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Os protestantes são “subjetivistas” e “relativistas” por rejeitarem o "magistério infalível"?


Essa é uma das acusações mais frequentes da apologética católica, e se você já participou de debates já deve estar acostumado com ela. Basicamente, o argumento funciona da seguinte maneira: (1) só podemos chegar à Verdade de forma objetiva se houver uma autoridade infalível dizendo isso; (2) os protestantes não têm uma autoridade infalível (um papa), portanto, são subjetivistas; (3) os católicos têm o papa e seu magistério infalível, então podem chegar à verdade de maneira objetiva. Baseando-se nesses pressupostos que analisarei melhor adiante, eles elaboram questões perniciosas, tais como: (a) Como você pode saber que a sua interpretação é a certa? (b) Isso é “apenas a sua opinião”, por acaso você é um papa infalível? (c) A Bíblia é um livro “obscuro” demais, portanto só o papa e seu magistério podem interpretar!


Como já respondi a esses questionamentos mais extensivamente em meu livro sobre a Sola Scriptura, disponível na página dos livros, e também em diversos artigos, principalmente neste aqui, onde inclusive ilustro o ponto com um debate que tive com certo católico, eu não vou aqui fazer uma nova explanação aprofundada, mas resumir as razões pelas quais o argumento católico é completamente inconsistente com a realidade do mundo à nossa volta, com a lógica e com a história da Igreja.

Nunca me esqueço de certo debate por e-mail que tive há anos atrás com um romanista cujo único argumento que usava em qualquer assunto que debatêssemos era que “essa é apenas a sua interpretação”. Para ele não importava a força dos argumentos, nem a exegese ou hermenêutica, a lógica ou o bom senso: a única coisa que importava era se havia uma autoridade infalível ditando tin tin por tin tin como são as coisas. E, é claro, essa autoridade infalível seria o papa (que surpresa).

Debatíamos sobre o celibato clerical até eu citar 1ª Timóteo 3:2-4, que diz que “é necessário que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher... ele deve governar bem sua própria família, tendo os filhos sujeitos a ele, com toda a dignidade”. Isso não me parecia bem a descrição de um “celibato obrigatório”, e não demorou muito para ele perceber o mesmo. Então ele finalmente reconheceu que o celibato obrigatório é antibíblico? Nana-nina-não. Disse que o texto é “obscuro”, envolvo em “mistérios”, e que por isso só o papa podia interpretá-lo adequadamente.

Então, se o papa interpreta a parte que diz “marido de uma só mulher” como sendo “marido coisa nenhuma de mulher nenhuma”, é essa a interpretação correta e pronto. E se interpreta que a parte que fala da família e dos filhos na verdade se refere a famílias fantasmas e a filhos inexistentes, quem somos nós mortais para discordar? Afinal, se é ele a “autoridade infalível”, o “sumo pontífice”, o “bispo dos bispos”, o “chefe da Igreja”, o “vigário de Cristo” e o único que pode interpretar a Bíblia “objetivamente”, ele deve estar certo, e nós temos que dar o braço a torcer e aceitar essa interpretação maravilhosa que nos é dada – se não quisermos ser malditos “subjetivistas”...

De fato, é este assustador princípio que rege a mentalidade dos apologistas católicos, bem expressa na máxima de Inácio de Loyola (o primeiro jesuíta, fundador da “Companhia de Jesus”), que os papistas fazem questão de ressaltar com toda a força e interesse: “Acredito que o branco que eu vejo é negro, se a hierarquia da Igreja assim tiver determinado”. No mesmo livro de Inácio, intitulado Exercícios Espirituais, ele também afirma que a atitude do católico em submissão absoluta ao papa é como a de um cadáver, que não tem qualquer liberdade ou autonomia para contestar qualquer coisa que seja...

A sujeição do católico à “autoridade infalível” deveria ser absoluta, incontestável e cega, principalmente cega. Envolvia a renúncia total à razão, ao bom senso, ao senso crítico, à exegese e a qualquer forma de contestação. O mero fato de um leigo discutir questões teológicas já era o suficiente para ser levado à Inquisição. Isso era ser um “bom católico” para a época – a submissão absoluta e incondicional. É lógico que alguém treinado a assumir que o branco na verdade é preto se a Igreja disser, facilmente aceitará também que o “marido de uma só mulher” é um “texto obscuro” que na verdade ordena o celibato obrigatório, da mesma forma que aceitará o purgatório, os dogmas marianos, a Inquisição, o culto aos mortos e todos os ensinos católicos sem absolutamente qualquer fundamento, e até mesmo em expressa contradição com as Escrituras.

