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Nos anos 1940, o Sporting se fez ouvir com os Cinco Violinos

O texto futebolístico se apropria de diversas linguagens. As metáforas bélicas, por exemplo, revelam-se em termos como “matador” e “artilheiro”, sendo o jogo, algumas vezes, visto como “guerra”, “batalha” ou “contenda”. Outra perspectiva é a que atraem as metáforas musicais. Um “maestro” será sempre um jogador de alta qualidade técnica, assim como falar que uma equipe “joga por música” dirá respeito a um estilo refinado. Portanto, é induvidosa a nota artística que, nos anos 1940, um grupo conhecido com os Cinco Violinos levou aos gramados portugueses.

Foto: Sporting CP/Arte: O Futebólogo


Homens fortes: Ribeiro Ferreira e Cândido de Oliveira


O Sporting Clube de Portugal entrou no ano de 1946 com novidades. Era 19 de janeiro, quando António Ribeiro Ferreira assumiu a presidência leonina. O momento do clube lisboeta urgia ações. Desde a organização do primeiro Campeonato Português, em 1934-35, os sportinguistas conquistaram apenas duas edições — três vezes menos do que o maior rival, Benfica. Estavam a ficar, notoriamente, para trás.

Graduado em Direito há 20 anos e nascido em berço de ouro, Ribeiro Ferreira era ambicioso; vivia a política portuguesa, alçado à vereança na Câmara Municipal de Lisboa e ao governo de Évora. Se não era especialista em esportes, contrataria alguém que o era, para coordenar o futebol alviverde. Cândido de Oliveira fora um dos precursores do ludopédio lusitano, representando o Benfica nos anos 1910, capitaneando a seleção portuguesa em seu primeiro compromisso, nos idos de 1921, e sendo um dos fundadores do Casa Pia. Mas ele era bem mais do que isso.

Seria o comandante de Portugal nos Jogos Olímpicos de 1928, levando a equipe às quartas de finais, superando Chile e Iugoslávia. Paralelamente, trabalharia na CTT, a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones. Era um homem cheio de virtudes e cartas nas mangas.

Foto: OGol/Arte: O Futebólogo

Essa versatilidade o tornaria espião para os Aliados, durante a Segunda Guerra Mundial, contrariando os interesses do regime de António de Oliveira Salazar. Com o desmonte da unidade em que estava lotado, ficaria detido, por dois anos, em Tarrafal, o pior campo de concentração do regime, na Ilha de Santiago, Cabo Verde. No retorno do exílio forçado, ajudaria a fundar o jornal A Bola.

Em 1946, estava pronto para retornar ao futebol. Sob a direção de Oliveira, o Sporting avaliaria o seu elenco. Havia, indiscutivelmente, bons valores. O mais evidente, não necessariamente o melhor, respondia por Fernando Peyroteo, no clube desde 1937. Um centroavante de tipo clássico, atlético e finalizador com as duas pernas e a cabeça, não fazia gols, os empilhava. Para tanto, precisava ser bem fomentado.

Desde a ponta direita, Jesus Correia era um dos responsáveis, descoberto pelo húngaro József Szabó. Velocíssimo, exímio nos cruzamentos e conhecido pelo gosto e a aptidão para o hóquei em patins, ganharia a alcunha de “Dois Amores”. Pelo outro lado, o diminuto Albano era um ponto de desequilíbrio, fazendo defensores de bobos com seus dribles e abrindo caminhos para Peyroteo. A dupla chegara em 1943. Só que o futebol, à época, costumava ser disputado por equipes postadas em 2-3-5. Faltavam duas peças cruciais para o setor ofensivo ficar completo.


A competição evoluía e o Sporting goleava


Ciente do que acontecia no futebol português, dada a experiência no Jornalismo, e expert em futebol, a partir das carreiras de atleta e treinador, Cândido de Oliveira encontraria as soluções que faltavam para elevar o patamar sportinguista. Os dois tinham 20 anos e traziam entrosamento desde os anos de formação na CUF — Companhia União Fabril.

Manuel Vasques era o mais sutil e elegante nos movimentos, envergando a camisa 8. Receberia a alcunha de Malhoa, em alusão ao pintor homônimo. Ele tinha um extra: recusara o Benfica. O outro era o 10: José Travassos, que escolhera o clube em detrimento do Porto. Há quem o considere o maior de todos na história leonina. Mais que jogar, com a técnica refinada, seria lembrado por fazer os outros jogar. Especialmente Peyroteo.


Estava formada uma linha ofensiva dessas que ficam eternamente na ponta da língua: Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano. Do ponta direita ao ponta esquerda. A eles se juntavam o lendário goleiro João Azevedo, com quase 20 anos de serviços prestados ao Sporting, os centrais Álvaro Cardoso, envergando a tarja de capitão, e Manuel Marques, o médio Octávio Barbosa e os laterais Canário e Veríssimo.

