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Calvino e Suas Institutas – Uma Leitura: Introdução


            Nunca se falou tanto sobre pensamento reformado, teologia reformada, Calvino e calvinismo como nos dias atuais. Por outro lado, quão poucos são aqueles que verdadeiramente leram e estudaram as obras do reformador genebrino. O aspecto negativo de um academicismo superficial é que uma maioria ao ler um único livro sobre um determinado assunto começa a pensar que já sabe e domina aquele tema. Raríssimos são aqueles que se debruçam sobre um autor e suas obras e só se satisfazem após ter lido toda a sua obra e pesquisado tudo que se relaciona com elas.

            No Brasil temos um academicismo bíblico teológico especialista em resumo, síntese, sinopse, compêndio, resenha e índice. Uma parcela ao menos se deu ao trabalho de ler uma obra do autor ou tema abordado, outra parcela nem isso. Uns poucos deste vasto universo eclesiástico academicista tupiniquim de fato percorreram todo o caminho do conhecimento oferecido pelo autor estudado e referido, assim como a integralidade de suas obras. 

            João Calvino e sua vasta biblioteca bíblico-teológica têm sido citados por um numero crescentes de acadêmicos e pretendentes a acadêmicos. Esse número crescente se autodenomina de calvinistas e/ou reformados, sem nunca terem lido ao menos as Institutas em sua integra, ou algum dos seus comentários bíblicos ou pelo menos uma das mais de cem biografias a respeito deste personagem cuja personalidade e legado extrapolam os séculos e continuam ainda hoje impactando a história eclesiástica e teológica.

            Minha diminuta contribuição com esta série de artigos iniciada é de oferecer a oportunidade para que os meros mortais, entre os quais me incluo, possam ter contato direto com a obra teológica que se constituiu na menina dos olhos de João Calvino. A elaboração e reelaboração deste trabalho pastoral teológico ocuparam todos os anos ativos deste reformador de origem francesa, mas que se tornou genebrino por opção e que tinha como objetivo fundamentar o estudo e pregação dos textos bíblicos em base sólida fugindo dos desvarios especulativos, que contagiavam e continuam contagiando a genuína teologia bíblica[1].

            Para se alcançar um mínimo de conhecimento das Institutas é preciso estudar os comentários bíblicos e para se adquirir uma compreensão teológica dos comentários é preciso estudar as Institutas. Para Calvino as Institutas e os comentários são as duas faces de uma mesma e única moeda – o genuíno conhecimento bíblico-teológico.

            Minha proposta é a de percorrermos juntos, sem pressa, a estrada teológica proposta por João Calvino em suas Institutas da Religião Cristã. Em suas próprias palavras as Institutas contém a síntese do conhecimento mínimo que todo cristão, não apenas o eclesiástico e acadêmico, precisa adquirir para que possa viver em perfeita sintonia com todo o conhecimento de Deus revelado em toda a Escritura.

A única condição para o progresso espiritual é que permaneçamos sinceros e humildes.

João Calvino

As Dedicatórias

            Calvino tinha muito claro seus objetivos em relação às suas Institutas Cristãs,[2]de maneira que a escolha a quem dedica-las, uma praxe utilizada desde tempos passados, como por exemplo, o evangelista Lucas que dedica sua obra evangélica e histórica (Atos) ao excelentíssimo Teófilo, tem sua razão e propósito peculiar.

            É preciso lembrar que Calvino vive e escreve suas obras ainda no epicentro do processo da Reforma Protestante. A autoridade maior neste momento na França é justamente o rei Francisco I (1494 – 1547). No período de seu reinado (1515-1547) ele vivenciou duas das maiores mudanças cultural da História a expansão do Humanismo e do movimento da Reforma Protestante. Inicialmente tolerante, o rei Francisco I posteriormente mostrou-se hostil contra os reformados, que na França passaram a ser conhecidos por huguenotes.

            Seu prefácio dirigido especificamente ao monarca francês era na verdade uma carta (Prefatory Address) que foi incluída a partir da edição 1536, bem como em todas as demais que se sucederam tanto em latim quanto em francês, mas Calvino teve o cuidado de manter a data original no final do texto: "Na Basileia, em 1º de agosto do ano de 1536".

            O jovem reformador francês-genebrino pretende esclarecer o monarca sobre os falsos rumores que degradavam aqueles que defendiam os princípios propostos pelos reformadores. Era possível que o jovem teólogo nutria alguma esperança de que o rei pudesse corrigir sua ótica em relação ao movimento de Reforma, todavia os fatos posteriores deixaram claro que tais esperanças não se concretizaram.

            Calvino produz um texto onde se pode ver o equilíbrio entre a firmeza e convicção teológica e a reverência pela autoridade real. Ele apela para o senso de justiça na expectativa de que à luz dos fatos e argumentos alinhavados na correspondência o rei pudesse corrigir sua ótica e percepção de que os reformadores não se constituíam em perigo ou ameaça nem para o rei e muito menos para a França. Entretanto, estavam sendo tratados como bandidos: “alguns de nós são algemados com ferros, espancados com varas, alguns levados como motivo de chacota, alguns proscritos, outros mais brutalmente torturados, alguns forçados a fugir. Todos nós somos oprimidos pela pobreza, amaldiçoados com terríveis execrações, feridos por calúnias e tratados das formas mais vergonhosas[3].

Calvino contrapõe afirmando que os reformadores desejavam o bem estar do monarca e do povo, o que eles almejavam e buscavam de fato era a liberdade para vivenciarem as verdades cristãs como de fato estavam estabelecidas nas Escrituras; sem as deformações produzidas através dos séculos por um catolicismo romano corroído em suas entranhas pela corrupção politico-eclesiástico e a depravação moral de suas autoridades maiores, bem como os erros teológico-exegéticos crassos facilmente identificados e confrontados.

