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Nicolau Durand de Villegaignon: Um Frances Católico Proporciona a Primeira Experiência Protestante no Brasil (Parte 1)



O Brasil foi oficialmente inserido na rota comercial ultramarina e transformado em celeiro da Europa com a chegada dos portugueses em 1500, portanto, no mesmo período em que a Europa experimentava a maior e mais ampla Reforma Religiosa ocidental, conhecida também por Reforma Protestante, iniciada na Alemanha pelo monge Martinho Lutero (1483-1546) e rapidamente fomentada em diversos países entre os quais a Suíça, onde seu reformador João Calvino (1509-1564) tornar-se-á  relevante para o Brasil, pois será através da Igreja Reformada Suíça que o país terá seu primeiro contado com essa nova forma religiosa cristã.
Todavia, a presença desse primeiro grupo genebrino de confissão de fé reformada, também conhecidos por huguenotes na França e calvinistas no restante do mundo em decorrência do centro teológico desenvolvido por João Calvino em Genebra, não se derivou de um projeto missionário elaborado e organizado, mas fruto de uma solicitação pessoal do francês Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571), que havia se estabelecido no território brasileiro com a finalidade de colonizar e explorar seus recursos econômicos oficialmente, pois os corsários[1] franceses a muitas décadas já o faziam com amplo conhecimento das autoridades francesas que os incentivavam e até apoiavam e da coroa portuguesa que os combatiam a todo custo.[2]
Uma das figuras mais controversas da iniciante história do Brasil e da primeira tentativa de se estabelecer um núcleo protestante no país, Villegaignon foi vilanizado pelos calvinistas através de dois registros: Jean de Léry[3] em seu livro de registro ocular dos fatos “Viagem à Terra do Brasil”,[4] que se tornou best-seller na França com inúmeras reedições e o livro “História dos Mártires”[5] de autoria de Jean Crespin.[6] Uma crônica ocular deste momento, mais favorável a Villegagnon, foi produzida André Thévet (1504-1592)[7] “Les singularités de la France Antartique”,[8]que o acompanhara ao Brasil, mas por motivos de enfermidade permaneceu apenas três meses (10 de novembro de 1555 a 31 de janeiro de 1556). Mais recentemente (1991) um historiador francês, Leonce Peillard, elaborou uma biografia “Villegagnon, Vice-amiral de Bretagne et Vice-roi du Brásil”[9] onde com base em pesquisas recentes oferece uma defesa de Villegagnon diante de mais de quatro séculos de acusação feita pelos calvinistas. 
Informações Biográficas de Villegaignon
Nascido na França em 1510, nas proximidades de Paris, em uma grande casa austera e imponente, localizado na 18 rue Saint-Thibaud em Provins,[10] hoje conhecida pelos famosos queijos Brie. Descendente da pequena nobreza[11] francesa teve oportunidade de estudar nas universidades em Paris e Orleans.[12] Durante este período conviverá academicamente com Jean Calvin (João Calvino); apesar das divergências polemistas protestantes, os dois jovens se dão bem, o pode ser visto em suas correspondências e que lhe possibilitara solicitar ajuda quando de sua futura e previa estadia no Brasil.
De acordo com Lucien Provencal ele foi descrito como sendo robusto, bem afeiçoado, hábil em todos os exercícios, somando-se a uma mente perspicaz, uma inteligência aguçada, resultante de seu cultivo das letras.
