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O primeiro reinado de Walter Smith no Rangers

Escassos países foram, ao longo dos tempos, tão profícuos na formação de bons treinadores de futebol quanto a Escócia. São tantos nomes que estabelecer um ranking se torna uma missão ingrata. A Jock Stein, Matt Busby, Alex Ferguson e Bill Shankly se unem George Graham, Kenny Dalglish e Jim McLean. Este, ícone do Dundee United, seria fundamental para o desenvolvimento de mais um entre os grandes líderes escoceses: Walter Smith, homem que esteve presente em 12 títulos nacionais do Rangers. Uma história que começa em meados dos anos 1980.

Foto: Popperfoto/Getty Images/Arte: O Futebólogo


Uma vida nos bastidores


Os depoimentos de quem conviveu com Walter Smith costumam ser uníssonos em torno de um fato: o comandante era uma das pessoas mais afáveis do mundo da bola. Talvez essa tenha sido a razão pela qual antes de agigantar seu próprio nome, ele tenha tido uma atuação mais discreta, longe dos holofotes. Torcedor do Rangers de carteirinha, apaixonou-se pelo esférico desde menino. Mas o limitado talento não o levaria longe.

A trajetória de Smith nos campos não teve nada de excepcional. Talvez os sinais fossem evidentes desde sempre, como uma perna quebrada aos 14 anos sugere. O curioso, entretanto, é que tal evento apenas alimentou a paixão do adolescente. Na altura, o patriarca dos Smith redigiu uma carta ao clube, pedindo, encarecidamente, permissão para que o filho pudesse assistir a um jogo dos Gers na pista de atletismo que circundava o antigo Ibrox.

Haveria resposta. Ainda que negativa, a consideração do clube marcaria o garoto. “Quando eu não estava jogando futebol, costumava ir aos jogos do Rangers com meu pai e lembro de me sentir muito orgulhoso por ter recebido uma carta pessoal de Scot Symon [o treinador]. O time do Rangers que Symon liderou no início dos anos 1960 foi um dos maiores da história do clube e dominou o futebol escocês”, comentou ao The Herald.

Como atleta, Walter ficaria marcado como um homem do Dundee United. Jamais atuaria pelo clube do coração. E apesar de ter sido muito mais um membro da rotação do treinador Jim McLean do que um titular, entrou em campo na icônica final da Copa da Escócia de 1973-74 — derrota para o Celtic, 3 a 0.

Foto: These Football Times/Arte: O Futebólogo

Além de afável, Walter Smith seria lembrado como um observador, daqueles que fazem valer a lógica por trás do fato de que o ser humano tem dois olhos, dois ouvidos e apenas uma boca. “Ele ouvia e demonstrava interesse nas pessoas, ajudava todo mundo que podia”, comentaria seu amigo Alex Ferguson, por ocasião do falecimento de Smith. Essa qualidade se provaria um alicerce para sua continuidade no jogo. Depois de 12 anos ao serviço do Dundee, distribuídos em duas passagens e sempre sob as ordens de McLean, ele seria convidado a integrar a comissão técnica de Jim, como auxiliar. Era o final dos anos 1970.

Um chamado para liderar a seleção escocesa sub-18 não tardaria. Com o título da Euro da categoria em 1982, ascenderia na estrutura da FA escocesa, assumindo a chefia dos jovens do time sub-21. Quatro anos mais tarde, notoriamente após o falecimento precoce de Jock Stein e a escolha de Ferguson como sucessor no comando da seleção principal, tornar-se-ia auxiliar do Tartan Army às vésperas da Copa do Mundo de 1986. A carreira decolava, mas sem protagonismo.

Foto: SNS Group/Arte: O Futebólogo

A realização de um sonho


A participação escocesa no Mundial seria melancólica e ditaria os rumos de alguns nomes importantes. Ferguson logo assumiu o Manchester United. Vetado da partida decisiva contra a Alemanha Ocidental, o capitão Graeme Souness se aposentou da seleção e aceitou um dever comum à época: a dupla função de jogador-treinador, no Rangers. Para exercer seu novo papel, precisaria de um bom auxiliar, sobretudo porque não poderia estar à beira do gramado quando estivesse atuando.

Em que pesem os caracteres imiscíveis, a dupla casou perfeitamente, como um prato de feijão com arroz, complementar. “Nomear Walter Smith como meu assistente foi de primordial importância, na medida em que eu começava como treinador [...] Tive muita sorte, porque ele tinha muita experiência e nossas personalidades se adequavam uma à outra. Não estou sugerindo que ele fosse inofensivo, mas ele era mais uma cabeça sensível, enquanto eu era um pouco empolgado e ainda estava tentando jogar. Eu confiaria minha vida a Walter e percebi isso rapidamente”, comentaria Souness em sua autobiografia Football: My Life, My Passion.

