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Quem cria corvos...

Por que em 2003 Bolsonaro não chocava a Rede Globo?
Há um provérbio espanhol que deveria estar em voga no Brasil atual: cría cuervos y te sacarán los ojos ("cria corvos e te arrancarão os olhos"). É particularmente útil porque, na sua sanha antipetista, a direita moderada que era o PSDB, alinhou-se aos elementos mais delirantes da direita nacional. Teóricos da conspiração que acusam a Pepsi de fabricar seus refrigerantes a partir de fetos abortados e gente que acusa o ex-presidente Lula de tanta coisa que quando apresentam uma denúncia consistente contra ele eu simplesmente não consigo acreditar nela. No meio de tantos lunáticos, um extremista chama a atenção pelo tamanho de seu apelo junto à classe média que foi ao paraíso sob o lulismo e agora se volta contra o PT devido à crise econômica. Trata-se do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que tem, entre as personalidades políticas brasileiras, a terceira página mais curtida no Facebook.

Apoiador de Lula em 2002, quando era do PTB, Bolsonaro logo terminou sua lua-de-mel com o PT e, já no ano seguinte, agrediu verbalmente a colega Maria do Rosário (PT-RS) enquanto esta dava uma entrevista para a equipe de jornalismo da RedeTV no corredor da Câmara dos Deputados. Foi a primeira vez que ele disse a outro ser humano "não estupraria você porque você não merece". Na época não existiam redes sociais e a agressão passou relativamente despercebida. A partir de 2005, no entanto, o PT foi sendo transformado pela grande mídia na razão de todo o mal da nação com a revelação do escândalo do mensalão por repórteres que se diziam chocados, mas que se recusaram a cobrir o mensalão de FHC. Conforme figuras até então restritas às entranhas da internet foram se tornando parte do mainstream do debate político midiático, cada vez mais as discussões foram sendo pautadas pelo ódio a Lula e a seu partido e por questões de ordem moral.

Em 2011 o STF arquivou uma denúncia contra o deputado
devido sua fala racista em um episódio do CQC.
Se na campanha de 2006 Geraldo Alckmin teve que prometer que não privatizaria as empresas estatais, em 2010 Dilma Rousseff teve que prometer que não legalizaria a interrupção voluntária da gravidez no país que é o campeão mundial em morte de mulheres por abortos malfeitos. Aquela foi a campanha mais suja até então. E o ódio latente ao PT e seus apoiadores (pobres, negros, LGBTs, feministas, etc.) estava pronto para reemergir a qualquer momento. Logo após a posse de Dilma eis que a Band resolve colocar Bolsonaro num episódio de seu CQC. No programa em questão, ele diz à cantora Preta Gil que seu filho jamais namoraria uma negra porque ele recebeu boa educação dos pais. Como todo bom fascista, ele covardemente nega a afirmação e diz que entendeu errado a pergunta, embora a dicção de Preta seja a mais clara possível. O episódio, massificado pelas redes sociais, rendeu-lhe seus primeiros questionamentos na Justiça e também os primeiros fãs fora do estado do Rio de Janeiro, justo aqueles que mais odeiam o PT e tudo aquilo que ele representa.

Em junho de 2013, Dilma Rousseff enfrentou, pela primeira vez, amplos protestos antigoverno. A narrativa de que o PT era a fonte de todo o mal colou, ajudada por uma péssima equipe de comunicação no Palácio do Planalto e por uma certa reclusão da mandatária. A mídia se apressou para pintar Marina Silva (Rede) como a musa dos manifestantes. Antes fosse só ela. Com seu caráter apartidário, os protestos logo foram sendo tomados por elementos de extrema-direita, ao ponto dos próprios organizadores serem expulsos de um ato na Avenida Paulista. Bandeiras do PT foram rasgadas, militantes negros e LGBT foram agredidos. O brasileiro, até então mais preocupado com a final da novela e/ou do campeonato de futebol, sentiu-se empoderado para tomar as ruas e participar do debate político de seu país. Principalmente os analfabetos políticos e aqueles que aprenderam história e sociologia através da revista Veja.

Em 2013 a extrema-direita perdeu a vergonha e tomou as ruas.
Após mais de uma década no poder, a esquerda envelheceu e saiu de moda. O cool agora é se opor ao PT, mas não de maneira crítica e racional. E sim como gado em boiada, o que significa dar um belo tiro no próprio pé. Não importa o histórico do PT em defesa dos trabalhadores; a discussão é emocional. E, justamente por isso, cresce de maneira assustadora o apoio à extrema-direita em todo o país. Bolsonaro possui hoje 7% das intenções de voto segundo a última pesquisa Vox Populi e é o candidato a presidente menos rejeitado pela população, com 34% de rejeição segundo o Ibope. A criminalização do PT e de partidos outrora aliados, fomentada por anos pela grande mídia, não favoreceu seu queridinho PSDB. Justo pelo contrário, fez com que todos os políticos associados a partidos e ideologias tradicionais fossem igualmente repudiados pela população.

Não é incrível a inversão de valores na sociedade brasileira que faz com que o candidato a presidente da extrema-direita seja o menos rejeitado? Aquele que em 2014 disse novamente à Maria do Rosário que não a estupraria porque ela não merece e que homenageou Carlos Alberto Brilhante Ustra — reconhecido pela Justiça como torturador — durante a votação do impeachment. Como o fim da escravidão, o término da ditadura não colocou curativos sobre as feridas abertas daquele período. Tivemos a oportunidade de fazê-lo em 2010, quando o STF analisou um pedido para rever a lei de anistia e punir os torturadores do regime militar, já que tortura é um crime imprescritível e impassível de anistia. Mas não o fizemos e volta e meia essas feridas voltam a sangrar. Talvez se tivéssemos seguido as recomendações da ONU para redemocratização figuras como Bolsonaro hoje não existiriam, como elas não existem na Argentina, no Uruguai e no Chile, referências em transição democrática no Cone Sul. Preferimos seguir o Paraguai (e agora teremos um golpe paraguaio).

Só agora a direita descobriu que estava andando com fascistas?
A Globo, que até então se manteve alheia ao fenômeno Bolsonaro, decidiu fazer uma matéria em tom crítico ao deputado no Fantástico do último domingo. Confesso que não assisti à matéria. O boicote à emissora continua de vento em popa aqui em casa. No entanto, não preciso assistir à matéria para dizer que o efeito almejado pela Globo não será conquistado. Ao dar espaço para Bolsonaro, mesmo que em tom crítico, a emissora dá visibilidade a ele. Deviam ter se posicionado contra Bolsonaro muito antes do episódio da homenagem a Ustra. Mas a sanha da mídia para tirar o PT do poder a qualquer custo não permitia isso. Bolsonaro lhes era útil. Agora que desfecharam o golpe final contra o PT, se voltam contra a direita radical cuja existência ignoraram, como se o antipetismo já não se confundisse com o próprio fascismo. Criam corvos e não querem ser bicados por eles?


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