Em 1531 e apesar de não ter os dois quartos de nobreza exigida, mas sob a proteção de Philippe Villiers de l'Isle Adam, do qual não tinha nenhum parentesco consanguíneo,  consegue entrar na Ordem de Malta (Ordem de São João de Jerusalém) recém instala,[13] uma das ordens cristãs mais rigorosas, tendo como atividade inicial a função de correio diplomático do rei Francisco I. Combateu na Itália e fez parte da esquadra do imperador Carlos V quando de seu ataque a Argel (1541).[14] Devido a uma grande tempestade a frota imperial de dispersou, proporcionando aos sarracenos contra-atacar de maneira que a batalha foi intensa e Villegaignon com seus companheiros de Malta se sobressaiu, não sem um grave ferimento no braço esquerdo feito por uma lança. O legado do Papa Paulo III, presente, sublinha a bravura de Villegagnon:
um cavaleiro francês chamado Durand de Villegagnon jogando com impetuosidade entre os infiéis, foi ferido no braço esquerda com uma lança empurrada por um cavaleiro mouro, mas este piloto tendo perdido seu tiro de espadas, como o mouro estava girando seu cavalo para dar-lhe um segundo tiro, o cavaleiro que estava alto e de uma força proporcional à sua grandeza, esfaqueou-o e jogou no chão.[15]
Esse ato de bravura lhe proporcionou a boa vontade do Imperador que a tudo havia presenciado, chegando até mesmo ao Papa seus feitos. Em seu retorna à França (1942), após a batalha, foi recebido pelo rei Francisco I com duas das mais cobiçadas honrarias, reservadas à nobreza, lhe é concedido o privilégio de fazer parte do cortejo real e retornar a cavalo ao som do tamborete.
Mas sua participação e liderança no rapto da menina rainha Maria Stuart da Escócia, então com apenas com cinco anos, escondida no Castelo de Dunberton, que o rei francês Henrique II desejava casar com seu filho mais jovem, posteriormente Francisco II, lhe trouxe grande prestigio diante da realeza francesa.[16] Para os ingleses, Henrique VIII, envolto então em um processo próprio de reforma religiosa, sob a influência dos calvinistas, foi um duro golpe em suas pretensões políticas, pois almejavam incorporarem a Escócia, então católica, aos seus domínios. Como bem interpretou Mariz (2008): “Se Villegaignon tivesse fracassado e a menina capturada pelos ingleses, a história da Europa no século XVI poderia ter sido bem diferente”.
Outro feito notável de Villegaignon foi sua defesa da sede de sua Ordem de Malta, da invasão turca.[17] Em grande desvantagem numérica soube fortificar as defesas da ilha e impedir que os inimigos a tomassem. Tal proeza lhe proporcionou o título de Vice-almirante da Bretanha,[18] concedido por Henrique II.
Foi colocado como responsável em fortalecer o porto de Brest contra os corsários ingleses e espanhóis. Aqui toma conhecimento, através dos relatos dos marinheiros, da rica via comercial estabelecida no Brasil e encontra-se com André Thevet[19] e Guilherme Le Testu[20] que haviam retornado de uma viagem ao Brasil (1552)[21] e confirmaram as enormes possibilidades financeiras dessa rota comercial. Entusiasmado empreende pessoalmente uma viagem ao Brasil, com anuência de Henrique II, aportando em Cabo Frio (1554), escala preferencial dos navios franceses, pois haviam estabelecido amizade com os índios Tamoios (Tupinambás), que combatiam os portugueses.[22]Apesar desta expedição não ter chegado à Baia da Guanabara,[23] mas fundamentado nas informações anteriores de André Thevet, que ali estivera em duas ocasiões, elabora um arrojado projeto de implantar naquela região uma base naval e militar.[24] Ao retornar consegue atrair o apoio e incentivo do Almirante Gaspar de Chatillon, o conde de Coligny,[25] influente ministro do rei que via assim a possibilidade de consolidar os domínios franceses ultramarinos e também resolver o problema religioso que dilacerava a França, entre católicos e protestante (huguenotes[26]). Assim, consegue autorização do rei Henrique II para uma missão “secreta”[27] e com este apoio extraoficial consegue junto aos armadores e cortesãos dois navios armados, e recursos financeiros para a empreitada 10.000 francos.