Mas é este o grande problema: para o católico a verdade não está onde reside a força dos argumentos, o peso das evidências ou as regras hermenêuticas. Em vez disso, reside num apelo à autoridade, ou seja, ao papa de Roma. A verdade é dependente de uma pessoa, e você é obrigado a abrir mão da razão, da sua consciência individual e da sua capacidade de pensar criticamente para aceitar de forma passiva, acrítica e incondicional qualquer coisa que essa “autoridade infalível” definir. Isso é ser “objetivo” para eles. A objetividade não reside na força dos argumentos, mas no argumentador. Os argumentos são inúteis, supérfluos, subjetivos; o magistério é absoluto, cabal, objetivo.

O problema com isso é que não existe sequer uma única área do conhecimento humano que siga a essa lógica romanista. Não existe uma “autoridade infalível” das ciências naturais, da mesma forma que não existe uma “autoridade infalível” em questões jurídicas, filosóficas, políticas, etc. Não há uma “autoridade infalível” da ciência, mas sim cientistas com autonomia, personalidade e consciência individual para ter suas próprias convicções a respeito de debates como criacionismo vs evolucionismo, design inteligente, aquecimento global, etc. A coisa não é tão simples quanto “apele ao Magistério Infalível da Ciência, e o problema estará resolvido”. Não. Os problemas se resolvem através de crítica, de experiência, de periódicos, de contestações, de novas descobertas. Não com um “cientista infalível” ditando as regras do jogo.

O que os apologistas católicos querem nos convencer é que, embora em todas as áreas do conhecimento humano não exista uma autoridade infalível dizendo tudo o que é certo e o que é errado, na teologia tem que haver, senão estaremos todos caindo no “subjetivismo protestante”. O irônico de tudo isso é que esse argumento torna os próprios papistas o supra-sumo do relativismo contemporâneo, que consiste na afirmação de que tudo é subjetivo a não ser que haja uma autoridade infalível dizendo o que é certo. Neste caso, sequer seria possível a você dizer que a grama do seu quintal é verde, pois essa seria apenas “a sua opinião”. Precisaria de uma “autoridade infalível” para definir isso.

E o mais engraçado: eles sequer poderiam dizer que o papa é infalível ou a Igreja Romana é a verdadeira, pois isso também seria a opinião deles, ou seja, “subjetivismo”. Eles não aceitam que os protestantes interpretem a Escritura para chegar à verdade, e como tentam provar isso ao protestante? Interpretando as Escrituras, como Mateus 16:18 e outros textos. A Bíblia “não serve” quando é para contestar e refutar os dogmas católicos, mas de repente vira o meio de se provar a veracidade da Igreja deles quando lhes convém. Tudo depende da conveniência e arbitrariedade. O protestante não tem a capacidade de interpretar textos bíblicos, mas tem quando é para concordar com a interpretação católica. Em outras palavras, eles tentam provar a incapacidade de um indivíduo falível interpretar a Bíblia através de uma interpretação da Bíblia, o que contraria o seu próprio conceito.

Ademais, quem disse que a interpretação católica é "objetiva" só por apelar a uma autoridade autoproclamada infalível? Desde que essa infalibilidade foi dada pelos papas a si mesmos, ela é tão subjetiva quanto qualquer outra coisa, com a diferença de que o clero católico quer impor sua subjetividade como algo objetivo aos leigos. Pior do que ter uma opinião subjetiva particular é ser obrigado a aceitar a opinião subjetiva de outra pessoa. E a infalibilidade papal é apenas uma petição de princípio argumentada em círculos: o papa é infalível, porque a Igreja assim definiu; essa Igreja, é claro, é aquela mesma dos papas que assim definiram. É o mesmo que dizer que a Igreja Romana é verdadeira porque ela diz que é verdadeira – a mesma razão pela qual o Inri Cristo insiste estar com a "verdade".

Por fim, quando se afirma que não há como ser objetivo a não ser com a existência de uma autoridade infalível no assunto, se está defendendo com mais vigor do que nunca a tese relativista, que ensina justamente que “tudo é relativo”, que “tudo é subjetivo”. A lógica papista nos levaria a concluir isso em relação a todas as áreas do conhecimento humano e situações do cotidiano, à exceção da teologia, em que existiria o papa. Na prática, isso é assumir e fortalecer o relativismo mais do que nunca. Tem algo mais relativista do que a afirmação de que TUDO é relativo a não ser que se tenha uma autoridade infalível ditando as coisas e interpretando cada ponto?

Se esse raciocínio for levado adiante, não poderíamos nem mesmo chegar sozinhos à conclusão de que essa parede branca que vejo na minha frente é branca mesmo. Teríamos que pedir antes a definição da Igreja, como diz Inácio. Sem essa definição, poderíamos pensar apenas que talvez a parede seja branca, e talvez não. A lógica católica nos leva a um nível de relativismo tão grotesco e aberrante que chega a ultrapassar os absurdos dos humanistas seculares e ateus do planeta, que dificilmente chegam ao ponto em que chegou Inácio, relativizando tudo e condicionando toda a verdade à arbitrariedade papal.

