Get Even More Visitors To Your Blog, Upgrade To A Business Listing >>

“Roma locuta est; causa finita est” (“Roma falou, a causa acabou”). Ou não...


São várias as citações patrísticas adulteradas ou tiradas do contexto pelos papistas, mas nenhuma se compara a Roma locuta est; causa finita est, repetida à exaustão por todos os que nunca leram o sermão em questão de Agostinho e muito menos estudaram o contexto da tal citação (que sequer chega a ser uma citação, mas uma paráfrase em cima da citação!). Vergonhosamente arrancada de seu contexto original, Roma locuta est; causa finita est é usada há tempos para fundamentar o que Agostinho jamais defendeu: a infalibilidade do bispo romano, ou a pretensa “autoridade final” do mesmo.

Antes de ler este artigo, recomendo ao caro leitor a leitura de um artigo do "Conhecereis a Verdade" sobre o mesmo tema, escrito em 2012, disponível clicando aqui. Ele explica melhor e de forma mais detida o contexto tanto da citação em si como também do contexto histórico em que ela se inseria. Confiram também a caixa de comentários do mesmo artigo, onde ele refuta o palhaço católico conhecido como astronauta, que fez um texto ridículo e miserável sobre o tema onde se enrola todo para no final admitir que se trata mesmo de paráfrase e adulterar descaradamente o que dois historiadores protestantes disseram sobre a questão, sem refutar nada do artigo do Hugo.

Para não ficar apenas repetindo aqui o que já foi dito pelo Hugo no artigo dele, recomendo a leitura do artigo dele antes de continuar a leitura do meu. Tendo feito isso, vejamos novamente o que Agostinho realmente disse:

"Já sobre esta causa dois concílios foram enviados à Sé Apostólica, donde também rescritos chegaram. A causa está terminada. Que o erro possa igualmente terminar”

Onde está o Roma locuta est; causa finita est? Em lugar nenhum, apenas se parafrasearmos o texto, como os apologistas católicos fazem. Mas da mesma forma que alguém pode fazer uma paráfrase com “Roma falou, a causa acabou”, também poderia parafrasear dizendo que “dois concílios falaram, e a causa acabou”. É por isso que paráfrase, especialmente quando feita por sujeitos desonestos e sem caráter, é quase sempre uma interpretação tendenciosa e manipuladora daquilo que foi dito por outro. O contexto some, e o “apologista” se sente livre e à vontade para arrancar as palavras que quiser dentre o todo para fazer a lambança necessária.

Isso me lembra muito o texto vergonhosamente adulterado pelo Fakenando Nascimento, onde Cipriano supostamente dizia que “Roma é a matriz e o trono da Igreja Católica”. A referência indicada é da “Epístola 48” de Cipriano, que não diz isso em lugar nenhum (veja aqui). Mesmo o malandro dizendo que arrancou essa citação do “Hartel” e não do “New Advent”, ela ainda permanece inexistente, visto que não aparece em nenhuma das cartas de Cipriano, independentemente da numeração (veja aqui). A citação mais perto disso e que é geralmente fornecida por outros apologistas católicos vem da Epístola 44 de Cipriano, que diz isso aqui:

"Porque nós, que fornecemos todas as pessoas que navegam daqui com um plano para que possam navegar sem qualquer ofensa, sabemos que os exortamos a reconhecer e manter a raiz e matriz da Igreja Católica”

Como vemos, o texto só tem dois probleminhas:

Não fala de "Roma" em lugar nenhum.

Não fala de "trono" em lugar nenhum.

Ou seja: os apologistas católicos inventam uma paráfrase onde Roma é o trono da Igreja Católica, quando na citação original não tem nem Roma e nem trono...

Voltando ao texto de Agostinho em questão, e o analisando perante o devido contexto, o que ele basicamente estava dizendo era que:

• Dois concílios (africanos) haviam sido realizados para tratar a questão (do pelagianismo).

• Esses dois concílios decidiram contra o pelagianismo.

• Os bispos daqueles concílios também enviaram mensagem ao bispo de Roma, inquirindo-o a respeito do pelagianismo.

• O bispo de Roma também ficou contra o pelagianismo.

• Então, a questão foi encerrada.

