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De Joe Mercer a Tony Book, a herança do Manchester City

Pep Guardiola lidera. Pouco abaixo estão Manuel Pellegrini e Roberto Mancini. São representantes da abundância do lado azul celeste de Manchester. É natural que estejam entre os treinadores mais vitoriosos da história dos Citizens. No entanto, há presenças que contrariam a narrativa que diz que o clube se tornou relevante apenas a partir do investimento do Abu Dhabi United Group. Muito antes de se tornar expoente de sportswashing, outra história foi escrita por nomes como os de Joe Mercer, Malcolm Allison e Tony Book. A máquina do tempo leva aos anos 1960.

Foto: Hulton Archive/Arte: O Futebólogo


Voltar para o meu lugar


Foi um começo de década instável para o Manchester City. Desempenhos insossos até 1961-62 foram o prelúdio de algo pior. Rebaixamento, uma palavra pesada e, mesmo assim, muito menos dolorosa do que o fato propriamente dito. A segunda divisão não era estranha ao quadro mancuniano. Passara o fim dos anos 1930, além de toda a Segunda Guerra Mundial, ali. Mesmo no retorno à elite, seguiu vivendo perigosamente. Era questão de pouco tempo aquele flerte se tornar coisa séria.

O descenso forçou a ruptura com o treinador escocês Les McDowall, há 13 anos na casamata celeste. Era uma mudança doída, especialmente porque o comandante fora um jogador de destaque no clube, ascendera-o à primeira divisão logo em seu primeiro ano como técnico, e o conduzira ao título da FA Cup, em 1956. O antigo ala, nascido na Índia e filho de missionários, seria, por anos, o comandante com mais vitórias pelo City, até ser superado por Guardiola. Foram 220 triunfos, em 592 jogos.

Havia sinais de desgaste. Segundo se conta, no final de sua passagem, McDowall se distanciara do campo e da bola. Os jogadores passaram a vê-lo mais como manager do que coach. O alheamento incomodava. A proximidade dos anos anteriores era um dos pontos que levara o comandante a ser respeitado por seus comandados — como Don Revie. Gente como Matt Busby, no rival United, Stan Cullis, nos Wolves, e Joe Mercer, no Sheffield United, por outro lado, entrava cada vez mais nos assuntos dos gramados.

Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

O Manchester City não era um lugar atraente para talentos. O exemplo mais evidente era o de Denis Law. O atacante marcou 23 gols em 1960-61, mas preferiu partir para uma aventura bem louca no Torino. Tinha só 21 anos.

Os Citizens entregaram as chaves do vestiário a George Poyser. Não chegava a ser uma aposta. Desde 1957, auxiliava McDowall. Ainda que não tenha devolvido o time ao panteão do futebol inglês, foi o responsável por mudanças importantes. As habilidades de olheiro, que o tinham levado a Manchester, provaram ser úteis. Sob suas ordens, Alan Oakes, Mike Doyle e Glyn Pardoe se afirmaram no time de cima, se unindo a uma base que já tinha gente como Neil Young. O problema é que o time precisava subir.

Às vésperas da temporada 1965-66, Joe Mercer estava livre no mercado. Ele fora cogitado como treinador da Inglaterra, mas era um tiro no escuro; sofrera um acidente vascular cerebral quando comandava o Aston Villa e, após a recuperação, fora demitido. Sua esposa, Norah, profetizou: seu homem preferia morrer trabalhando do que viver em casa. Não chegou sozinho, o auxiliar Malcolm Allison fez as vezes de fiel escudeiro, mais encarregado das coisas do dia a dia e das táticas. Como fênix, Mercer e o Manchester City renasceram.

No Swindon Town, o comandante buscou os serviços de Mike Summerbee, que jogaria todas as partidas da temporada de acesso. Sim, os azuis subiram já na primeira temporada sob a batuta de Mercer. Os esforços de construção continuariam sendo bem feitos. Na volta à Football League, Tony Book foi recrutado junto ao Plymouth Argyle, enquanto Colin Bell chegou a Manchester desde o Bury. Eram grandes notícias.

Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo


Exterminar 30 anos de jejum


A temporada de volta não foi das mais animadoras. Os Citizens não foram a lugar algum, mas se safaram do rebaixamento com tranquilidade. Ver o Manchester United bater campeão e construir terreno para o título europeu que viria no ano seguinte não deve ter sido fácil. Parece inevitável olhar a grama do vizinho quando cresce tão verdinha. Mas Mercer gostava de ver o lado bom das coisas, era um paizão, e confiava que no seu gramado já floresciam grandes talentos, lapidados com a precisão de um artesão por seu número dois. Não estava errado, embora não estivesse claro o quão bons eles seriam.