A missão da dupla não era simples. Fazia quase uma década desde o último título nacional do Rangers. Em um país flagrantemente duopolizado, a espera pela retomada do título se sugeria insuportável. O pior era acompanhar a ascensão de forças menores, como o Dundee United e o Aberdeen. Ambos conquistariam títulos escoceses e se destacariam nos torneios europeus — o primeiro sendo semifinalista da Copa dos Campeões, em 1983-84, o segundo conquistando a Recopa, de 1982-83.

Foto: SNS Group/Arte: O Futebólogo

Souness simbolizava, justamente, as vitórias. O retorno à Escócia era precedido de uma época gloriosa no Liverpool, com a conquista de três títulos continentais e cinco campeonatos ingleses. Mesmo a rápida passagem pela Sampdoria seria laureada com uma Coppa Italia. Poucos contataram tão intimamente o triunfo quanto o meio-campista-treinador.

Com Walter Smith na retaguarda, Souness se deu o direito de atuar em 25 das 44 partidas do Campeonato Escocês de 1986-87. No ataque, um jovem Ally McCoist anotaria impressionantes 34 gols, um a menos do que o artilheiro do certame, Brian McClair. Na retaguarda, Terry Butcher, ídolo do Ipswich Town e titular da Inglaterra, assumir-se-ia como o emblema da melhor defesa do torneio, que concedeu apenas 23 gols. Não havia como o título escapar.

A vitória não seria renovada no ano seguinte. Porém, já em 1988-89, o Rangers voltaria ao pódio.

O fim da linha para o Souness atleta chegava. No ano seguinte, em que conduziu o time ao terceiro título da década, faria apenas um jogo. Aquele também seria um momento marcante por uma decisão polêmica de Graeme: contratar Mo Johnston. Católico, chegava ao time mais identificado como o protestantismo no mundo. Era a primeira vez que, com prévia ciência, os Gers traziam um católico.

Em busca do recorde até então inigualável


Mas, em 1991, Souness se cansara do excesso de atenção recebido na Escócia. Junto com isso viria um convite irrecusável: retornar ao Liverpool, como treinador. O presidente David Murray fez todos os esforços para manter seu comandante, mas Graeme não cedeu. E, além disso, queria levar Smith com ele. Não obstante, os Reds contavam com os históricos Ronnie Moran e Roy Evans na comissão técnica. Souness também havia convencido Phil Boersma a acompanhá-lo. A relevância de Smith seria menor.

Em última instância, o auxiliar decidiu seguir outro caminho. Sem ressentimentos, Souness sugeriu a Dave Murray a efetivação de Smith. Depois de completar a temporada 1990-91 como interino, vencendo mais uma edição do Campeonato Escocês, Walter assumia o protagonismo. Era, enfim, o treinador de seu time do coração.

Na primeira temporada completa de Smith comandando o leme dos Teddy Bears, o time fez negócios importantes. Trevor Steven foi negociado com o Marseille, Mark Walters com o Liverpool e Chris Woods com o Sheffield Wednesday. No meio da temporada, Johnston seguiu para o Everton. Entretanto, os selecionáveis escoceses Andy Goran, David Robertson e Stuart McCall chegaram a Ibrox, assim como os ingleses Dale Gordon e Paul Rideout. Mais espetacular, não obstante, foi o acerto com o astro soviético Alexei Mikhailichenko, craque do Dynamo de Kiev e que andava na Sampdoria.


Com os reforços se encaixando bem na estrutura do time, e a dupla de ataque formada por McCoist e o inglês Mark Hateley entregando 62 gols na temporada, o Rangers conquistou mais um título escocês, o tetra. E, como um replay, a temporada 1992-93 presenciaria mais uma conquista dos Gers, a quinta. Novamente, com melhores ataque e defesa — e mais de 10 pontos de vantagem para o rival Celtic, que sequer conseguiu o vice.

Nova prova da prosperidade do Rangers viria em 1993-94. Ali, o clube quebrou a banca e estabeleceu um novo recorde de valor pago por um atleta. E não se tratava de um figurão, mas do jovem Duncan Ferguson, então no Dundee United. É claro, entre muita controvérsia, ele se tornaria uma sumidade no Everton, mas os £4 milhões gastos pelos escoceses nunca se pagariam. Sem problemas, afinal, com ou sem uma grande contribuição do grandalhão, o hexa foi alcançado.

Foto: Rangers/Arte: O Futebólogo


Craques internacionais em Glasgow


Outra marca importante da gestão de Walter Smith foi a capacidade de atrair grandes talentos. Em 1994-95, o dinheiro da venda de Ferguson aos Toffees foi logo reinvestido em dois jogadores renomados. Campeão europeu com o Marseille, Basile Boli chegou para reforçar a defesa do time de Glasgow. Na outra ponta, o escolhido foi Brian Laudrup.

“Conheci Walter no Ibrox, quando o Rangers quis me contratar da Fiorentina. Conversamos um pouco, então ele disse: ‘Vamos dar uma volta. Vou levá-lo à Cameron House e mostrar-lhe o Loch Lomond'. Ao longo desses 40 minutos conversamos sobre muitas coisas. Contei a ele sobre a vida na Itália e como tinha sido para mim e minha família. Começamos a falar de futebol. Walter me disse: ‘Brian, no campo você terá toda a liberdade que desejar. A única coisa que quero em troca é que você faça a diferença’. Foi um divisor de águas na minha carreira”, comentou Laudrup, ao Scottish Daily Mail.