Outro ponto fundamental nesta carta que Calvino deixa claro ao rei é que o ensino teológico produzido por ele e outros reformadores não era algo novo, mas a recuperação da pura teologia bíblica apostólica e patrística. O que não significava endossar todos os pontos e vírgulas da teologia dos chamados Pais da Igreja, mas manter as balizas das doutrinas bíblicas por eles expostas ao longo dos séculos. Para Calvino, a exposição das Escrituras é em si mesmo um apelo a uma rica herança recebida! Ele deixa claro ao rei que a reforma da Igreja tinha como objetivo restaura-la e não deforma-la.

O jovem reformador francês-genebrino deixa claro ao monarca francês de que os protestantes davam abundantes e continuas provas de serem cidadãos leais, oravam regularmente pelo rei, demonstravam coragem e fortaleza como cidadãos e soldados. Mas não podiam abrir mão da verdade e do combate a toda sorte de vícios nefastos que corroíam o tecido social não somente da França, mas das nações.

Concluindo sua carta dedicatória Calvino apela com tom pastoral, de um coração e alma que sofre ao contemplar as atrocidades que estão sendo infligidas aos seus irmãos reformados franceses: "poderemos recuperar seu favor, se em um estado de espírito calmo e composto você ler uma vez esta nossa confissão, que pretendemos em vez de uma defesa perante Vossa Majestade".

Os fatos demonstram que se o rei Francisco I leu esse prefácio e a própria Institutas, pouco alterou sua postura diante do movimento reformado e na formulação de leis que dessem qualquer segurança aos huguenotes (reformados) franceses. Mas como tão bem sintetizou J. I. Packer, aqueles de nós, que se dispor a ler este prefácio e a preciosa obra teológica de Calvino haverão de descobrir uma mina que: "continua se abrindo como um verdadeiro tesouro de sabedoria bíblica sobre todos os principais temas da fé cristã". (PACKER, Prefácio, 2008, p. xiii).

Nota: Por causa de sua extensão disponibilizo a integra deste Prefácio (Carta) em artigo especifico conforme indicado abaixo nos artigos relacionados.

Utilização desde que citando a fonte

Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/

Referências Bibliográficas

CALVIN, Jean. As Institutas da Religião Cristã, edição clássica, em quatro volumes, tradução de Waldyr Carvalho Luz, com base na edição de 1559 em latim. São Paulo: Editora Cultura Cristã, Primeira Edição, 1984.

___________. As Institutas ou Instituição da Religião Cristã (da edição original francesa de 1541). Tradução e leitura de provas Odayr Olivetti; revisão e notas de estudo e pesquisa Herminsen Maia Pereira da Costa. 1ª edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.

___________. As Institutas ou Instituição da Religião Cristã, em dois volumes, tradução de Carlos Eduardo de Oliveira [vol 1], Omayr J. de Moraes Jr. e Elaine C. Sartorelli [vol 2], com base na edição de 1559 em latim. São Paulo: Editora da UNESP, 2008 [vol 1] e 2009 [vol 2].

CALVINO, João. O Livro dos Salmos.Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1.

D'AUBIGNÉ, J. H. Merle. The Reformation in Europe in the time of Calvin. Vol. VIII. Translated William L. R. Cates. New York: Robert Carter and Brothers, 1879.

FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia. Campinas, SP: Edição de Luz Para o Caminho, 1985.

HALL, David W. e LILLBACK, Peter A. (Eds.). A Theological Guide to Calvin's Institutes – essays and analysis. Phillipsburg, New Jersey, P & R Publishing, 2008. [PACKER, J. I, Prefácio, p. xiii].

WILEMAN, Willian. John Calvin: his life, his teaching, and his influence. London: Robert Banks and Son.

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[1] Calvino publicou pela primeira vez suas Institutas em 1536. Esta primeira edição era bastante curta - nada comparada com os dois ou até quatro volumes, dependendo da edição e do idioma traduzido, que temos hoje. Ele continuou a fazer revisões e ampliações deste trabalho durante todo o resto de sua vida, que foram editadas em latim e francês. As edições em latim são as seguintes: 1536, 1539, 1543, 1550, 1559, poucos anos antes de seu falecimento. Esta última edição tem sido o texto base das melhores traduções para a língua inglesa e portuguesa.

[2] Embora “Instituição” traduza melhor o título, a obra tornou-se conhecida como Institutas. No século XVI, a palavra latina institutio [institutas] significava “educar”, “instruir”, “treinar”, expressando literalmente “instrução” e summam seria “sumário” ou “resumo”, ou seja, uma instrução resumida da fé cristã. Seu título original era: Institutas da Religião Cristã, envolvendo a soma de toda a piedade e tudo o mais que se deve saber sobre a doutrina da salvação: um livro digno de ser lido por todos os que zelam pela piedade (Christianae Religionis Institutio, totam fere pietatis summam, et quidquid est in doctrina salutis cognitu necessarium complectens; omnibus pietatis studiosis lectu dignissimum opus, ac recens editum).

[3] No prefácio do seu Comentário do Livro de Salmos, publicado em 1557, Calvino expõe essas atrocidades contra os huguenotes (reformados) em sua amada França e conclui com estas palavras: “se eu não me opusesse vigorosamente, quanto me fosse possível, eu não poderia desculpar-me, se fosse julgado frouxo e desleal.” (1999, Vol. 1, p. 39). Além de sua atuação pastoral, sua formação acadêmica em Direito o constrangia assumir a defesa daqueles cujo direito estavam sendo usurpados e condenados com argumentos falaciosos sendo acusados de crimes que poderiam levar a condenação e à morte.



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