Para a campanha de 1967-68, com o trabalho de Allison e um toque de midas, concluiu sua obra. No Bolton Wanderers, encontrou os gols de Francis Lee, pagando o que era o recorde de gasto dos azuis: £60 mil. Enquanto isso, a base seguia dando suporte ao time. Os últimos prospectos eram o zagueiro Tommy Booth e o goleiro Joe Corrigan, cuja influência cresceria nos anos seguintes.

Com o United empenhado nas noites europeias, o City cresceu. Segundo o comentarista Kenneth Wolstenhome, da BBC, tornou-se o quadro mais empolgante da Inglaterra. O início de campeonato deixaria dúvidas, com empate frente ao Liverpool e derrotas para Southampton e Stoke City. Mas logo veio uma sequência de cinco vitórias. Insucessos seguidos diante de Arsenal, United e Sunderland voltariam a assombrar o futuro do time. Mas, só aconteceriam mais quatro derrotas, naquele torneio de 42 rodadas.

Quando os rivais de Manchester se reencontraram, a situação era outra. Colin Bell colocou o time em vantagem. George Best, o melhor jogador do campeonato, empatou. Só que o City não aceitou não vencer. George Heslop e Francis Lee confirmaram o 3 a 1. Faltava pouco. O dia 11 de maio de 1968 concluiria o renascimento. Ao soar do apito final em St. James Park, o placar indicava Newcastle 3, Manchester City 4. Por dois pontos, os azuis batiam seu grande rival e eram os campeões nacionais pela segunda vez na história, a primeira desde 1936-37.


A resistência e inteligência de Bell, a objetividade do jogo de Oakes, os gols de Lee e Summerbee, somados à coragem de Doyle no centro da defesa — um autêntico torcedor do clube — formavam a base de um time que, aos poucos, seria eternizado. Em 1969, depois de bater Luton Town, Newcastle, Blackburn, Tottenham e Everton, o City enfrentou o Leicester na final da FA Cup. Mais de 100 mil pessoas viram Neil Young, uma das peças que conectava o mundo pré e pós Mercer, garantir mais um título para os Citizens.

“Ninguém no futebol poderia viver conosco. Entre nós, tínhamos tudo. Eu me metia em situações como um touro, cheio de ambição agressiva e desprezo por qualquer um que pudesse estar no meu caminho. E Joe vinha atrás de mim, recolhendo os cacos, acalmando os feridos e os ofendidos com aquele vasto encanto”, diria Malcolm, como reproduziu o site oficial do Manchester City.


Esses nomes todos seriam recordados não apenas pela qualidade, mas pela longevidade. Muitos passaram mais de 10 anos no clube. Oakes (682), Corrigan (603) e Doyle (570), para citar alguns, tornaram-se os três que mais vezes vestiram a famosa camisa azul celeste. Bell (501) seria o quinto e o quarto maior artilheiro (153 gols). Eles viveram de perto os crescentes e silenciosos atritos entre Mercer e Allison. Quando o clube conquistou a Copa da Liga de 1970, batendo o West Bromwich e assegurando todas as taças nacionais, algo já não cheirava bem.

Mercer era o manda chuva. Em última instância, o responsável por tudo. Allison era quem mais dava duro nos treinamentos. 13 anos de idade separavam os dois. Malcolm treinara apenas Bath City, Toronto City e o Plymouth. Naturalmente, desejava mais projeção. Na hora de dar peso às coisas, a diretoria do City entendeu que o auxiliar teria mais suco para ser espremido nos próximos anos. Após uma campanha abaixo e sem conquistas, no princípio de 1971-72, Mercer foi elevado a uma espécie de cargo de diretor. Na verdade, caía, enquanto Allison subia, assumindo como treinador. Em menos de um ano, Joe não estaria mais lá.

Foto: PA/Arte: O Futebólogo


Sofrer, mas perseverar


O City retomou o rumo no princípio. Apoiado na grande forma de um Francis Lee que anotou 33 gols e foi o artilheiro absoluto do Campeonato Inglês, terminou o certame em quarto lugar — apenas um ponto atrás do campeão Derby County. Mas o time estava envelhecendo, entre outras questões. “Malcolm mudou o futebol ao nos fazer treinar como atletas e nesse aspecto ele estava muito à frente de seu tempo”, afirmou Summerbee.

