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No Brasileirão de 1977, Operário e Londrina surpreenderam

Parecia não ter fim. A competição que começou em outubro de 1977 veria o ano virar, as férias escolares acabarem e o Carnaval passar. Só então, a partir do final de fevereiro de 1978, começaria a acabar. O Brasileirão supunha a consagração de Reinaldo, autor de 28 gols por anos insuperáveis e estrela de um Atlético Mineiro que não perdeu e somou 10 pontos a mais do que o outro finalista, o São Paulo. Porém, o formato da competição e a marca da cal levariam a taça para a capital paulista. Além disso, outras histórias seriam escritas. Como as protagonizadas por Operário e Londrina. Ambas irrepetíveis.

Arte: O Futebólogo


62 times representavam o Brasil


Para falar do futebol brasileiro dos anos 1970, explicar os regulamentos das competições é inevitável. Entre os fatores que motivavam as escolhas feitas pelos dirigentes da época, talvez os esportivos fossem os menos considerados.

O Campeonato Brasileiro de 1977 foi desenhado para garantir representação à maior parte dos estados da federação: 20 deles, e mais o Distrito Federal. Somente Acre, Amapá, Rondônia e Roraima não foram contemplados (destacando-se, ainda, que o Mato Grosso do Sul só foi destacado do Mato Grosso naquele ano, não tendo sido considerado individualmente, e o Tocantins deixaria de integrar Goiás apenas em 1988). O resultado foi a criação de um torneio com 62 equipes, oito a mais em relação ao ano anterior.

Na primeira fase, os disputantes foram espalhados por seis grupos, de A a F. Quatro deles com 10 membros; dois com 11. Após um turno em que todos se enfrentavam, os cinco melhores classificados avançavam à segunda fase, enquanto os demais acessavam a repescagem. As vitórias somavam dois pontos, exceto em caso de triunfo por dois ou mais gols de diferença, caso em que renderiam três.

Arquivo: Editora e Comercial Saravan

A seguir, enquanto os 30 melhores eram divididos em mais seis grupos, de G a L, classificando-se os três melhores, os outros 32 buscavam uma nova chance em outros seis, de M a R — apenas o melhor prosseguindo. Os 24 restantes eram alocados em mais quatro grupos, de S a V. Seus líderes caminhavam às semifinais do Brasileirão. Após dois confrontos, os vencedores disputavam o título em mais dois jogos.

Não foi surpreendente que os 485 jogos extrapolassem o ano de 1977, em mais uma excentricidade do futebol brasileiro da era anterior aos campeonatos por pontos corridos. Críticas à parte, somente uma fórmula de tal forma heterodoxa permitiria o desenrolar de um campeonato tão peculiar.

História para o centro-oeste


A vida na região centro-oeste andava atribulada naqueles anos. Desde 1960, com a inauguração de Brasília, vinham de lá as principais decisões da nação. Quatro anos depois, a Esplanada dos Ministérios acabaria invadida pelo Exército, sujeitando o Brasil à Ditadura Militar. Mais de uma década após, em 1977, depois de dois anos de estudos, outra vez a região entraria em foco. Sob argumentos de natureza sócio-econômica, política e cultural, o Mato Grosso foi dividido em dois.

Nascia o Mato Grosso do Sul, cuja capital seria Campo Grande, sede do Operário Futebol Clube. Até aquele ponto dos anos 1970, o Galo Pantaneiro vencera três vezes o campeonato mato-grossense, em 1974, 76 e 77. Despontava como uma força capaz de lutar pelo protagonismo estadual, contra a supremacia de Mixto, Dom Bosco, Atlético Mato-Grossense e Operário de Várzea Grande. Nacionalmente, havia expectativas positivas sobre o alvinegro.

Em setembro de 1977, a revista Placar apostava que o centro-oeste podia surpreender no Brasileirão, embora não fosse provável: “Se Goiás promete, o mesmo não se pode dizer de Mato Grosso. No norte, o Dom Bosco tem torcida pequena e suas rendas só serão boas se as galeras de Mixto e Operário de Várzea Grande comparecerem; no sul, o outro Operário garante a festa. Brasília é incógnita”.

Arquivo: Placar

Reconhecido como o melhor time mato-grossense, o Galo sonhava: “Vamos aproveitar a experiência do Brasileiro passado, montar um time melhor do que aquele, que assustou muita gente e tornou o clube conhecido em todo o Brasil. Dinheiro não falta”, garantiria o diretor Irineu Faria.

A equipe negociara atletas com Inter, Coritiba e Juventus, da Mooca, mas havia bons valores. O meia Dante e o atacante Tadeu eram alguns deles, aos quais se somava o experiente Peri, ex-Corinthians. O treinador era o famoso Castilho, ídolo do Fluminense e goleiro do Brasil nos Mundiais de 1950, 54, 58 e 62. O promissor zagueiro Heraldo seria trocado com o América do Rio, substituído pelo também beque Biluca. E outros nomes importantes chegariam, casos do lendário goleiro Manga, do zagueiro Silveira, ex-Fluminense, e dos atacantes Roberto César, emprestado pelo Cruzeiro, e Everaldo, formado no São Paulo.