Esse time estava preparado para a disputa do primeiro Campeonato Português com mais “cara de campeonato”. A partir de 1946-47, a disputa colocaria 14 equipes em choque, sem que a classificação dessas se desse a partir de torneios regionais e instituindo acesso e descenso. Famalicão e Sanjoanense estreavam na competição. Juntos do Estoril, eram os egressos da segunda divisão. O Sporting teria 26 jogos para mostrar que o trabalho de Ribeiro Ferreira e Cândido de Oliveira estava pronto. Ou quase.

Cândido era coordenador, apesar do passado nos bancos. Portanto, escolheria o inglês Robert Kelly para treinar o alviverde lisboeta. Nos anos 1920, Bob vestira a camisa de seu país como atleta, passando por equipes importantes, como Burnley e Sunderland. Vinha de um período de trabalhos na Grécia e na Holanda, depois de deixar as Ilhas Britânicas durante a guerra. Não é subestimar o trabalho do comandante, mas, com o que encontrou, era difícil não fazer um bom trabalho.


O primeiro encontro do quinteto ofensivo aconteceria na quarta jornada do Campeonato de Lisboa, empate por 2 a 2 com o Belenenses, nas Salésias. Já na rodada inaugural do Campeonato Português, pobre do Famalicão, que viu a bola ser buscada no fundo de suas redes nove vezes. O placar final evidenciava o poder de fogo sportinguista: 9 a 5. Peyroteo marcara seis gols. Na partida seguinte, outro resultado superlativo: 9 a 2, ante o Atlético, de Lisboa. Elvas e Académica sofreriam destino ainda pior, derrotados por 9 a 1. Apesar disso, a cereja do bolo viria com a demolição do maior rival. Na nona jornada, Travassos fez um triplete, com Albano, Peyroteo e Vasques completando o marcador. Sporting 6, Benfica 1.

“Se, algumas vezes, se poderá dizer que a imagem de futebol não está refletida no score, os 6-1 do Lumiar ilustram muito bem a afirmação. É de nosso juízo que o Sporting, feitas bem as contas, se mostrou superior ao Benfica, mas as cinco bolas que o separam do adversário são um exagero. Nem os leões jogaram para tal riqueza, nem os benfiquenses revelaram tamanha pobreza”, comentaria o jornalista Tavares da Silva, à revista Stadium.



Em 1946-47, o Sporting faria 36 partidas. Seriam 30 vitórias, três empates e somente uma trinca de derrotas. Apenas no nacional, o time anotaria 123 tentos, concedendo 40. Nem mesmo o Vasco da Gama, de Barbosa, Ely, Augusto, Friaça e Lelé, seria páreo para os Leões. Em amistoso disputado no Jamor, os lisboetas venceram por 3 a 2. Sem surpresa, o Sporting venceu o Campeonato Português e o Campeonato de Lisboa.

Faltava só uma coisa: um apelido imortal. Caberia ao citado Tavares da Silva a honra. Nasciam os Cinco Violinos, afinal o time jogava com o refino de uma orquestra. Em 1947-48 já era, não apenas conhecido, mas temido.

Sucesso inclusive contra clubes estrangeiros


Antes do início de mais uma edição do Campeonato Português, havia coisas importantes a fazer. Outra realização de Ribeiro Ferreira era a renovação do Estádio de Lisboa. A casa sportinguista receberia melhoramentos no gramado, na pista de atletismo e, acima de tudo, nas arquibancadas, que passaram a ter mais 15.000 lugares sentados. Na inauguração, outra novidade: o nome. Era uma homenagem ao fundador do clube, José Alvalade.

Para celebrar o marco, o Sporting convidou o Athletic Bilbao. Os bascos alinhavam gente como o goleiro Raimundo Lezama e o implacável artilheiro Telmo Zarra. Este bem que tentou aguar a cerveja lisboeta, marcando duas vezes. Mas Peyroteo o igualaria, também com dois tentos. O jogo terminaria 4 a 4; chuva de gols para um dia de festa.

Charge: Desconhecido

O desempenho avassalador de 1946-47 sofreria leve queda. O título do Campeonato de Lisboa seria renovado, logo no princípio da temporada. E o início da campanha no nacional também animaria. As dúvidas viriam entre as rodadas oito e 12. Ali, os Leões seriam superados por Belenenses, Benfica e Porto. A sequência só não seria pior porque, no meio do caminho, o alviverde venceu Académica (6 a 3) e Vitória de Setúbal (8 a 1).

Os resultados ruins contra os rivais acordaram o Sporting, que só seria derrotado mais uma vez na competição. O título seria renovado na conta do chá, tendo o alviverde vencido o Benfica, 4 a 1, mas já nos finalmentes — na 22ª rodada. Os critérios de desempate decidiriam o campeonato, dado o empate dos antagonistas lisboetas. 

“Em boa verdade, o Sporting teve durante o campeonato alguns jogos mais fracos, como a outros grupos aconteceu e acontecerá sempre. Mas também se comportou valorosamente quando a luta exigia decisão, valor absoluto”, escreveu o cronista Rodrigues Teles, à revista Stadium.

Vale dizer que, em 1947-48, depois de um ano em que, devido a problemas de calendário, não se disputara a Taça de Portugal, ela voltara. O Sporting, que era o último campeão, renovaria a láurea, batendo o Belenenses na finalíssima, depois de deixar o Benfica nas semifinais.

