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O sambenito e as penitências da Inquisição


Um outro tipo de punição penitencial que geralmente acompanhava os açoites, o confisco dos bens e a prisão perpétua era o uso do sambenito. O sambenito era uma forma de humilhação pública, uma maneira encontrada pela Igreja para degradar ainda mais o indivíduo que já tinha sido fortemente castigado. A punição não podia se limitar ao aspecto físico: também tinha que atingir o psicológico. Como Luiz Nazario escreveu, “a humilhação pública constitui uma técnica de dominação”[1].

O sambenito, também conhecido como “hábito penitencial”, era uma “espécie de capa com a cruz amarela de Santo André, traje especial que indicava sua condenação por heresia”[2]. O uso do sambenito era acompanhado pela carocha, uma espécie de mitra de papelão com pinturas extravagantes, que era colocada na cabeça do condenado, exibindo o “crime” do réu. É dela que provêm as famosas “orelhas de burro”, que até o século passado os professores costumavam colocar na cabeça dos alunos desobedientes como uma forma de humilhação e castigo.

Bethencourt afirma que “o reconciliado era exposto à porta de uma igreja num dia de feriado, com um hábito penitencial onde está inscrito o seu delito e uma vela acesa na mão”[3]. Nazario escreve:

Além de humilhar publicamente os réus no momento solene do auto da fé, os sambenitos deviam muitas vezes ser usados por um certo período pelos penitentes. Era um castigo tremendo: o uso da vestimenta infamante acarretava, além do escárnio e do insulto na rua, a inabilidade do réu e sua família para cargos públicos e a confiscação de bens pelo Estado.[4]

Michael Baigent acrescenta:

Os hereges confessos podiam ser também obrigados a usar, pelo resto da vida, por dentro e por fora, uma grande cruz açafrão costurada no peito e nas costas de seus trajes. O penitente era assim exposto a constante humilhação, ridículo e escárnio sociais, além de ocasional violência. As pessoas estigmatizadas com tais cruzes eram ostracizadas pelas outras, que relutavam em fazer qualquer tipo de negócio com elas. As moças achavam impossível conseguir maridos.[5]

Bethencourt complementa que “os prolongamentos dessa pena são por vezes surpreendentes: os judeus condenados podiam ser obrigados à exposição infamante diante de sua própria sinagoga”[6]. Gorenstein destaca que muitas vezes os condenados eram forçados a usar o sambenito para sempre[7]. Em Lima, os penitenciados pela Inquisição ainda eram obrigados a desfilar pelas ruas montados em bestas de carga[8], e, às vezes, sem roupa[9].

A Inquisição fazia todo o possível para humilhar suas vítimas, porque achava que a tortura, a prisão perpétua, o roubo dos bens, a destruição da casa e as centenas de chibatadas não eram o bastante. A mesma tática de humilhação pública também foi largamente utilizada por outros sistemas totalitários como o próprio nazismo, tal como acentua Luiz Nazario:

Foi basicamente por meio da propaganda combinada com a violência em rituais de humilhação pública – boicote, escarnecimento, insígnia infamante, classificação e isolamento social – que os nazistas conseguiram quebrar a moral e frustrar a resistência de suas vítimas, em especial da população judaica.[10]

De fato, tudo o que os sistemas totalitários genocidas do século XX fizeram foi copiar a Inquisição, acrescentando poucas coisas. Retomaremos este ponto no capítulo 9 deste livro, que abordará o totalitarismo.


A "penitência"

Quando se fala hoje em dia em “penitência”, o que logo vem à mente são jejuns, orações, esmolas, vigílias, peregrinações e outras coisas leves que são impostas pelos padres aos católicos confessantes. Talvez por isso, quando um católico acessa os arquivos da Inquisição e constata que os delitos mais leves eram punidos apenas com penitência, ele logo acredita que se trata do que hoje entendemos como penitência, isto é, algo leve, que não exige muito do penitenciado nem causa muito sofrimento. Mas, como você já deve suspeitar, não era assim com a Inquisição.