Como era de se esperar, já que o time não apenas não piorava, como melhorava, o heptacampeonato escocês foi uma consequência lógica.

Então, Hateley partiu para o Queens Park Rangers; e Boli para o Monaco. Em contraponto, um dos artilheiros da Copa do Mundo de 1994 chegou: Oleg Salenko. Mas, mais importante ainda, seria a incorporação de um dos ingleses mais brilhantes e temperamentais de todos os tempos, Paul Gascoigne. Se o russo não entregou nada, e inadaptado, saiu criticando até a liga escocesa, Gazza foi mais um astro recuperado por Smith.

“Eu realmente admirava Walter, ele me fez sorrir de novo com o futebol e me apoiou como uma figura paterna enquanto estava no Rangers”, diria, homenageando o ex-chefe quando de sua morte.


O octacampeonato veio naturalmente. Porém, Salenko tinha razão sobre uma coisa. Por mais sucesso que o Rangers tivesse internamente, as performances na Liga dos Campeões deixavam muito a desejar. A maioria delas terminaria em fases preliminares ou nos grupos. Isso tinha um peso, especialmente porque os Teddy Bears não paravam de investir. “Eu acreditava que eles tinham a chance de ganhar a Liga dos Campeões. Mas [a Liga Escocesa] era muito chata [...] Os únicos jogos interessantes eram os contra o Celtic — uma batalha de vida ou morte”, comentou o russo, ao The Herald.

Hateley voltou em 1996-97. E a grana continuou a jorrar. O Rangers foi à Alemanha buscar o meia Jörg Albertz, no Hamburgo. À época, recebera as primeiras convocações à Mannschaft. Do Vincenza, viria o internacional sueco Joachim Björklund, reforço para a zaga. O time se dava ao luxo até mesmo de fazer apostas, como o chileno Sebastián Rozental, um flop, como o tempo provou. A única baixa relevante foi a aposentadoria de Mikhailichenko.

Desgastes


Para a surpresa de zero pessoas, o Rangers conquistou o eneacampeonato escocês, alcançando o recorde histórico estabelecido pelo Celtic entre os anos de 1965-66 e 1973-74.

Em 1997-98, era mandatório brilhar na Liga dos Campeões. Em uma época em que o futebol italiano ainda era poderosíssimo, os escoceses tiraram Lorenzo Amoruso da Fiorentina, Sergio Porrini da Juventus, Marco Negri do Perugia, Jonas Thern da Roma e um jovem Gennaro Gattuso também do Perugia. E não foi tudo.

No entanto, parte da espinha dorsal do time se desmanchara. Hateley e Robertson partiram para a Inglaterra. Steven se aposentou. O beque escocês Richard Gough chegou a sair para o Kansas City Wizards, mas o desempenho ruim da retaguarda do Rangers levaria à sua recontratação. O time sequer alcançou a fase de grupos da Liga dos Campeões. Os desgastes da gestão de Smith, após tantos anos, eram palpáveis.


Em pleno março de 1998, em baixa, Gascoigne foi negociado com o Middlesbrough. A caça às bruxas começara. Menos de dois meses depois, seria a vez de Smith, substituído por Dick Advocaat, o primeiro treinador estrangeiro da história do clube.

O Rangers, enfim, perdera a coroa de campeão para um Celtic que retomava o caminho das vitórias, impulsionado pelos gols do sueco Henrik Larsson. Pior que isso: o ano acabou com mãos vazias, sem qualquer outra conquista. Nesse meio tempo, além dos nacionais, o treinador conduzira os Gers à conquista de três Copas da Escócia e a outra trinca de títulos da Copa da Liga Escocesa.

Esgotado, aos 50 anos, Walter Smith anunciou a aposentadoria. Em tese, alcançara o topo: treinar e ser bem-sucedido no seu time do coração. Não se tratava de uma decisão refletida, mas influenciada por uma mente cansada. A prova viria logo. Um mês depois, acertaria com o Everton, para uma jornada bem diferente, marcada por dificuldades financeiras e classificações intermediárias. A história dele com o Rangers não se encerrara.

Depois de uma rápida passagem pela seleção escocesa, retornou a Ibrox em 2007. Venceu mais três títulos nacionais e, desta vez, levou o clube longe na Copa da Uefa — um vice-campeonato em 2007-08, perante os russos do Zenit. Viveria dias de privações, perdas de atletas chave, escassez de recursos. Sairia antes do desastre final, a falência do clube. Ainda retornaria uma outra vez, como presidente. Um período breve e esquecível. Essas histórias, porém, merecem uma apreciação individual, apartadas dos feitos brilhantes do primeiro reinado de Walter Smith no Rangers.


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