Get Even More Visitors To Your Blog, Upgrade To A Business Listing >>

Sobre a morte do reitor da UFSC

Comecei a escrever o que segue abaixo no dia seguinte à notícia do suicídio de Luiz Carlos Cancellier, professor e Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A primeira parte do texto está como escrevi nos dias subsequentes. As demais partes acrescentam outras dados e reflexões com os quais travei contato desde então.

*  *  *

Como sói acontecer nestes momentos, vamos buscar analogias históricas, ao menos referências básicas de balizamento. Rudá Ricci chamou de macartismo – e afirma que estamos vivendo o auge do macartismo no Brasil. Em dois episódios anteriores, referi-me à Santa Inquisição (quando o Ministério Público Federal me acusou) e lembrei do bom e velho Brecht (quando a Polícia Federal, autorizada por um juiz de primeira instância, grampeou o Gabinete da Presidência da República; posteriormente, o conteúdo das gravações foi vazado para uma corporação de mídia que opera concessão pública. A grampeada Coração Valente e seu decorativo ministro da Justiça sorriram e acenaram, tal qual pinguins do filme Madagascar).

No episódio em que o Ministério Público Federal me acusou, aliás, o teor da “Nota de esclarecimento do Ministério Público Federal“, que publiquei aqui neste blogue a pedido da assessoria de comunicação do órgão, é sintomático deste modo de agir que vimos observando e sofrendo no Brasil. (Aliás, é, no mínimo, curioso que a assessoria tenha entrado em contato comigo por meio de telefonema para o número fixo de minha residência. Tal número não consta em qualquer lista telefônica. Segundo o jornalista que me ligou, ele não encontrou o meu email – que está disponível em trocentos endereços da internet, inclusive neste próprio blogue – para fazer contato.)

A meu ver, vivemos uma hipertrofia dos braços do Estado responsáveis por controle/repressão/espionagem/investigação/violência, bem como do Poder Judiciário. E não se trata de qualquer Justiça: a que temos, majoritariamente, é não garantista e antidireitos, a começar pelo Supremo Tribunal Federal. Nas palavras do jornalista Luis Nassif, “Os órgãos de fiscalização e de repressão assumiram tal influência que passaram a se imiscuir em vários setores da vida do país, trazendo consigo altas doses de intolerância e de pensamento policialesco e abrindo espaço para personalidades desequilibradas, a verdadeira banalização do mal praticando a crueldade com a segurança de quem tem o Estado atrás de si“.

Ele também narra o problema macro de inserir na universidade figuras alheias a ela – e, pior, cheias de prerrogativas. E o problema micro – no interior da UFSC – causado pela atuação do corregedor. Vale a pena ler os detalhes da perseguição a alunas – sem dúvida, uma das coisas mais covardes que se pode fazer dentro de uma universidade. (No episódio narrado de perseguição na UFSC, o corregedor é homem, a presidente do centro acadêmico é mulher, as intimadas são alunas e o problema era assédio por professores homens. Creio ser possível haver um corte de gênero que escapou à análise do jornalista.)

Não por acaso, Nassif aponta dois grupos/poderes como centrais para o que houve em Florianópolis – e, acrescento eu, para o que vem rolando no país: grandes empresas de comunicação e Judiciário. Aliás, nenhum dos dois é eleito pela população. O Judiciário é um dos poderes instituídos da República. Na presidência da República, os eleitos pelo PT nada fizeram para democratizá-lo – e escolheram muito mal os ministros do STF.

Nassif encerra assim seu texto: “Em todo caso, a delegada Erika, o procurador Bertuol, a juíza Janaína, o próprio corregedor Hickel são personagens menores. O grande personagem é o espírito punitivista desses tempos de cólera, e uma imprensa sensacionalista, totalmente dissociada de princípios civilizatórios básicos, que acabou conferindo a mentes perturbadas o poder inaudito de assassinar reputações.

A morte física do reitor foi apenas um acidente de percurso. E os protagonistas, não mais que de repente, perderam a atração pelos holofotes.”

*  *  *

Outras leituras sobre o episódio:

Conversa Afiada: “Procurador de Santa Catarina interpela a delegada”

Elio Gaspari, mesmo discreto num primeiro momento, abordou o assunto.

Roberto Requião (PMDB/PR), em pronunciamento no Congresso: “Cancellier a maldade fascista nas instituições” (via GGN). Afirmou o senador: “Eliminou-se a presunção de inocência. A Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário transformaram-se na espada santa do Senhor, nos anjos da Justiça. Infalíveis, incontestáveis. Se os fatos, se a verdade dos fatos os contrariam, azar.”

Luís Felipe Miguel, professor da UnB: “Das responsabilidades pela morte de Cancellier“:

“Em suma: um exemplo perfeito da prepotência, da insensibilidade e do autoritarismo que, infelizmente, grassam no Judiciário brasileiro. Pergunto: uma vez que esse evidente abuso de poder levou a consequências tão trágicas, haverá algum tipo de punição à juíza?

