: “O futuro é o que vale”. Após a vitória na partida de ida, Cerezo evidenciava o que sua geração levava para o campo: “Não há dinheiro que pague a emoção que eu sinto de vestir a camisa do Atlético, de sentir a alegria dessa gente. Ninguém me tira daqui. Podem dizer que é demagogia, mas não é: nem na Seleção Brasileira eu senti tanta emoção como agora”.

Outro destaque importante da matéria era dado a Telê Santana, o homem que liderara o Galo ao título nacional de 1971, mas não só: “Telê começou a dar a estrutura que forçou uma mudança nos métodos que o Galo usava para formar suas equipes [...] paciente, arriscando-se a ficar mais longe dos títulos, a perder prestígio e dinheiro. Mas foi um trabalho heróico”. Telê acreditava na formação e Barbatana treinara os meninos nos juvenis.

Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

No Estado de Minas de 5 de abril, o cronista Roberto Drummond profetizou: “O Atlético está recriando o futebol, não o futebol de Minas, não o futebol do Brasil, mas o futebol do mundo. Tudo numa revolução em que entram elementos como o talento individual, a criatividade individual, a atualização individual, e o conjunto”.

Liderança com sobras nos Grupo F e L


No time titular do Galo que disputaria o Brasileirão, a mudança mais importante foi a saída do goleiro Ortiz. O Campeonato Mineiro de 1977 começara logo após o fim da edição anterior e seria vencido pelo Cruzeiro, liderado pelos gols do uruguaio Carlos Revetria. O arqueiro, que chamava atenção pelo estilo de jogo, os cabelos longos e a cor de sua camisa, foi acusado de ter se vendido no jogo decisivo. Logo, viajou para o Uruguai sem comunicar a diretoria do Atlético. Foi afastado e deu lugar a mais um prata da casa: João Leite, que venceu a disputa com Sérgio.

Do Guarani, chegou o ponta Ziza; da Caldense, o lateral esquerdo Valdemir, que tinha passagem pela seleção sub-20 e substituiria Dionísio. Outra mudança foi a saída de Getúlio, transferido para o São Paulo.

Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

Era outubro quando começou a disputa do Campeonato Brasileiro. O Galo dividiu o Grupo F com América Mineiro, Botafogo de Ribeirão Preto, Cruzeiro, Fast Clube, Nacional, Paysandu, Remo, Santos e Uberaba. Passeou. Estreou castigando o Remo, 4 a 1, no Mineirão. Seriam oito vitórias e somente um empate, no Triângulo Mineiro, ante o Uberaba. Quando recebeu seu maior rival, venceu por 1 a 0, gol de Márcio.

Outro momento simbólico aconteceria no triunfo ante o Fast Clube. Reinaldo anotou cinco gols, um deles acrobático. Roberto Drummond concluiu sua crônica no Estado de Minas com as seguintes palavras: “Eu quero o gol de meia-bicicleta de Reinaldo para acordar para a vida os que estão de olhos abertos, mas estão dormindo”. Esse era o poder do Atlético em 1977, tamanha a qualidade que Reinaldo possuía em seus pés.


O avanço à segunda fase foi inapelável. O esquadrão alvinegro somou oito pontos a mais que seu principal perseguidor, o Cruzeiro.

Adiante, para superar o Grupo L, o Galo precisava bater Americano, Grêmio, Guarani e Santa Cruz. O Tricolor Gaúcho era campeão estadual, título imortalizado pelo famoso vôo de André Catimba, e tinha Telê Santana no banco. Já o Bugre chegara à terceira fase do Paulistão e não tardaria a fazer sucesso. Contudo, o equilíbrio da disputa seria sublinhado pela performance do Tricolor Pernambucano. O Santinha não decidira seu estadual, mas ficaria no encalço do Galo, que venceu seus quatro jogos.


No final do ano, Placar sinalizava outro indicador da força alvinegra: João Leite, aos 22 anos, caía nas graças do torcedor, ainda furioso com Ortiz. “Para falar a verdade, não esperava que João chegasse a esse ponto. Ele não era dedicado, não gostava de treinar. Mas sempre teve tudo para ser um grande goleiro. Agora começa a explorar suas virtudes”, afirmou Heleno à reportagem. Os testes estavam ficando mais difíceis.

A rotina de vencer o rival, a força do Botafogo e o surgimento de uma zebra


Quando a terceira fase de grupos começou, já era 1978. No Grupo T, o Galo enfrentaria América de Natal, Bahia, Botafogo, e, outra vez, Cruzeiro e Fast Clube. A largada foi da melhor forma possível. 

No Mineirão, diante de 98.778 pagantes, Ziza e Reinaldo garantiram mais uma vitória contra a Raposa, que descontou com Nelinho. Era um bom reinício, passadas férias (!). O treinador Aymoré Moreira bem que tentou. Armou um time mais defensivo e apostou na falastronice: “Vamos ganhar, porque o Cruzeiro é o único capaz de impedir que o Atlético seja campeão”.

Acervo: Revista Placar

Na sequência, o Galo sobreviveu à viagem a Manaus, trazendo uma vitória magra, 2 a 1, na bagagem. Para isso, precisou superar a expulsão de Reinaldo, que teria repercussões dramáticas.