Havia problemas na estrutura organizacional do time. Em 1971, Albert Alexander Jr., que contratara Joe Mercer, deixara a presidência da equipe, em suas mãos desde 1964. Em momentos distintos, seu pai fizera de tudo um pouco pelo quadro mancuniano, inclusive criando suas categorias de base. O filho conhecia bem os caminhos de Maine Road; era apaixonado pelo clube. Após sua retirada, houve disputa de egos. A primeira evidência clara seria o estímulo à citada cisão entre Mercer e Allison, mas mesmo este não sobreviveria muito mais.

Em 1972-73, já contando com os gols de Rodney Marsh, a temporada começou com o título da Supercopa da Inglaterra, mas a campanha no Campeonato Inglês decepcionaria. Allison abandonaria o barco antes do final do ano. Seria substituído por Johnny Hart, que permaneceria cerca de seis meses, sem sucessos, como é suposto imaginar. Depois de Tony Book, que era o capitão do time, assumir brevemente como jogador-treinador, o time apostou suas fichas em Ron Saunders.

Ele seria recordado pelo brilhantismo de sua passagem pelo Aston Villa, mas ainda era um treinador promissor que vinha alcançando grandes resultados com o Norwich. Sob sua batuta, os Canários chegaram à elite pela primeira vez. Só que 1973-74 seria uma temporada amarga para ele. No ano anterior, levara o quadro verde e amarelo à final da Copa da Liga e perdera, o que se repetiu com o City. Mesmo contando com o retorno de Denis Law, em Wembley os mancunianos sucumbiram diante do Wolverhampton, 2 a 1. Saunders não ficou.


Nesse meio tempo, Peter Swales assumiu a presidência da equipe. Mais tarde, seria culpado por não manter os Citizens no nível ao qual foram alçados nos anos anteriores à sua chegada. Entre seus primeiros atos estava o de nomeação definitiva de Book como treinador da equipe. Ele permaneceria na casamata entre 1974 e 79, confirmando-se figura eternamente querida entre os azuis celestes. Ninguém fica conhecido como Mr. Manchester City sem motivos.

Book era um soldado de Allison, tendo o acompanhado em todos os seus clubes, antes da chegada a Maine Road. Com ele, a paz voltou, embora o time não tenha alçado altos voos. Sua única taça viria da Copa da Liga de 1975-76 — temporada de despedida de Oakes. Então, Bell já sofrera grave lesão no joelho direito e Lee se mudara para o Derby County. Corrigan e Doyle seguiam carregando o espírito de vitórias, mas a inevitabilidade do tempo forçava reformas. Gente como Dave Watson ou Asa Hartford chegava.

Os ventos traziam outros ares, não necessariamente melhores.


Sobreviver


Formado no Manchester United e com passagem pelo Arsenal, Brian Kidd seria um dos ícones de um cada vez mais renovado Manchester City. Com seus gols, o time perdeu o Campeonato Inglês de 1976-77 por um mísero ponto, ficando em segundo. Contudo, aos poucos, a queda ficaria evidente. Em três anos, os mancunianos foram de um quarto lugar a um 17º.

A temporada 1978-79 foi o fim da linha para Book. No ano seguinte, Allison voltou, sem causar boa impressão. Saiu outra vez. Book seria o interino até John Bond assumir em definitivo. O time ia ladeira abaixo. 

Exceto pelo vice-campeonato da FA Cup, em 1981, já não jogava bem e nem conseguia bons resultados. Somente o goleiro Corrigan sobrava para contar história. Em 1982-83, a queda para a segunda divisão foi inevitável e inaugurou um período de agruras para o quadro azul celeste. Rebaixamento, lembram-se?

A regra da década de 1980 foi a instabilidade, com um incansável sobe e desce. Tony Book nunca virou as costas para o clube. Fez de tudo um pouco e, de quando em quando, assumia o time como interno. Só que uma andorinha só não faz verão, diz o ditado.

Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

Allison nunca mais voltou e a verdade é que sua carreira não teve muitos altos depois de seu retorno ao City. Mercer estava aposentado desde 1974. Afinal, aquilo não era um conto de fadas, com final feliz. Antes, uma história real, com pontos altos e baixos, reviravoltas, tensões e glórias. Uma narrativa com protagonistas de relevância inquestionável, personagens redondos, com vicissitudes. 

Mercer é o segundo maior vitorioso entre os treinadores da história dos Citizens. Book e Allison empatam com Tom Maley e McDowall, em sexto lugar. São nomes que todo torcedor, mesmo o mais jovem, conhece. Assim como os dos já exaustivamente mencionados Oakes, Bell, Summerbee, Lee, Corrigan, Doyle, Booth ou Young. As histórias estão sempre em mutação, tendo o tempo como o norte. O Manchester City bilionário vence e vence, mas não foi o primeiro a fazê-lo. E é dever de memória recordar quem forjou a herança dos homens do presente.


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