Note que a questão não foi encerrada simplesmente porque o bispo de Roma disse, mas porque dois concílios e também o bispo de Roma se opuseram ao pelagianismo. Portanto, usar este texto como prova da infalibilidade do bispo romano é tão de má-fé quanto usá-lo como prova da infalibilidade dos concílios africanos locais. Além disso, se a palavra do bispo romano fosse considerada autoridade final e normativa em si mesma, por que raios os bispos africanos teriam todo o trabalho de se reunir em dois concílios para tratar exaustivamente a questão? Bastaria apenas enviar uma carta ao bispo de Roma e pronto – todas as discussões teológicas acabavam em um passe de mágica. Contudo, qualquer um que não seja um completo abestalhado e total ignorante de história patrística sabe que as coisas não funcionavam assim.

Mas, afinal de contas, por que os concílios africanos enviaram a mensagem a Roma? Segundo os pobres apologistas católicos, é porque o bispo romano era um tipo de ser supremo cuja palavra não poderia ser contradita nem a pau, uma espécie de entidade mágica com todas as respostas infalíveis em sua cartola. Todavia, basta um exame simples no contexto histórico para vermos que não há nada mais longe da verdade. O historiador Abbe Guettee, no trecho citado no artigo do Hugo, mostra-nos o porquê que os bispos africanos enviaram carta a Roma, e como isso não tinha absolutamente nada a ver com uma “autoridade final” ou “infalibilidade papal”:

“Os bispos africanos condenaram os erros de Pelágio em dois concílios, sem pensar em Roma ou na sua doutrina. Os pelagianos então expuseram, para opor-se a eles, a alegada fé de Roma, a qual diziam harmonizava-se com a sua. Em seguida, os bispos africanos escreveram a Inocêncio, a perguntar-lhe se a afirmação dos pelagianos era verdadeira. Eles foram levados a isso porque os pelagianos tinham grande influência em Roma. Eles não escreveram ao papa para lhe pedir uma sentença que devesse guiá-los, mas para que pudessem silenciar aqueles que afirmavam que a heresia era mantida em Roma. Inocêncio condenou-a e, portanto, Agostinho diz: ‘Tu fingiste que Roma estava contigo; Roma te condena, tu também foste condenado por todas as outras igrejas, por isso o caso está terminado’. Em vez de pedir uma decisão de Roma, os bispos africanos apontaram ao papa o percurso que ele devia seguir nesta questão”[1]

Em outras palavras, a razão pela qual os bispos africanos mandaram mensagem ao papa Inocêncio não era por pensar que ele fosse investido de uma autoridade máxima intocável e que por isso pedir a opinião dele era imprescindível, mas porque os pelagianos estavam falsamente dizendo que o bispo de Roma era partidário deles, e então os bispos africanos quiseram saber se essa alegação procedia ou não. Essa é a razão pela qual o bispo romano foi notificado, o qual então confirmou que não tinha nenhuma ligação com o pelagianismo e que, portanto, não havia mais nada a se discutir, já que ninguém estava a favor dessa heresia. É incrível e impressionante a capacidade que os apologistas católicos têm de arrancar grosseiramente um texto patrístico de seu contexto, igual eles fazem com a Bíblia. Ou é muita desonestidade, ou é muita burrice.

Para piorar ainda mais a situação dos apologistas católicos, depois de tudo isso ter acontecido e de Agostinho ter dado a questão por encerrada após as decisões dos concílios africanos que condenavam o pelagianismo e a confirmação do bispo romano de que não tinha nada a ver com a heresia, surgiu um novo bispo romano, chamado Zósimo, o qual por sua vez apoiou o pelagianismo(!), contrariando seu antecessor Inocêncio (ao qual os concílios africanos haviam escrito) e exigindo dos bispos africanos a revogação do que eles haviam decidido em seus concílios. Sobre isso, Hugo escreve:

            «O novo bispo de Roma Zósimo desdiz o seu predecessor, põe-se do lado dos pelagianos e incentiva os africanos, com a autoridade da sé apostólica, a retirarem a condenação aos pelagianos. Que fizeram os bispos africanos, com Agostinho incluído? Proclamaram Roma locuta est; causa finita est? Não. Convocaram um concílio em finais de 417 e decidiram manter a sua posição de condenação dos pelagianos, fizeram saber a Zósimo que meteu a pata na poça, e rejeitaram a sua autoridade e as suas conclusões. Como a questão não acabou aqui, em 418 voltou-se a reunir outro concílio em Cartago. O cálculo dos assistentes foi de 212 prelados, não só da África mas de todo o Ocidente. Resolveram apelar ao imperador e informá-lo do mau exemplo que dava o bispo romano apoiando os hereges Celéstio e Pelágio. O imperador Honório decreta a expulsão de Roma mediante desterro dos que eram a cabeça dos pelagianos.
            E neste momento o que acontece? Zósimo, temendo o imperador, mudou o seu parecer e se retratou. De modo que, quando é que Zósimo foi infalível. Antes, ou depois? Condenou Pelágio e Celéstio mediante um documento chamado Tractoria que teve a desfaçatez de enviar a todos os bispos para que o assinassem. Só que 19 bispos italianos se opuseram e apelaram a um concílio ecumênico. Pelo visto, até na Itália, todo o episcopado ignorava que o papa fosse um pastor e mestre supremo, cuja autoridade era final e inapelável. Assim que, quem afirma que Agostinho sustentava o axioma “Roma (César) locuta, causa finita” no sentido do direito romano, a verdadeira origem desta expressão, aplicado ao bispo romano é um ignorante ou simplesmente tem uma fé muito cega»[2]