Em contrapartida, o protestante rejeita o relativismo católico ou humanista, de que não é possível chegar à verdade a não ser por uma autoridade infalível, e pode concluir que o branco é branco, que a grama é verde, que o bispo pode ser marido de uma só mulher, etc. Se é o que as evidências indicam, é a verdade, mesmo que não haja nenhum ser infalível a definindo, ou antes mesmo de algo “infalível” a definir. Ário só se tornou herege após o Concílio de Niceia? Antes disso, não havia nenhuma “definição infalível”, nem mesmo no conceito católico do termo. Portanto, até Niceia essa questão seria puramente subjetiva para os católicos, não havendo qualquer heresia em se negar a divindade de Cristo, e só depois disso é que se tornou certo e objetivo dizer que Jesus é Deus. Se isso não é o supra-sumo do relativismo, eu não sei mais o que é.

As coisas podem piorar, e piorar muito, se estudarmos um pouquinho de história da Igreja. As principais disputas entre os bispos da Igreja antiga não existiriam se houvesse o conceito de infalibilidade do bispo romano, ou o conceito de que a verdade está com ele, e que nele reside a objetividade do que é proposto. Quando Vitor de Roma se irou com os bispos africanos sobre a data da páscoa, ambos se apegaram cada qual ao seu argumento (o bispo de Roma sobre a tradição de seus antecessores, e os africanos idem), e nenhum conseguiu convencer o outro do seu ponto. O detalhe é que décadas antes essa mesma discussão já havia surgido entre o bispo romano Aniceto e Policarpo, que teria sido discípulo de João e defendia a data oriental da páscoa, enquanto Aniceto defendia a ocidental. Mais uma vez, ambos se apegaram aos argumentos e nenhum conseguiu convencer o outro do contrário.

Demoraria um pouco mais até chegarmos a Cipriano, o bispo de Cartago que entrou em conflito com o bispo romano Estêvão sobre a questão do rebatismo. Este defendia que os hereges não tinham que ser rebatizados, e aquele defendia que sim. Ambos se apegaram cada qual aos seus argumentos, e Cipriano jamais abriu mão das suas convicções pessoais contra o bispo de Roma. Tendo convocado o Concílio de Cartago em 256 d.C., proclamou que não havia um “bispo de bispos” na Igreja, e que nenhum bispo podia julgar outro bispo mais do que ele mesmo podia ser julgado pelo outro. Em outras palavras, havia a igualdade no episcopado, em vez de um bispo superior a todos e mandando em todos.

Numerosos outros exemplos poderiam ser acumulados aos montões, mas, para simplificar as coisas e poupar um texto gigante, o fato é que as disputas na Igreja antiga não se resolviam na base do “o bispo romano tem a razão e acabou”. Em vez disso, se resolviam com debates, disputas, argumentos pra lá e pra cá, sínodos, concílios, cartas, tratados, sem ninguém tendo o direito de impor a sua convicção pessoal (ou da sua igreja) sobre a consciência dos outros indivíduos, forçando-os a crer deste ou daquele jeito. Em termos simples, até aquela época o branco ainda era branco. Apenas tempos mais tarde é que o subjetivismo entraria na Igreja ocidental através da presunção arrogante dos orgulhosos bispos romanos, que, se colocando acima da razão e da verdade, poriam em dúvida até as coisas mais elementares, e suplantariam qualquer resquício de liberdade de consciência.

Quer saber onde está a verdade? Você tem duas opções: ou procura todas as respostas de um jeito fácil e mágico com algum guru “sabe tudo”, como o papa romano, o patriarca ortodoxo, o califa muçulmano, o Dalai Lama, o Astrólogo da Virgínia ou o Inri Cristo, e cruze bem os dedos para não ter escolhido o guru errado. Ou então busque as respostas por si mesmo, use o cérebro que Deus te deu para pensar, use o seu senso crítico, investigue a verdade, seja criterioso, estude, analise os argumentos de todos os lados, forme a sua própria concepção de mundo, não seja vaquinha de presépio de ninguém, não se deixe ser manipulado.

O primeiro jeito é o mais fácil, não precisa pensar e nem usar a cabeça, basta confiar cegamente em alguém e pronto, e depois acusar de “relativistas” todos os que não seguem o tal guru que você escolheu como o detentor da verdade absoluta. É o ideal para preguiçosos intelectuais e covardes. O segundo modo exige compromisso e seriedade em busca da verdade, mas lhe proporciona uma paz interior e uma consciência tranquila que nem todos os gurus do mundo são capazes de lhe dar. Afinal, cada um dará contas de si mesmo a Deus. Você pode colocar uma fé cega nos papas e concordar com Inquisição, Cruzadas, escravidão, caça às bruxas, discriminação de judeus, perseguição e intolerância religiosa em nome de uma fé tão verdadeira que vale a pena matar os outros – ou pode pensar por si mesmo e concluir que matar uma pessoa não é defender uma fé, mas apenas matar uma pessoa. E que quem pensa diferente pode ser qualquer coisa, menos um dono da verdade.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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Por Cristo e por Seu Reino,
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