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Um minuto separou o Atlético de Madrid do céu em 1974

Em meados dos anos 1960, o Atlético de Madrid estava em chamas e ninguém ousava interromper o fogaréu, por medo de se queimar. A missão acabaria nas mãos de Vicente Calderón, o terceiro vice-presidente durante a gestão de Javier Barroso, ex-goleiro da equipe nos anos 1920. O dinheiro era pouco; o prestígio rojiblanco estava em xeque. Era tudo ou nada. Não por acaso, o novo mandatário passaria à eternidade como o principal dirigente da história colchonera, conduzindo o clube aos mais altos voos.

Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo


Começa a era Calderón


No apagar das luzes de 1963, em 31 de dezembro, Barroso nomeou Calderón, sócio número 2.595, um de seus escudeiros. O Atlético de Madrid vivia um lugar-comum. O Estádio El Metropolitano se apequenera diante do crescimento da torcida do clube. Por isso, poucos anos antes, fora adquirido um novo terreno e, a seguir, iniciadas obras para o erguimento da nova catedral dos indios. Somente a área custara 11 milhões de pesetas. Às margens do rio Manzanares, o estádio homônimo carregava a expectativa de modernização. Mas tinha um preço. E um preço alto.

A história registra que diversos clubes conviveram com dificuldades em períodos de investimentos em infraestrutura. Com o Atleti não foi diferente. Ainda que a década tivesse começado com sucessos na Copa do Rei e na Recopa Europeia, a conta não fechava. O orçamento da construção, de 200 milhões de pesetas, esgarçava as finanças rojiblancas. Quem primeiro pagou o pato foi Joaquín Peiró. Ídolo da torcida colchonera e parte integral da seleção espanhola à época, foi negociado com o Torino. As 25 milhões de pesetas envolvidas no trespasse eram cruciais para a continuidade do clube.

“Me mandaram para a Itália. O Atlético tinha uma grande dívida, que precisava ser quitada, e precisei sair”, comentou Peiró, em entrevista ao AS, em 2006.

Apesar das tentativas de estancar a sangria, Barroso se desgastaria além do que podia suportar. O time, estrelado por jogadores como Enrique Collar, Adelardo Rodríguez e Jorge Griffa, correspondia em campo — assim como as finanças continuavam se deteriorando. Enfim, em janeiro de 1964, ele e os demais vices apresentariam suas respectivas cartas de demissão. Começava, quase por acaso, a primeira gestão de Calderón, que duraria 16 anos.

Foto: Archivo Marca/Arte: O Futebólogo

O Atlético estava no meio da tabela de La Liga; as obras do estádio, paralisadas desde setembro de 1961. No entanto, o novo mandatário não era um calouro no mundo dos negócios. Na altura, comandava mais de 30 empresas, a despeito de uma juventude modesta na Cantábria. Contudo, prevaleciam interrogações: a distância das conquistas se tornaria habitual ou aquilo só se tratava de um acidente de percurso?

Calderón participaria da venda do Metropolitano, recolocando as obras da nova casa em marcha. Na primeira temporada completa como presidente, ergueria a Copa del Generalísimo e terminaria La Liga com o vice. Em 1965-66, venceria seu primeiro Campeonato Espanhol. E, mais importante, em outubro, inauguraria o Estádio Manzanares. Não sem muita luta.

A conclusão das obras atrasaria muito e a imobiliária que adquirira o Metropolitano exigiria que o Atlético abandonasse o local até setembro de 1965. O clube ficaria desabrigado. Simultaneamente, a Câmara Municipal exigia a devolução do terreno de Manzanares, diante do descumprimento de cláusulas contratuais acordadas anteriormente. Seriam exigidas intermináveis negociações e pulso firme.

