Get Even More Visitors To Your Blog, Upgrade To A Business Listing >>

Obama (4/11/2007—3/12/2017)

É difícil escrever sobre alguém que você perdeu. Não quero que meu luto vire motivo para "curtidas" numa rede social. Mas também não quero que essa morte passe em branco. Eu vi uma alma sair de um corpo e isso me marcou muito. Vi como a vida é breve e frágil e as coisas mesquinhas deste mundo — e de mim — deixaram de fazer sentido. Num momento a vida está lá e, no outro, não está mais. É algo muito precioso para gastarmos-na com coisas banais. E também para passar em branco.

Tudo começou em agosto, quando ele passou mal e teve de ser internado por uma semana. Vivi dias de angústia e esperança durante todo o momento em que ele esteve no hospital. Mas foi quando descobri quem são meus amigos de verdade. Quando ele voltou para casa, já não era mais o mesmo. Parece que parte de sua alegria havia ficado no hospital. Queriam operá-lo assim que foi diagnosticado com doença do pericárdio. Não deixei. Estava velho demais e não queria que ele morresse numa maca.

Apesar da dor que sentiu nos momentos finais, ele não gemia ou chorava. Sempre foi forte, ao mesmo tempo em que era meigo e doce. Nunca foi de reclamar. Há um mês, fez dez anos. Uma década juntos é tempo pra caramba. E, várias vezes, eu não soube aproveitar esse breve tempo que tivemos para ficarmos juntos. Tomei-o por garantido. Achei que ele sempre estaria me esperando quando eu chegasse em casa. Fui um tolo e eu espero que ele me perdoe por isso, onde quer que ele esteja agora.

Quando alguém morre, é da natureza humana ficar pensando "e se...?". Penso direto nisso. E se eu tivesse aceitado o risco de operá-lo e ele vivesse mais alguns anos? E se eu tivesse levado-o ao hospital antes? Até porque comecei a perceber que ele estava agindo de maneira estranha uma semana antes dele falecer. Encontrei-me, então, numa encruzilhada: levava-o ao hospital para dar-lhe uma sobrevida horrível ou deixava-o descansar em paz? Escolhi a última opção e ainda me questiono se agi certo.

Obama (*4 de novembro de 2007 ✝3 de dezembro de 2017).
A minha escolha de Sofia não foi nada fácil, principalmente quando ele me olhava com um olhar que mesclava um pedido de socorro com uma despedida. Eu não suportava aquele olhar. Como as coisas teriam sido bem mais fáceis se ele pudesse falar e dizer para mim o que ele queria que eu fizesse, como esperava que eu agisse em relação a ele. Mas decidi que se ele piorasse ao ponto de não conseguir mais andar, como aconteceu em agosto, levaria-o ao hospital.

Não Poderia Ter Escolhido parâmetro pior, pois ele andou até o fim. Quando caiu no chão foi para perder a consciência e morrer. A médica nos explicou que, como o coração dele estava expandido e pressionando os demais órgãos da caixa torácica, deitar traria-lhe muita dor. Mas ele nunca reclamou de dor alguma! Só decidi levá-lo ao hospital porque ele começou a salivar muito, estava febril e parou de comer.

Não sei se o estresse de tirá-lo daqui de casa foi demais para seu coração ou se ele realmente não aguentaria muito mais tempo, mas só sei que ele morreu assim que chegou no hospital. Uma das últimas memórias que tenho dele foi de quando abri o porta-malas e ele fez um esforço enorme para entrar lá dentro, como se soubesse que a ajuda que tanto havia nos pedido com seu olhar nos dias anteriores finalmente viria. Isso cortou meu coração e não parei de pensar que fiz a escolha errada.

Mas a ajuda estaria vindo e ele ficaria bem. Pelo menos era o que eu achava. Eu não acreditei, até o último segundo de sua vida, que ele iria me deixar para sempre. Meu cachorro se foi e levou uma parte de mim com ele. Meu peito está oco. Não deixa de ser engraçado que quem tinha sido nomeado em homenagem ao cara que supostamente traria a esperança de volta para os Estados Unidos foi-se justamente agora, em tempos tão desesperançosos.

Me desculpa, Obama, por não ter sido tão presente em sua breve vida como eu gostaria de ter sido. Enfrentei muitos demônios pessoais nessa última década — faculdade, primeiras viagens pro exterior, morte do meu avô, saída do armário, casamento, depressão, outra faculdade, um golpe de Estado que acabou com meu psicológico, outro namoro, uma oportunidade de emprego frustrada em Brasília, separação dos meus pais, distensão no pé, mini-amores e amizades frustradas, etc. 

Mas não deixe de pensar, por um segundo, que eu não te amei. Você esteve lá durante tudo isso e muito mais. Muitas vezes eu achava que o que eu estava vivendo era demais para mim e você me dava motivos para viver. Agora você morreu e eu morri um pouco com você. Não consigo pensar que você não estará mais aqui conforme vivo novas experiências. É estranho e assustador pensar nisso. Mas pelo menos você estava aqui quando essa experiência linda e nova que estou vivendo no momento começou.

Obrigado, Obama. Por vezes, questionei o nome que eu havia te dado, mas a verdade é que eu não poderia ter escolhido um nome melhor para você, pois em 2007 eu achava que o Obama era uma esperança e você de fato me dava esperança para viver. Sempre que eu estava triste, eu te procurava e o seu carinho me dava forças o suficiente para querer seguir em frente. Você me amava sem exigir nada em troca e isso é simplesmente lindo. Você foi mais do que um cachorro, você foi um amigo e eu sempre irei te amar.


This post first appeared on Temporada De Pensar, please read the originial post: here

Share the post

Obama (4/11/2007—3/12/2017)

×

Subscribe to Temporada De Pensar

Get updates delivered right to your inbox!

Thank you for your subscription

×