A penitência inquisitorial, muito diferente da penitência sacerdotal, castigava o indivíduo rigorosa e implacavelmente. Baigent alega que o menor de todos os castigos penitenciais era aquele imposto aos que voluntariamente se denunciavam à Inquisição durante o chamado “Período da Graça”. A punição? O herege confesso era obrigado todo domingo a despir-se e aparecer na igreja carregando uma vara. Num determinado ponto da missa, o padre o açoitava com entusiasmo perante toda a congregação reunida[11].

Mas Baigent acrescenta:

O castigo não terminava aí, porém. No primeiro domingo de cada mês, o penitente era obrigado a visitar toda casa em que se encontrara com outros hereges e, em cada uma, era de novo açoitado. Nos dias santos, além disso, exigia-se que o penitente acompanhasse toda procissão solene pela cidade e sofresse mais açoites. Essas provações eram infligidas à vítima pelo resto da vida, a menos que o inquisidor, que há muito haveria partido, voltasse, se lembrasse dele e o liberasse da sentença.[12]

E ele diz ainda:

Outra forma de penitência, julgada igualmente leve e misericordiosa, era a peregrinação. Tinha de ser feita a pé, e muitas vezes durava vários anos, durante os quais a família do homem bem podia morrer de fome. Havia duas formas de peregrinação. A menor implicava uma caminhada até dezenove santuários espalhados por toda a França, em cada um dos quais o penitente era açoitado. A peregrinação maior envolvia uma longa viagem do Languedoc a Santiago de Compostela, a Roma, a Colônia, a Cantuária. No século XIII, penitentes eram às vezes enviados em peregrinação à Terra Santa como cruzados, por alguma coisa entre dois e oito anos. Se sobrevivessem, exigia-se que trouxessem consigo na volta uma carta do patriarca de Jerusalém ou Acre, atestando seu serviço.[13]

Baigent conclui dizendo que “tais eram os castigos mais brandos, impostos por misericórdia àqueles que confessavam voluntariamente seus pecados e delatavam outros”[14]. Lina Gorenstein destaca que a única mulher absolvida pela Inquisição no Rio de Janeiro, Izabel da Silva Teixeira, ainda teve que ficar presa por dois anos como penitência[15]. Se tal era a condição daqueles eram absolvidos (uma pequena minoria), imagine qual era a situação dos que eram condenados.

Ricardo Palma também documentou em seu livro sobre a Inquisição de Lima as punições da Inquisição para os crimes mais leves. Entre as penitências aplicadas, inclui-se a multa em dois mil pesos[16](seguida de outras penas) e a prisão em Valdívia[17]. Em toda a obra de Palma, não há uma só menção a alguém penitenciado simplesmente com jejum, oração, esmola, vigília ou outras coisas “espirituais”, como afirmam os anacronistas da apologética católica, os mestres da mentira. Os que caíam nas mãos da Inquisição estavam fritos de um jeito ou do outro, confessando ou não confessando, abjurando ou não abjurando. Não havia escapatória.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

- Extraído do meu livro: "A Lenda Branca da Inquisição".

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.facebook.com/lucasbanzoli1)


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[1] NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 17.
[2] GORENSTEIN, Lina. A Inquisição contra as mulheres: Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 151.
[3] BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália – Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 288.
[4] NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 93.
[5] BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição.Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 49.
[6] BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália – Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 288.
[7] GORENSTEIN, Lina. A Inquisição contra as mulheres: Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 158.
[8] PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima.São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 31
[9]ibid, p. 77 e 90.
[10] NAZARIO, Luiz. Autos-de-fé como espetáculos de massa. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 17.
[11] BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição.Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001, p. 48.
[12]ibid.
[13]ibid, p. 49.
[14]ibid, p. 50.
[15] GORENSTEIN, Lina. A Inquisição contra as mulheres: Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 155.
[16] PALMA, Ricardo. Anais da Inquisição de Lima.São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Giordano, 1992, p. 22.
[17]ibid, p. 77.


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