O Atlético consultaria o Real Madrid sobre as possibilidades de atuar na casa madridista até o término das obras do esperado lar. O rival concordaria, desde que seus sócios pudessem entrar gratuitamente no estádio, uma óbvia afronta. Calderón não cederia. Manteria o Atleti no Metropolitano por todo o tempo necessário. Ao final, zombaria dos merengues, já que na nova casa rojiblanca, muito mais moderna do que a madridista, todos os lugares possuíam cadeiras, e, dos 70 mil assentos totais, 30 mil eram cobertos. 

A ambição era evidente; o Atlético não pararia ali.

Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

Um Atlético argentino


Os progressos continuariam. Depois da Copa do Mundo de 1966, Calderón contrataria o treinador Otto Glória. O brasileiro fora um dos principais responsáveis pelo terceiro lugar de Portugal no Mundial. Acumulava passagens por gigantes, como Vasco da Gama, Olympique de Marseille e o trio de ferro lusitano — Benfica, Porto e Sporting. As conquistas escapariam, mas crucial seria a consolidação das aspirações da equipe.

Em 1969, o retorno do francês Marcel Domingo à casa vermelha e branca devolveria o clube ao primeiro lugar do pódio hispânico. O treinador estava habituado às vitórias. Como goleiro do Atleti, vencera La Liga duas vezes. O gaulês seria o primeiro de três a conquistar o Campeonato Espanhol como atleta e jogador colchonero, sucedido por Luis Aragonés e Diego Simeone. Curiosamente, Aragonés seria o melhor jogador do time no título de 1969-70 e um dos artilheiros do certame, ao lado de José Gárate e do madridista Amancio.

Aos poucos, o Atlético de Madrid ia se remodelando. Não apenas Aragonés e Gárate seriam contratações vitais, mas também José Armando Ufarte, Javier Irureta e Alberto. Adelardo ganharia experiência, passando a capitão da equipe. Também as categorias de base contemplariam o time principal com peças importantes, como Eusebio Bejarano e Ignacio Salcedo. O fim de ciclo de ídolos veteranos como Griffa e Collar não acabaria em traumas.

Foto: Atlético de Madrid/Arte: O Futebólogo

O time seria temperado pelas qualidades argentinas. Gárate puxara a fila, em 1969. Heraldo Bezerra, filho de pai asturiano, ex-jogador do Newell’s Old Boys, e que era, na verdade, brasileiro nato, viria a seguir. Sua chegada aconteceria em 1971. Os atacantes participariam do título espanhol de 1972-73, sob as ordens do austríaco Max Merkel, que não duraria muito.

Trocar de treinador em meio às celebrações nunca foi algo comum e essa história é um tanto quanto imprecisa nesse ponto. Merkel teria tido atritos com algum membro da direção rojiblanca. Mais importante do que isso era a existência de um nome que parecia ideal para assumir o time. Ex-jogador do próprio Atlético, o argentino Juan Carlos Lorenzo seria convocado a sacramentar a íntima relação entre o clube e o futebol portenho.

Comandante da seleção argentina nos Mundiais de 1962 e 66, com passagens por Roma e Lazio, liderara o San Lorenzo a um feito inédito. Sob suas ordens, os Cuervos conquistaram tanto o Metropolitano quanto o Nacional, em 1972. Além disso, suas preferências táticas se adequavam perfeitamente ao Atlético de Madrid, que atenderia aos pedidos do velho conhecido.

Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

O comandante acreditava numa abordagem mais pragmática do jogo, tendo no catenaccio um ponto de partida. “Durante a Copa instituiu, pela primeira vez, aquela que se tornaria a formação clássica argentina: o 4-3-1-2, essencialmente um meio de campo em forma de diamante, com Rattin na base [...] e Ermindo Onega com funções criativas na ponta do diamante”, narra Jonathan Wilson, em A Pirâmide Invertida. O esquema seria replicado no Atleti, com Aragonés estruturando o losango e Irureta atuando como enganche.

A tiracolo, inicialmente, Lorenzo levou a Madrid dois ex-comandados do San Lorenzo, o defensor Ramón Heredia e o atacante Rubén Ayala, que representariam a Albiceleste no Mundial de 1974. No meio da temporada, chegaria o lateral Rubén Panadero Díaz. Em La Liga, o Atleti não seria páreo para o Barcelona, após a incorporação de Johan Cruyff, ficando com o vice. Caminho similar, porém mais dramático, encontraria na Europa.