Então, o Atlético experimentou a expectativa do que, superado o maior rival, seria seu desafio mais importante: viagem ao Rio de Janeiro para enfrentar o Botafogo — e sem o Rei. Foi como esperado: difícil. O Maracanã estava abarrotado. A maior parte dos 107.730 pagantes queria ver uma vitória dos comandados de Zagallo, entre eles um futuro conhecido atleticano, o zagueiro Osmar Guarnelli. Comandando a linha de frente estava Paulo Cézar Caju, de retorno após passagem pelo Fluminense.

O 0 a 0 deu o tom da luta que estabeleceram Galo e Fogão. Os dois precisavam vencer seus demais jogos. Os mineiros deram cabo de América de Natal, 6 a 0, e Bahia, 4 a 0. Os cariocas superaram o Cruzeiro, 3 a 0, e o Fast Clube, 3 a 1. Pesou contra a Estrela Solitária o empate na primeira rodada, quando foi à Fonte Nova enfrentar o Tricolor Baiano. O Galo era semifinalista.


Detalhe: no confronto do Atlético diante dos potiguares, Reinaldo fez um de seus gols mais emblemáticos, por cobertura, que lhe rendeu uma placa exibida no hall do Mineirão. Depois do irrepetível, Roberto Drummond voltou a exaltar o Rei: “Senhor: gols como o de Reinaldo, nos dai hoje e sempre, para que possamos seguir vivendo e transformando a vida, a cada dia e a cada noite, em alguma coisa que nos justifique, como aquele gol justifica Reinaldo, amém”.

Em uma das semifinais mais inusitadas da história do Brasileirão, Londrina e Operário enfrentaram Atlético e São Paulo, respectivamente. Longe de ser tranquilos, os placares agregados revelaram que as zebras mereciam chegar onde chegaram. 6 a 4 para o Galo; 3 a 1 favorável ao Tricolor. Mais uma vez, como no triangular de 1971, mineiros e paulistas se encontrariam na decisão nacional.


Água de chuva e de lágrimas


Como tinha a melhor campanha do Campeonato Brasileiro, o Galo teve o benefício de jogar a decisão em casa. Porém, o mau agouro viria logo.

Reinaldo tinha 28 gols, em 18 jogos — um recorde. Dificilmente se saberá, precisamente, o porquê de o julgamento de uma expulsão ocorrida em 1º de fevereiro ter acontecido apenas 27 dias depois. As razões dos quatro jogos de gancho também não são evidentes. O Atlético estava na final, privado da presença de seu Rei. Na mesma data, o São Paulo soube que não teria Serginho Chulapa. Perda importante, mas tão certo quanto dois mais dois serem quatro é a impossibilidade de se comparar os dois artilheiros e o peso de suas ausências.

Dois dias antes da decisão, Roberto Drummond sonhou que conversava com Johan Cruyff. Além de o craque holandês lhe ter confidenciado que estaria no Mineirão a torcer pelo Galo, avisou-lhe que o time precisaria examinar seus defeitos e não ser tão autoconfiante. Se era sonho, premonição ou coisa que o valha, vai da crença de cada um fazer o juízo.

Chovia no dia 5 de março de 1978.

Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

Entre seus valores principais, o São Paulo de Rubens Minelli levava a campo o goleiro Waldir Peres, o meia Darío Pereyra e o ponta Zé Sérgio. Getúlio, velho conhecido atleticano, também alinhava no onze titular. Arnaldo Cezar Coelho foi o dono do apito, diante de 102.974 pagantes. Pecaria pelo menos uma vez, quando, com propósito e covardia, o volante são-paulino Chicão terminou de quebrar a perna de Ângelo, que, já lesionado, engatinhava no gramado, depois de ser arrebatado por Neca. Não houve expulsão. Ao menos, pode-se dizer que Arnaldo estava de costas quando do ato de violência gratuita, amarelando Neca.

Sem Reinaldo, substituído por Caio Cambalhota, que não chegava aos pés do craque suspenso, o Galo perdeu poder de fogo. O zero não saiu do placar e o jogo foi para os pênaltis. O abraço dos jogadores no meio-campo era a síntese do abraço das arquibancadas, vínculo embalado pela feitiçaria daqueles garotos criados em casa. A sinergia era total.

A profecia onírica se cumpriu. Dos pés daquele que, em virtudes e desempenho, vinha em segundo lugar nas fileiras alvinegras, logo atrás de Reinaldo, veio a primeira cobrança desperdiçada: Cerezo isolou — ainda seria o Bola de Ouro da Placar. Ziza e Alves foram ao resgate, mas Joãozinho Paulista e Márcio também perderam. Pelo lado Tricolor, fazendo alguma justiça, ainda que tardia e insuficiente, Getúlio não converteu, assim como Chicão. Prevaleceu João Leite. Mas Peres, Antenor (outro criado no Galo) e Bezerra cumpriram suas funções.

Sem perder. Com a ausência polêmica de Reinaldo. Lidando com a deslealdade de Chicão e Neca. Vendo um ídolo, Cerezo, revelar-se humano. Somando 10 pontos a mais que o São Paulo, o Galo era o vice-campeão. 

Seria ele, Drummond, a dar o tapinha nas costas de um torcedor pra lá de machucado: “Queria que, se vocês sentirem vontade de chorar a chuva que está caindo no Brasil, vocês não chorassem não, vocês ficassem esperando a garça, porque um dia a garça vem e fica com vocês”.

O atleticano conheceria outros traumas, sobretudo nos anos 1980. Mas o primeiro exerce um papel irrepetível: mata a inocência.



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O Atlético Mineiro de 1977, vice com 10 pontos a mais que o campeão

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