Curiosamente, para contar com Manga, o clube iria atrás de sua torcida. Uma campanha de arrecadação de fundos, com vários postos espalhados por Campo Grande, seria empreendida e bem-sucedida. Cerca de 150 mil cruzeiros acabariam juntados, possibilitando a chegada do arqueiro, que vinha de um bicampeonato nacional, vestindo a camisa do Internacional.

Foto: Agência RBS


Muito trabalho no interior do Paraná


Aproximadamente 600 km distante de Campo Grande, outra equipe se preparava para viver dias de uma vida inteira, embora os primeiros sinais não fossem auspiciosos. Quarto colocado no Campeonato Paranaense de 1976, o Londrina alcançaria resultado ainda pior no estadual do ano seguinte, caindo para a sétima colocação. Pior: veria a vizinha Maringá celebrar o título, com o triunfo do Grêmio. Não era um grande momento para se torcer para o Tubarão.

Além disso, a campanha no Brasileirão de 76 fora ruim. Fora da zona de classificação na primeira fase, o time paranaense disputou a repescagem e terminou na última colocação de seu grupo, perdendo todas as partidas, frente a Portuguesa, Cruzeiro, Uberaba e Confiança. O trabalho do treinador argentino Armando Renganeschi, vindo do Colorado, não era nada simples.

Uma das esperanças respondia por Brandão (pai do outro Brandão, que passaria por equipes como Olympique de Marselha e Shakhtar Donetsk). Tratava-se de uma adaptação do verdadeiro nome, Sebastião. Homem-gol e andarilho — um tipo relativamente comum à época —, o jogador custara 400 mil cruzeiros, pagos ao Matsubara, e não tardaria a deixar sua marca. Em outubro de 1977, Renganeschi deixava claro que esperava boas coisas de seu goleador:

Arquivo: Placar

“Ele é um jogador que não precisa de esquema especial para marcar gols. Isso ele faz com naturalidade. Sei que não está rendendo tudo o que pode, mas quando o nosso meio-campo acertar, Brandão irá explodir. Tem uma coisa: ele não é só artilheiro. Senti que ele procura voltar para auxiliar os companheiros, e isso é difícil de se ver num atacante”, falou à Placar

A aposta precisou de apenas um mês para relegar Carlos Alberto Garcia, atacante muito querido pela torcida londrinense, ao segundo plano.

O time não era composto por jogadores famosos ou veteranos. Eram, em maioria, destaques da região que levavam o orgulho alviceleste à frente. Segundo Garcia, a equipe mostraria sua força a partir do envolvimento coletivo com a proposta do treinador: “Naquela época, a gente já jogava no 4-4-2, era só eu e o Brandão na frente, o Nenê voltava, o Xaxá [ex-Portuguesa e Santos] voltava e a gente pegava os adversários no 4-3-3, então a gente engolia os caras no meio-campo”, comentou ao site oficial do Londrina.

Campanhas distintas


A corrida do Operário começou contra o Internacional, o bicampeão vigente. Era previsível que o Colorado fosse soberano no Grupo A. Por isso, o empate por 0 a 0 satisfez o Galo. “Jogamos dentro da expectativa”, diria Castilho. Ele não estava lá para brincadeiras. No entanto, a derrota na rodada seguinte, 1 a 0 diante do Grêmio Maringá, no Morenão, não impressionou. As coisas não iam tão bem, com o goleiro Zé Luís, ainda titular, falhando. Faltavam sete jogos e o clube precisava vencer.

Dito e feito. O Operário superou Juventude, Dom Bosco, Joinville e Avaí. Perdeu para o Coritiba, no Couto Pereira, e empatou, ambas as vezes por 3 a 3, diante de Caxias (estreia de Manga) e Grêmio. Antes da primeira partida do arqueiro famoso, ele garantia: “Ainda sou um dos melhores”, como registrou o Correio do Estado. Com esses resultados, o Galo Pantaneiro terminou a primeira fase em quarto lugar, atrás de Inter, Grêmio e Maringá, mas classificado à segunda fase.

Paralelamente, a vida do Londrina era bem mais difícil. No Grupo D, o Tubarão veria Botafogo, Vasco da Gama, Goytacaz, Brasília e Americano avançarem. O início seria animador, com vitórias diante de Goiânia e Vila Nova, ambas em casa. Porém, o caldo entornaria logo. Derrotado em quatro de seus nove jogos, o paranaense teria que disputar a repescagem.


Na segunda fase, enquanto o Operário precisava terminar entre os três melhores do Grupo J, dividido com Botafogo, Botafogo de Ribeirão Preto, Fluminense e CSA, o Londrina tinha que terminar o Grupo P na liderança. Necessitaria, assim, suplantar os já conhecidos Goiás, Goiânia, Vila Nova e Atlético Paranaense. Pior: os jogos diante do Esmeraldino e do Tigre seriam no Serra Dourada.