Valeu quase tudo


O início da corrida do Atlético pelo título da Copa dos Campeões não foi tranquilo. Em casa, o zero não deixou o placar, diante dos turcos do Galatasaray. O treinador inglês Brian Birch armara um ferrolho quase intransponível. Os catalães do Mundo Deportivo relatariam que o Gala jogou seu jogo, com competência e sorte. Na partida de volta, a história seria parecida. Em Istambul, a contenda se encaminharia à prorrogação. Somente no minuto 100, Salcedo resgataria os madrilenhos, após chuveirinho na área turca.

O segundo desafio, menos complicado, levaria os colchoneros a Bucareste. Em um dia gelado na capital romena, uma atuação completa e dominante permitiu aos espanhóis uma vantagem de 2 a 0, diante do Dinamo. 15 dias mais tarde, os romenos entrariam determinados nas dependências do Estádio Vicente Calderón — como rebatizado em 1972. Com dois minutos, abriram o placar. O empate viria aos 10, mas, aos 13, os visitantes já asseguraram nova vantagem. A tensão persistiria até a metade do segundo tempo, quando o beque José Luís Capón empatou a disputa: 2 a 2. Nada de vida fácil.

As adversidades iam aumentando. Nas quartas de finais, o Atleti teria que superar o Estrela Vermelha, abrilhantado pela presença de Dragan Džajić. Em Belgrado, diante de mais de dois mil espanhóis que viajaram à capital iugoslava, contragolpes fatais do conjunto madrilenho asseguraram uma vantagem de 2 a 0. Pragmaticamente, na volta, Lorenzo armou o time para suster o ímpeto eslavo, ciente dos efeitos devastadores de uma possível desconcentração, como a experimentada na fase anterior. Conseguiu: 0 a 0, ainda que os anfitriões tenham cobrado a marcação de uma penalidade em Gárate.


Depois de superar o Basel, os escoceses do Celtic, com Kenny Dalglish em seus quadros, aguardavam o Atlético de Madrid. Na altura, não se sabia, mas uma rivalidade seria erigida a partir dessa eliminatória. Em Glasgow, os times não foram vazados. Porém, viu-se mais violência do que qualquer outra coisa. Três atletas rojiblancos seriam expulsos da contenda, Ayala, Díaz e Quique, suspensos até o final da competição. O confronto ficaria conhecido como a Batalha de Glasgow.

“Quique e Panadero Díaz foram para a rua depois de duas entradas muito duras, porque não sabiam o que fazer para deter Jimmy Johnstone, um diabo com a bola, enquanto Ayala viu dois cartões amarelos, o segundo depois de um carrinho por trás. Eles nos acossaram durante todo o segundo tempo, não passamos do centro de campo. Foi agonizante, digno de um poema épico, da Ilíada de Homero”, contou Gárate, anos mais tarde, ao El País. “Os jogadores do Atlético eram assassinos, escória”, comentaria Billy McNeill, capitão do Celtic na oportunidade, ao Scottish Sun.

Seja como for, ninguém pareceu ter razão na ocasião. Com o apito final, uma briga generalizada, incluindo a polícia, serviria apenas como epítome do lamentável encontro. “Tiveram que nos escoltar e, uma vez no aeroporto, quando o funcionário viu a nacionalidade no meu passaporte, cuspiu e jogou no chão”, revelou Iselin Ovejero. Na volta, Gárate e Adelardo garantiram o acesso rojiblanco à decisão.



Chama apagada pelas virtudes alemãs


Ninguém sabia, mas o elenco do rival do Atlético, em questão de meses, teria sete campeões do mundo. Sepp Maier, Paul Breitner, Hans-Georg Schwarzenbeck, Franz Beckenbauer, Jupp Kapellmann, Uli Hoeneß e Gerd Müller eram parte integral do time do Bayern de Munique. Pela primeira vez, os bávaros chegavam à decisão da Copa dos Campeões da Europa, igualados com os madrilenhos no número de títulos continentais: uma Recopa.