O papa Zózimo falou (em favor dos pelagianos), e a causa não foi encerrada de jeito nenhum. Ao contrário: os bispos africanos e o próprio imperador ficaram contra o papa “infalível”, que ficou tão pressionado que teve que mudar de opinião, e mesmo assim não convenceu nem a totalidade dos bispos da própria Itália! Só isso já deveria ser o bastante para calar qualquer pretensão de papista desonesto que tenta perverter ridiculamente o suposto Roma locuta est; causa finita est, de Agostinho.

Mas para acabar de uma vez por todas com qualquer nova tentativa de perversão das palavras do bispo de Hipona, irei demonstrar na segunda parte deste artigo alguns rápidos exemplos de que quando Roma falava, a causa não se encerrava. Comecemos com o papa herege, Honório I (625-638), que adotou a heresia monotelista e por isso foi condenado e anatemizado pelo Terceiro Concílio de Constantinopla (680), que se manifestou dizendo:

“Anatemizamos o herege Sérgio, o herege Ciro e o herege Honório... O autor de todo o mal encontrou um instrumento próprio para a sua vontade em Honório, o antigo papa de Roma”[3]

Para ler mais sobre este papa herege, clique aqui.

Outro caso interessante envolve o arianismo, que foi condenado por um sínodo de bispos convocados pelo bispo romano Silvestre I (314-335). Apesar de Roma haver condenado o arianismo neste concílio, mesmo assim não foi o bastante, e por isso cinco anos mais tarde o imperador Constantino convocaria o famoso concílio ecumênico de Niceia (325) para tratar a questão e condenar os arianos por heresia. Como está óbvio, Roma falou, mas a causa não foi encerrada. Ao contrário: a decisão do papa não foi considerada final e nem deu fim à questão, tendo que outros concílios locais se reunirem por si (como o sínodo de Alexandria, em 321) e um concílio universal ser convocado por um imperador.

O segundo concílio ecumênico (381) é outro caso interessante, visto que ele foi presidido por Melécio, bispo de Antioquia, o qual havia sido excomungado pelo bispo de Roma[4][5]. Mais uma vez, Roma falou, mas não adiantou nada. Melécio presidiu assim mesmo.

O Concílio de Éfeso (431), que condenou Nestório, não considerou a palavra do papa como autoridade final, visto que Nestório já havia sido condenado pelo papa Celestino I (422-432) antes disso[6]. Roma falou, e a causa não foi encerrada, porque mesmo assim ainda tiveram que se reunir em um concílio ecumênico para decidir finalmente a questão, se Nestório era ou não era um herege. A autoridade do papa, mais uma vez, não foi tida como autoridade final e muito menos infalível[7].

Para piorar ainda mais a situação, o Concílio de Calcedônia (451) foi convocado contra a vontade do papa Leão (440-461), e se reuniu assim mesmo[8]. Mais uma vez, Roma falou... e não adiantou nada.

O Segundo Concílio de Constantinopla (553), por sua vez, condenou os “Três Capítulos” escritos pelos bispos Teodoro, Teodoreto e Ibas. Ocorre que, antes disso, o papa Vigílio (537-555) já havia se oposto à condenação dos Três Capítulos. Ou seja: Roma falou, e ninguém quis saber. Mesmo contra a vontade do papa, o concílio ecumênico condenou os Três Capítulos, e ainda ameaçou excomungar e remover o papa do cargo, o qual se viu obrigado a mudar de ideia e rever suas opiniões[9]. Que grande “infalibilidade” e “autoridade final” possuía o bispo de Roma!

