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Somos todos filhos da puta

Gostaria de falar sobre putas. Não sobre as Mulheres que têm como profissão a prostituição, mas aquelas que já receberam essa alcunha. Desde os primórdios, nas sociedades abraâmicas, mulheres livres e independentes têm sido punidas por sua sexualidade e recebido essa denominação. Eva, por exemplo, foi a primeira Puta. É um exemplo de mulher a não ser seguida, pois não ouviu a seu homem e acabou condenando a ambos. Chamar uma mulher de puta é uma forma de diminuí-la por causa de seu suposto gosto pelo sexo. Enquanto um homem ser puto é esperado e até mesmo incentivado, a mulher é incentivada a casar e ter filhos. Quem não tem, em sua família, aquele tio que levou o primo num bordel quando ele fez 18 anos, mas que diz para a prima que ela deve ser "bela, recatada e do lar" para chamar a atenção do sexo oposto?

Numa sociedade ideal, ninguém se importaria com quem você transa. Todos nós transamos e todos nós nascemos porque duas pessoas transaram (exceto os "bebês de proveta"). No entanto, em nossa sociedade, tudo é organizado de uma forma que permita que o homem branco heterossexual fique no zênite das relações sociais. Assim, o sexo tem significados diferentes para um homem heterossexual e para uma mulher, seja ela hétero ou homossexual, branca ou negra. As mulheres existem para satisfazer os homens e quem está mais interessada em satisfazer a si mesma é uma puta. Mulher que se masturba é puta. Mulher que transa com outra mulher é puta. Mulher que transa por transar é puta. E, por fim, mulher cuja a existência independe da figura masculina é puta.

Todas as mulheres que ocupam o espaço dos homens
são, mais cedo ou mais tarde, chamadas de puta.
Essa dinâmica de dominação das relações sociais pelo sexo masculino se entende para além da cama, de forma que todas as mulheres icônicas da História da humanidade já foram chamadas de puta em algum momento de suas vidas, sem exceções. De Maria Madalena à Madonna, cantora mais popular do planeta. De Frida Khalo à Dilma Rousseff. A mulher que se nega a submeter-se ao homem ameaça a manutenção da ordem social vigente e deve ser neutralizada, o que quase sempre envolve difamá-la por causa de sua vida sexual. Ser uma mulher que não se coloca no seu lugar e se cala enquanto os homens conversam, ou seja, se negar a ser uma "mulherzinha", é uma agressão ao patriarcado. Acho que é por isso que esse tipo de mulher me atrai tanto. Gosto de me cercar de putas, sejam elas profissionais da prostituição ou não.

Certa vez, num almoço de família, minha mãe me chocou ao dizer que apoiava a Marcha das Vadias porque ela era uma. Não no sentido de quem tem vários parceiros sexuais (e, caso tivesse, isso não seria da minha conta e nem da conta de ninguém). Pelo contrário, era uma vadia porque recusa-se a se curvar para os homens, que assim chamam as mulheres que, como ela, ameaçam os privilégios masculinos através da conquista de visibilidade no campo social. Minha mãe já foi chamada de puta, certa vez, por ter colocado a vida social acima da maternidade (o que não significa negligenciar a segurança dos filhos). A mulher ideal para o tipo de sociedade em que vivemos é aquela cujo maior sonho é se casar e ter filhos e que para de viver — inclusive sexualmente — depois que vira esposa e mãe.

Não sei o que as pessoas têm a ver com aquilo que as outras fazem! Desde que você não coloque a vida de outras pessoas em perigo, não tenho nada a ver com aquilo que você faz. E se você é uma mulher e a sociedade te chama de puta: meus parabéns! Você deve estar fazendo algo de certo para irritar uma sociedade tão errada quanto a nossa, na qual homens são assassinados à sangue-frio na rua por cometerem o "revolucionário" ato de segurar a mão de outros homens. Saiba, puta, que eu te admiro e me espelho no seu espírito livre para ser mais autêntico e verdadeiro comigo mesmo e com as ideias que eu defendo, que não têm o mínimo intuito de entrar em consonância com esta sociedade doentia na qual vivemos.

Eva, a primeira puta.
Por isso, acho que cada um de nós deveria se orgulhar das vezes em que foi chamado de filho da puta. Uma vez um ex-namorado me chamou disso e eu fiquei morrendo de raiva dele por ter ofendido minha mãe — que sempre acolheu-o super bem, mesmo sem ter a obrigação de fazê-lo. Ele se esquivou, disse que não estava falando dela, que era só um xingamento geral. Mas por que motivos trazer a vida sexual da minha mãe à tona durante uma discussão que envolvia só nós dois? Desde então, tenho evoluído muito e agora percebo que as mulheres que a sociedade chama de puta são aquelas que eu mais admiro e que tenho como modelo a ser seguido na vida. Não ligo mais se me chamarem de filho da puta. Assim como a Madonna não pede desculpas por ser uma puta, eu também não peço desculpas por ser o filho de uma.

Na verdade, sou filho de várias putas. Eva, a primeira mulher e puta, Maria Madalena, Madonna, Dilma e — por que não? — minha mãe. Mulheres que só são putas porque se recusaram a assumir o papel de "mulherzinha", que tomaram as rédeas de sua própria vida e, por isso mesmo, ofendem profundamente o patriarcado, que não é a régua pela qual eu, um jovem homem gay, desejo ser medido. Obviamente não vim nesse mundo para agradar a este sistema de estratificação social baseado no gênero e na orientação sexual das pessoas. Se fosse para ser assim, Deus teria me feito homem e branco do mesmo jeito, mas heterossexual. Para o patriarcado, eu sou um viado, mas se eu fosse mulher, com certeza seria uma puta. Contento-me, no entanto, em ser um filho da puta, pois sem as putas eu não teria metade das liberdades que tenho hoje.


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