Mas há uma cota de responsabilidade importante que cabe à mídia. Ela é a cúmplice ativa dos processos de pré-julgamento e assassinato moral promovidos pelo Judiciário. Ainda hoje, ao noticiar a morte do reitor, a Folha de S. Paulo escreve que ele integrava um grupo “suspeito de desviar R$ 80 milhões em recursos que deveriam ser investidos em programas de Educação à Distância”.

Há duas inverdades na frase. Era o projeto totalizava R$ 80 milhões; o valor que se suspeita que tenha sido desviado é alto, mas não chega a 0,5% desse montante. E, mais importante, a acusação que pesava contra o Cau não era de participar do desvio, que teria ocorrido antes de sua gestão, mas de estar “obstruindo as investigações” (acusação que ele negava).

A mídia reproduz, de forma leviana, informações imprecisas ou mesmo falsas, embarca alegremente na culpabilização antecipada dos denunciados e, quando concede espaço para o contraditório, é apenas de forma burocrática e limitada. O Judiciário pode preparar os archotes, mas quem risca o fósforo para o linchamento moral é a mídia.

Ao noticiar desta maneira a morte do reitor, a Folha trabalha para esvaziar o sentido de denúncia contra a arbitrariedade que Cau buscou imprimir ao sacrifício de sua própria vida.”

Reproduzo abaixo a Moção de Solidariedade à UFSC assinada pela Compós (Associação Nacional Dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação).

“São Paulo, 05 de outubro de 2017

 
MOÇÃO DE SOLIDARIEDADE À UFSC
 
Nós, membros da diretoria da Compós e coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação acadêmicos e profissionais, reunidos na reunião do Conselho da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, Compós, manifestamos nosso mais veemente repúdio ao estado policial de terror que se instaurou neste País, e que teve como um de seus mais nefastos resultados, a morte do Professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC.
É inaceitável que as trevas do obscurantismo punitivo, que prende e condena sem provas, que submete pessoas e suas reputações à humilhação e à destruição, como foi o caso do Professor Cancellier, aliadas a uma mídia sensacionalista e irresponsável estejam tomando forma neste País.
Na condição de professores universitários, denunciamos os ataques à Universidade Pública oriundos de tais fatos lamentáveis, como os que vitimaram o Reitor Cancellier. Exigimos rigor na apuração dos responsáveis pela prisão e humilhação pública tragicamente protagonizada pelo Reitor da UFSC.
Como cidadãos brasileiros, exigimos que sejam banidos do nosso País todas as formas de truculência policial e jurídica que estão vitimando colegas e compatriotas; que o Brasil retome a dignidade de uma Justiça Isenta e que a violência da vingança punitiva não seja mais do que um breve e trágico capítulo da nossa história.”

*  *  *

Hoje, 5/11/2017, Gaspari voltou ao assunto em sua coluna:

O SILÊNCIO E O SUICÍDIO DE CANCELLIER

Completou-se o primeiro mês desde que o professor Luis Carlos Cancellier matou-se. Ele tinha 60 anos, era reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, fora preso e, uma vez libertado, estava proibido
de pisar no campus da escola.

Já se sabe que Michel Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco não devem ser investigados. Sabe-se também que o chefe da campanha de Donald Trump está em prisão domiciliar por lavagem de dinheiro e conversas impróprias com russos. Só não se sabe por que o reitor Cancellier foi humilhado.

O professor e outras seis pessoas foram presas no rastro de uma operação da Polícia Federal que se denominava “Ouvidos Moucos” e apurava fraudes com verbas de programas de bolsas de estudo. A juíza que determinou as prisões disse que fatos investigados mereciam “maior aprofundamento na análise”. Havia professores e empresários acusados de meter a mão na Bolsa da Viúva, mas as irregularidades ocorreram antes da chegada
de Cancellier à reitoria.

Passou-se um mês e ainda não há informações a respeito dos fatos que a juíza Janaina Cassol Machado, da 1ª Vara da Justiça Federal, considerou merecedores de “maior aprofundamento e análise”. À época das prisões, noticiou-se que a Operação Ouvidos Moucos teve a participação de cerca de cem agentes da Polícia Federal e o amparo da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Tudo isso para apurar irregularidades praticadas em cima de verbas que somavam R$ 80 milhões. Ainda não se sabe de acusação formal contra quem quer que seja, envolvendo um único centavo. Nada.

Sabe-se apenas que um cidadão preso e humilhado matou-se.”




This post first appeared on A Lenda, please read the originial post: here

Share the post

Sobre a morte do reitor da UFSC

×

Subscribe to A Lenda

Get updates delivered right to your inbox!

Thank you for your subscription

×