Recrutamento de voluntários é muito difícil; enquanto o cavaleiro de Malta procura atrair religiosos e trabalhadores, vai ter de se contentar com a população carcerária. A tripulação é formada com um total de 590 homens dos quais apenas 20 de confissão de fé protestante e sendo alguns anabatistas que haverão de criar sérios problemas para o Almirante Villegaignon; há também uma guarda pessoal compostas por soldados escoceses e apenas uma única mulher, casada com um interprete da língua indígena, mas que será canibalizado posteriormente pelos próprios índios.
Estes tripulantes irão viajar em dois navios de 200 toneladas e uma nave-mãe de 100 toneladas, sem qualquer tipo de comodidade. Assistido por seu sobrinho Bois le Comte, Villegaignon, depois de uma tentativa em Brest, em 12 de julho de 1555, impedidos por forte tempestade que lhe dará baixa de alguns tripulantes, "mare vidit, mare fugit", disse ele, conseguiu finalmente partir de Dieppe em 14 de agosto de 1955. A travessia é marcada por uma troca de tiros de canhão com os Espanhóis das Ilhas Canárias, por lhes recusar abastecimento de água.
Finalmente os navios aportam na Baia da Guanabara em 10 de novembro de 1555, com sua tripulação heterogênea, para empreender seu projeto militar-econômico sem quaisquer características de cunho religioso-missionário. Seu contato com os indígenas da região foi pacifico, visto que a muito os franceses[28] se abasteciam dos produtos naturais brasileiro: pau-brasil, acaju, animais silvestres (papagaios, araras e micos), bem como pimenta. Sua amizade com Cunhambebe, chefe indígena, possibilitou uma convivência pacifica e o animou até mesmo aprender a língua tupi, do qual elaborou um pequeno dicionário tupi-francês em conjunto com André Thevet.
Imediatamente à sua chegada Villegaignon inicia a construção do forte Coligny[29] no alto de uma ilha, hoje identificada por esse nome. Defronte da ilha, na praia do Flamengo, iniciou a construção da primeira vila (1556), que homenageando o rei patrono Henrique II, recebe o nome de Henriville.[30] Corria ao lado o rio Carioca, que abastecia tanto o forte Coligny quanto as centenas de habitantes da vila Henriville, composta dos franceses e indígenas, nesse pequeno mosaico que foi denominada França Antártica.[31] Os franceses permaneceram na Guanabara por mais de dez anos (1555-1567).
Apesar de um início muito promissor, não tardou que os problemas começassem a avolumar.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
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CRESPIN, Jean. História dos Mártires.
GAFFAREL, Paul. Histoire du Brésil Français au XVIéme siécle; Paris, 1878, apud HATON, Claude Mémoires, pág, 36.
JOHNSTON, Thomas P. The Evangelistic Zeal of Calvin’s Geneva as Exemplified in Crespin’s Martyrology. EUA: Midwestern Baptist Theological Seminary, 2007. Disponível em:
http://www.evangelismunlimited.com/documents/Crespin.pdf. Acesso em: 25/06/2017.
KIDDER, Daniel P. e FLETCHER, James C. Brasil e os brasileiros (esboço histórico e descritivo). São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1941.
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MARIZ, Vasco. Villegaignon e França Antártica. Revista IHGB, Rio de Janeiro, a.170 (444): 25-37, jul./set. 2009. Disponível em: https://drive.google.com/open?id=0BydR8nHYLc_KX0tBSlFxZTJzQzg. Acesso em: 23/06/2017.

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SOUTHEY, Robert. História do Brasil, 3ª ed. Tradução de Luiz Joaquim de Oliveira e Castro. São Paulo: Obelisco, 1965. [seis volumes].
THÉVET, André. Les singularités de la France Antartique.



[1] A pirataria sempre existiu, todavia, a partir do século XVI surge a figura dos corsários ou piratas modernos, em decorrência da exploração do Novo Mundo ou América. Havia uma tênue distinção entre corsário e pirata: enquanto o primeiro carregava consigo documentos legais emitidos por órgãos governamentais e/ou reais, o segundo realizava as mesmas atividades sem respaldo documental. No caso de Villegagnon ele vinha munidos de documentos emitidos pelo governo francês.


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