Esta já é a terceira postagem que trago como uma resenha das Cartas de um Diabo a seu Aprendiz de C.S. Lewis. Lá na primeira foi apenas uma primeira olhada (aqui está o link) e na segunda caminhamos com o amor e o prazer (esse é o link). Agora pretendo direcionar meu olhar para outra ideia que pode ser percebida nas Cartas: o tempo e a eternidade.
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A citação a ser feita para início de conversa é que "os seres humanos vivem no tempo, mas o nosso Inimigo os destinou à eternidade". Ou seja, se por um lado "eles são escravos das pressões do cotidiano", por outro eles estão "constantemente interessados na eternidade", o que significa, por constatação do próprio diabo, "estarem interessados nele".
Isso mesmo, dito de outra forma: "os seres humanos são anfíbios – em parte animais, em parte espíritos. Como espíritos, eles pertencem à eternidade, mas, como animais, estão fadados à temporalidade".
E nesta dualidade entre o tempo e a eternidade vivemos todos nós. E pulando aqui e ali, entre um e outro, a vida se desenvolve, as batalhas são travadas, o amor e o prazer nos são oferecidos. E volto a lembrar que Deus se fez humano, o Eterno se fez Tempo para nos tocar e comungar conosco. Ao se fazer limitado no tempo, o Amor fez se abrir para nós a imensidão da eternidade.
Assim, considerando o tempo sob o ponto de vista humano, como um vetor que, se iniciando no passado, se dirige sempre para o futuro – e nunca num sentido contrário – é nesse fluir histórico-temporal que a vida, as decisões, as escolhas acontecem, bem como as batalhas espirituais e seus desdobramentos.
Mas, já estou me perdendo numa digressão de pensamentos e ideias, deixe-me voltar às Cartas.
Observemos o passado, o presente e o futuro como aspectos do tempo e da eternidade. Comecemos lá atrás.
Ainda que sejam possíveis novas interpretações e revisões, mas "o passado está congelado e não flui mais" logo, isso não passa de arranjos mentais. Na verdade, só há duas atitudes reais a serem mantidas em relação ao passado: ou com gratidão ou sob o peso dos pecados cometidos. E apenas uma nos afasta do tinhoso.
Acontece que, quanto ao peso da culpa do passado, "nem sobre os próprios pecados cometidos pelo homem o Inimigo sequer deseja que ele pense em demasia: uma vez que ele tenha se arrependido, quanto antes ele deixar de prestar atenção em si mesmo, mais satisfeito fica com o Inimigo". Penso que as colocações do profeta Miqueias vão exatamente nesta direção (Mq 7:18-19).
Na outra ponta dessa linha está o futuro. E é aí que o tentador investe o melhor de suas artimanhas. Como o seu sucesso é avaliado na capacidade de confundir, de dissimular e parecer com o Criador, então, como constata o Screwtape, "o pecado, que é a nossa contribuição, tem os olhos no futuro" pois "o medo, a avareza, a luxuria e a ambição têm os olhos no que está por vir".
É claro que Deus não incentiva o ser humano a se alienar do futuro, e o próprio diabo reconhece sua derrota nesse campo quando atesta que "o ideal dele é um homem que, tendo trabalhado o dia todo para o bem da posteridade, em seguida esquece todo o assunto e confia-o ao Céu".
Excluindo assim passado e futuro, resta-nos o presente como dádiva. Exatamente no presente encontramos "o ponto que o tempo toca a eternidade", porque "o presente está todo iluminado por raios eternos". É no tempo presente que o Eterno se manifesta. Nesse agora divino, sua vitória é alcançada e o diabo reconhece sua derrota sobre os seres humanos. É inevitável: "uma vez que o homem entregar-se à Presença completamente real, externa, invisível, que estará com ele no quarto e nunca será conhecido dele, como ele é conhecido por ela – então, meu amigo, é que tudo poderá acontecer".
E tem mais: "o Inimigo não ficará de braços cruzados nesse meio tempo. Sempre que houver oração, haverá o perigo de sua ação imediata".
E sobre esta ondulação constante na qual vivem os seres humanos as Cartas teriam muitas vírgulas a acrescentar. Então quero novamente manter meu compromisso de continuar refletindo sobre o texto de C.S. Lewis. Vou escrever mais uma postagem, agora especificamente sobre a Carta VIII.
Continuo depois...