A decisão, no Estádio de Heysel, em Bruxelas, estava marcada para o dia 15 de maio. A partir das 20 horas e 15 minutos, no horário local, o que se viu foi equilíbrio. Diferentemente do ocorrido anteriormente, a partida não teve incidentes violentos. Inicialmente, o Bayern tomou as rédeas da partida, oferecendo eventuais contra-ataques aos colchoneros. Porém, já na etapa final, o Atlético passou a dividir o protagonismo das ações, subindo suas linhas e diminuindo o campo do rival germânico.

Com Aragonés e Adelardo em grande forma, a partida se adiantou à prorrogação. O cansaço, então, sobressaiu-se, dando a entender que os adversários estavam confortáveis com uma igualdade sem gols. Até Aragonés converter uma falta sofrida por Bezerra, seis minutos antes do fim da partida. A partir dali, começara a contagem regressiva para o título do Atleti

No entanto, num último suspiro, faltando 40 segundos para o apito final, Schwarzenbeck abandonou a retaguarda, percorreu alguns metros e desferiu um petardo de longa distância, que entrou no canto direito do goleiro Miguel Reina.


Era o gol que assegurava a segunda partida e mantinha a final aberta. Ou parecia ser o caso. Na verdade, o replay, dois dias mais tarde, provaria que o tento do zagueiro alemão decretara o título do Bayern. Exaustos, os veteranos Aragonés (35) e Adelardo (34), que eram a alma e o coração da equipe espanhola, assistiram a partir de uma perspectiva privilegiada o show do time bávaro, muito mais jovem. Aos 22 anos, Hoeneß castigou os madrilenhos duas vezes, no que foi repetido por Müller, de 28: 4 a 0. Inapelável.

“O Bayern, reconheço porque é justo, jogou melhor, trabalhou melhor e se recuperou muito melhor do que nós, desde o outro dia. No entanto, saliento que o primeiro gol foi marcado em impedimento claríssimo e o terceiro também foi bastante duvidoso. Nossa equipe sentiu muito o esforço do primeiro jogo. Quero agradecer, daqui, o esforço que os jogadores e os torcedores espanhóis fizeram e o calor e fervor que tivemos aqui, continuamente”, falou Lorenzo, após a pesada derrota.


O treinador não permaneceria para a temporada seguinte, substituído pelo agora aposentado Aragonés, que seguiria no comando do clube até 1980. Apesar do peso da derrota, o Atleti ainda receberia um prêmio de consolação. Em má fase na Bundesliga e com a agenda cheia de compromissos, o Bayern desistiu de disputar o Mundial, contra o Independiente. A oportunidade tocou aos espanhóis.

Eram duas partidas. Na Argentina, já em março de 1975, Agustín Balbuena colocou o Rojo em vantagem, 1 a 0. No entanto, o resultado seria revertido no Vicente Calderón. Diante de mais de 65 mil espectadores, Irureta e Ayala, com um gol cada, garantiram o título aos representantes da Europa, em um jogo muito condicionado pela anulação do maior craque do time de Avellaneda, Ricardo Bochini.

“Este título significa muito para o clube, pois é o mais importante no cenário futebolístico. Vem compensar a tremenda decepção na final da Copa dos Campeões. Mas, mais do que para o clube, para os jogadores e para mim mesmo”, comentou Aragonés, pela primeira vez campeão como comandante. 

Aquela década ainda veria o Atlético de Madrid ser campeão mais algumas vezes, em solo espanhol. Porém, a deficiência da brilhante primeira gestão de Calderón, que consagrou ídolos eternos do clube, nunca foi suprida. A conquista do título mais importante do continente se recusa a chegar ao clube. O peso de um certo minuto segue presente.



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