Em seus domínios, bateu o Goiânia e caiu diante do Furacão. Na capital goiana, era vencer ou vencer e assim foi: “Não tínhamos nem banco completo nesses dois jogos, quando saímos de Londrina, vimos algumas manchetes no jornal que nos deixaram muito tristes e resolvemos nos reunir para dar uma resposta a todos que duvidaram de nós”, comentou o goleiro do Tubarão, Paulo Rogério, formado no Corinthians. Goiás, 1 a 0, e Vila, 2 a 1, não foram páreo para o time do norte paranaense, classificado.

O Operário, por sua vez, cumpriu seu papel quase sem dramas. Dois empates e duas vitórias (incluindo triunfo contra o Flu) bastaram para colocar os mato-grossenses na terceira fase. Um empate tardio contra o Botafogo, no Rio de Janeiro, seria um momento catártico para os alvinegros. Haveria, ainda, polêmica antes da partida final, contra o CSA, da qual o clube se sairia bem. O citado Irineu Faria teria acordado o recebimento de valores — a popular “mala branca” — do Botafogo paulista, para vencer os alagoanos. A vitória viria, mas o diretor seria demitido.


No fim, prevaleceu a tradição


A terceira fase podia ser vista como aquela “que separa os adultos das crianças”. Dos 62 clubes originais, sobravam 24. O Operário convivia com a missão de liderar um grupo com Palmeiras, Santa Cruz, América-RJ, Remo e Desportiva Ferroviária. Para o Londrina, o desafio era ainda maior, ante Corinthians, Flamengo, Vasco, Santos e Caxias.

Os mato-grossenses não largaram tão bem quanto poderiam, no Grupo V. O empate sem gols diante do Santinha não estava nos planos de Castilho, tanto porque os pernambucanos, embora fortes, não eram os principais favoritos quanto pelo jogo ter sido em Campo Grande. Por outro lado, o Londrina partiu bem, batendo o Caxias e assumindo a liderança do Grupo S, “sem maiores ilusões e humildemente”, como relatado por Placar.


Enquanto o Operário se reergueu enfaticamente, goleando os capixabas da Desportiva, 5 a 0, o Londrina pasmou o Brasil, ao bater o Flamengo, 1 a 0, no Estádio do Café — mantendo-se na primeira posição. A seguir, mato-grossenses e paranaenses continuaram surpreendendo, com vitórias fora de casa. O alvinegro superou o América-RJ; o alviceleste o Santos.

Porém, os desafios mais pesados das duas zebras estavam concentrados nas rodadas finais. Se o Operário viajaria para enfrentar o Remo, recebendo o Palmeiras na sequência, o Londrina seria anfitrião do Corinthians e visitante do Vasco. Depois de escorregar no Pará, o alvinegro bateu o alviverde e assegurou o avanço às semifinais, no que já era a melhor classificação de uma equipe do centro-oeste em Campeonatos Brasileiros. Já o Londrina…

Arquivo: JB

Aqueles foram jogos apoteóticos. Em 15 de fevereiro, o Estádio do Café recebeu seu público recorde. Diante de 54.178 pessoas, o Tubarão superou o Timão, de Palhinha, por 1 a 0. Faltava uma decisão. Em São Januário, quem vencesse se classificaria. Diante disso, a torcida do Cruzmaltino abarrotou seu estádio, em outro recorde. 40.209 pessoas, público máximo do estádio vascaíno em jogos oficiais, viram o Londrina tombar mais um gigante: 2 a 0. O Londrina também era um dos quatro melhores do país.

Arquivo: O Globo

“Lá no Operário eu fui muito bem. Nós fomos bicampeões [estaduais] invictos e em 77, sob o comando do saudoso Castilho, chegamos em terceiro lugar no Brasileiro”, comentou Peri, ao portal Terceiro Tempo.

Operário e São Paulo; Londrina e Atlético Mineiro. Deste quarteto sairia o título nacional. Enfim, a zebra foi espantada. Na capital paulista, o Tricolor acabou com o sonho mato-grossense: 3 a 0, gols de Neca e Serginho (duas vezes). Situação semelhante se abateu diante dos paranaenses, no Mineirão: 4 a 2 — Ziza e Reinaldo (três vezes) marcando para o Galo, Brandão e Carlos Alberto descontando para o Tubarão.


Nas partidas de volta, os azarões defenderiam sua honra, mas sem mudar o quadro geral. O Operário bateria o São Paulo: 1 a 0. Londrina e Atlético ficariam no 2 a 2. De fato, paulistas e mineiros tinham dois esquadrões da melhor qualidade, fazendo valer sua superioridade. Nada que diminuísse o caráter surpreendente do campeonato. Até mesmo pelo que se viu mais tarde.

Nos anos que se seguiram, sul-mato-grossenses e paranaenses jamais chegaram minimamente perto de alcançar semelhante posto no futebol nacional. Enquanto o Londrina disputaria o Brasileirão pela última vez em 1982, o Operário apareceria por último em 1986. O que serviu apenas para garantir aos seus times de 1977 um lugar eterno no rol das grandes histórias do futebol brasileiro.



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