Consagrando ainda mais a equipe, após o fim da temporada oficial, ela recebeu o Lille, para um amistoso. Tratava-se do campeão da Copa da França e do último vice da Ligue 1. O Sporting nem tomou conhecimento dos Dogues, vencendo-os por 8 a 2. Os Cinco Violinos marcaram, além de Veríssimo. Os Leões dominavam a cena local e mostravam que estavam no nível das melhores equipes internacionais.

Tri!


Em 1948-49, Kelly deixou o Sporting e Cândido Oliveira assumiu de vez o comando técnico leonino. A estrutura do time seguia a mesma. A única mudança era a aposentadoria do capitão Álvaro Cardoso. Na zaga, ganharia espaço Juvenal, enquanto a braçadeira acabaria repassada ao goleiro Azevedo. Cândido daria à equipe o chacoalhão de que precisava. O Campeonato de Lisboa deixaria de ser disputado pelos gigantes e o time verde e branco lideraria o Campeonato Português desde o início.

O Sporting das goleadas estava de volta. Belenenses (4 a 1) e Benfica (5 a 1) não arranhariam as pretensões leoninas. Mesmo perdendo jogadores importantes por lesão durante o torneio, Veríssimo, Correia e Azevedo, o time não perdeu o pique. O título viria com a tranquilidade de uma vantagem de cinco pontos. O lado alviverde de Lisboa comemorava o tricampeonato nacional. E, por pouco, não festejaria ainda mais.


Na disputa da primeira edição da Taça Latina, que opunha os melhores times de Espanha, França, Itália e Portugal, chegaria à final. O desafio inicial, por motivos mais que tristes, seria tranquilo. Em Madrid, o Sporting não teve problemas para superar os poucos atletas que o Torino dispunha, após a Tragédia de Superga. Do outro lado da disputa, o Barcelona batera o Reims. Na decisão, os catalães venceriam pela margem mínima de um gol, 2 a 1.

Durante aquela temporada, outras partidas internacionais reforçavam o poderio sportinguista. Em amistoso ante o Atlético de Madrid, na inauguração do Estádio Metropolitano, os portugueses dominaram, 6 a 3 — meia dúzia de tentos de Correia. Os suecos do Norrköping foram massacrados, 8 a 2. Assim como os do AIK, 4 a 1. Outro grande europeu superado seria o belga Anderlecht, 4 a 1.

A nota negativa ficaria por conta de uma eliminação bizarra na Taça de Portugal. O Sporting jogou com indolência. Era a única justificativa possível para a queda diante do nanico Tirsense, da terceira divisão.


A música acabou num fade-out


Os ares de mudança, entretanto, estavam sendo respirados. Aos 31 anos, Peyroteo decidiu pendurar as chuteiras. Oficialmente, dizia que o corpo não respondia mais tão bem. Extraoficialmente, conta-se que, endividado, precisava do dinheiro do jogo de sua despedida para acertar as contas com seus credores. Cândido de Oliveira também partiria; logo viveria uma experiência no Flamengo. Era o fim dos Cinco Violinos, mas não daquele time.

Em 1949-50, o Sporting perderia o título nacional. Temporariamente, apenas. Logo, viriam mais cinco, com o clube se tornando o maior vencedor de Portugal, até então.

Aos poucos, todos foram deixando o clube. Em 1952-53, Correia decidiria se dedicar exclusivamente ao hóquei. Pouco depois, o presidente Ribeiro Ferreira faleceria. Albano permaneceria no clube até 1957 e Travassos ficaria até 58 e Vasques até 59.

Antes do fim, Travassos também ficaria marcado por uma convocação a representar uma seleção europeia, junto a figuras como Raymond Kopa e Ferenc Puskas. Era 1955 e a Federação Norte-Irlandesa convidara esse selecionado e a Inglaterra para um amistoso comemorativo de seus 75 anos. A partir de então, o craque ficaria conhecido como Zé da Europa. Dispensável dizer que os ingleses não tiveram chances: 4 a 1.


Todos os Cinco Violinos marcariam mais de 100 gols pelo clube. Peyroteo imporia um recorde difícil de ser batido, com 529 gols. Vasques somaria 221, Correia 156, Albano 153 e Travassos 126. Juntos, mais de 1000 tentos. A verdade é que a união deles marcou um tempo de sonho, mas efêmero. Foram apenas 56 jogos, 53 pelo Sporting, dois pela seleção portuguesa e um único por um combinado Benfica-Sporting. Só perderiam nove encontros, afinadíssimos.

Os Cinco Violinos foram eternizados. Caberia ao último deles a viver, Correia, a honra de dar o pontapé inicial para o amistoso de inauguração do novo Estádio José de Alvalade, em 2003. Meses depois, faleceria, ciente de que seu clube continuaria a ser conhecido pela arte de seus craques. Naquele dia, o Sporting enfrentou o Manchester United. A principal nota do encontro seria a confirmação do surgimento de uma nova estrela, digna da história sportinguista, Cristiano Ronaldo.



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