O Concílio de Frankfurt (794), que contava com dois legados papais (Teofilato e Estêvão) repudiou os termos do Segundo Concílio de Niceia (787), embora este concílio tivesse sido aceite pelo papa. Novamente, Roma falou, e ficou falando sozinha. Ninguém quis saber.

Para não me alongar muito com outras centenas de exemplos que mostram que o bispo romano não era visto como autoridade final, cito apenas mais um: o Sétimo Concílio de Cartago (255), presidido por Cipriano. Apesar da forte oposição do papa Estêvão I (254-257), o qual era contra o rebatismo, o concílio em questão determinou o rebatismo dos hereges, por considerar o batismo dos mesmos inválido. Além de se opor à decisão do bispo de Roma, o concílio em questão ainda proclamou:

“Pois nenhum de nós coloca-se como um bispo de bispos, nem por terror tirânico alguém força seu colega à obediência obrigatória; visto que cada bispo, de acordo com a permissão de sua liberdade e poder, tem seu próprio direito de julgamento, e não pode ser julgado por outro mais do que ele mesmo pode julgar um outro. Mas esperemos todos o julgamento de nosso Senhor Jesus Cristo, que é o único que tem o poder de nos designar no governo de Sua Igreja, e de nos julgar em nossa conduta nela”[10]

Claro que era uma indireta ao tirânico bispo de Roma, que se opunha às decisões do concílio e foi rechaçado categoricamente. Roma falou, e a causa não acabou. Os bispos africanos se reuniram à parte e não quiseram nem saber da posição teológica do papa.

Há muitos outros exemplos na história antiga que podem ser dados, mas, francamente, chega. O que já foi exposto já serve a qualquer sujeito que não seja demasiado rasteiro e desonesto ao ponto de querer continuar pervertendo criminosamente as palavras de Agostinho, a fim de dar ares de “autoridade final” a um bispo que jamais a possuiu. Fiquemos com a verdade: na esmagadora maioria das vezes, Roma locuta est; causa non finita est.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.facebook.com/lucasbanzoli1)


-Meus livros:
A Lenda da Imortalidade da Alma
Em Defesa da Sola Scriptura
A História não contada de Pedro

- Veja uma lista de livros meus clicando aqui.

- Confira minha página no facebook clicando aqui.

- Acesse meu canal no YouTube clicando aqui.


-Não deixe de acessar meus outros blogs:

LucasBanzoli.Com (Um compêndio de todos os artigos já escritos por mim)
Apologia Cristã (Artigos de apologética cristã sobre doutrina e moral)
O Cristianismo em Foco (Artigos devocionais e estudos bíblicos)
Desvendando a Lenda (Refutando a imortalidade da alma)
Ateísmo Refutado (Evidências da existência de Deus e veracidade da Bíblia)
Fim da Fraude (Refutando as mentiras dos apologistas católicos)




[1] Abbe Guettee, The Papacy (Blanco: New Sarov, 1866) pp. 180-181.
[2]Disponível em: http://conhecereis-a-verdade.blogspot.com.br/2012/01/roma-locuta-est-causa-finita-est.html
[3] 18ª Sessão do referido concílio.
[4] Empie, P. C., & Murphy, T. A., (1974) Papal Primacy and the Universal Church: Lutherans and Catholics in Dialogue V (Augsburg Publishing House; Minneapolis, MN), p. 82.
[5] Davis, L. D. (1990). The First Seven Ecumenical Councils(325-787) Their History and Theology. Minnesota: Liturgical Press. pp. 128–129.
[6] Whelton, M., (1998) Two Paths: Papal Monarchy - Collegial Tradition, (Regina Orthodox Press; Salisbury, MA), p. 59.
[7] Davis, L. D. (1990). The First Seven Ecumenical Councils(325-787) Their History and Theology. Minnesota: Liturgical Press. pp. 153.
[8] Whelton, M., (1998) Two Paths: Papal Monarchy - Collegial Tradition, (Regina Orthodox Press; Salisbury, MA), p. 50.
[9] Whelton, M., (1998) Two Paths: Papal Monarchy - Collegial Tradition, (Regina Orthodox Press; Salisbury, MA), pp. 68.
[10] Sétimo Concílio de Cartago, presidido por Cipriano em 255 d.C.


This post first appeared on Heresias Católicas, please read the originial post: here

Share the post

“Roma locuta est; causa finita est” (“Roma falou, a causa acabou”). Ou não...

×

Subscribe to Heresias Católicas

Get updates delivered right to your inbox!

Thank you for your subscription

×