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George Michael (1963-2016)

O Cantor e compositor britânico George Michael foi encontrado morto em casa pelo namorado Fadi Fawaz aos 53 anos de idade há três dias, na manhã de Natal. Ao saber da notícia, imediatamente me veio à cabeça a canção "Careless Whisper", lançada em 1984, quando Michael ainda fazia parte do duo Wham! com Andrew Ridgeley, seu amigo de infância e co-compositor do hit. Foram várias as vezes que esta canção embalou minha vida amorosa. Também me veio à cabeça "Last Christmas", regravada por meio mundo, de Taylor Swift a Ariana Grande, e que embalou um dos piores Natais que já tive. Pensei na ironia do destino: o compositor de um dos maiores hits natalinos dos últimos 30 anos morreu justamente no Natal. Depois, em meio a tantas memórias afetivas, lembrei-me da primeira recordação que tenho do cantor: trata-se do videoclipe de "Shoot The Dog", de 2004, uma animação na qual o então primeiro-ministro britânico Tony Blair é retratado como o cachorro de estimação do presidente norte-americano George W. Bush no contexto da invasão do Iraque pelas tropas de ambos os países. Um clipe polêmico para um cantor que sempre afirmou apoiar o Partido Trabalhista de Blair.

George Michael (1963-2016).
A polêmica, aliás, marcou toda a vida do cantor desde que ele saiu do Wham! para perseguir uma carreira solo. Numa entrevista de 2007, George Michael admitiu que se autossabotava, declarando que passou os "últimos 15 ou 20 anos tentando destruir [sua] própria carreira porque ela nunca parecia fracassar". A primeira de uma longa lista de polêmicas do artista veio com seu primeiro disco solo, o aclamado Faith (1987), que vendeu 25 milhões de cópias em todo o mundo — 10 milhões das quais apenas nos Estados Unidos — e recebeu o Grammy de melhor álbum do ano. O disco trazia uma canção bastante provocativa e explícita para os padrões da época, intitulada "I Want Your Sex" (algo como "quero seu sexo" em tradução livre), e o cantor foi acusado de promover um estilo de vida sexual pouco saudável numa sociedade que ainda encontrava-se horrorizada pela então recém-descoberta do HIV. O cantor gravou um videoclipe ultra sensual para a canção com sua então namorada, a modelo Kathy Jeung, como forma de provar que defendia a monogamia. Inclusive ele aparece escrevendo essa palavra nas costas da modelo com um batom.

A imagem sexual de George Michael também teria sido explorada em seu disco seguinte, Listen Without Prejudice Vol. 1, lançado em 1990 sem que seu segundo volume jamais visse a luz do dia. No entanto, o cantor se recusou a promover-se como sex symbol e, como forma de punição, a Sony teria se recusado a promover o disco no Reino Unido. Pelo menos é o que o cantor alega no processo que moveu contra a gravadora tentando desvincilhar-se da mesma. Em 1995 a Suprema Corte de Justiça da Inglaterra decidiu sobre o caso, dando ganho de causa à Sony e obrigando o cantor a permanecer naquela gravadora. No ano seguinte, no entanto, o contrato de George Michael foi vendido para a Virgin Records e ele pôde finalmente lançar seu primeiro álbum de estúdio em quase seis anos. Como resultado dessa disputa legal, George se recusou a participar das gravações do videoclipe de um de seus maiores hits, "Freedom! '90", que foi dirigido pelo — hoje — famoso cineasta David Fincher e estrelado por supermodelos da época como Naomi Campbell, Linda Evangelista, Christy Turlington e Cindy Crawford.

A grande polêmica da vida de George Michael veio, no entanto, em abril de 1998, quando estava reconquistando o sucesso após os anos de hiato forçado. A Polícia de Los Angeles, de maneira arbitrária, expôs ao mundo a homossexualidade do cantor. Um policial disfarçado, Marcelo Rodríguez, seduziu-o no banheiro de um parque público e, pouco antes de engajarem na prática do ato sexual, prendeu-o por "conduta imprópria". Forçado a sair do armário, o cantor assumiu seu então namorado Kenny Goss, com quem estava se relacionando desde junho de 1996. Assumiu também que a canção "Jesus to a Child" é um tributo a Anselmo Feleppa, estilista brasileiro que conheceu durante o Rock in Rio e que se tornou seu parceiro em 1993. Seis meses depois do início do relacionamento, Feleppa descobriu-se soropositivo e morreu de hemorragia cerebral. Os relacionamentos do cantor com homens não eram segredo na indústria musical. Aos 19 anos, saiu do armário como bissexual para Ridgeley e outros amigos próximos. Quando o Wham! acabou, no entanto, entrou em depressão ao perceber que era homo e não bissexual. No entanto, permaneceu no armário para não trazer desgosto à mãe, falecida dois anos antes do escândalo emergir.

A vida de George Michael era um prato cheio para que os
tabloides reforçassem estereótipos negativos dos gays.
George Michael marcou profundamente a história da música pop. Gravou com Aretha Franklin e com Whitney Houston, provando possuir uma voz à altura de ambas e tornando-se extremamente popular nas rádios voltadas ao público afro-americano. Além disso, marcou também a história da comunidade LGBT, para o bem e para o mal. Após ser preso uma segunda vez por fazer sexo num banheiro público, desta vez na Inglaterra, revelou que a relação dele com Goss não era baseada na monogamia — negando de uma vez por todas a máscara que a Sony obrigou-lhe a vestir para promover "I Want Your Sex". A declaração chocou os homossexuais mais conservadores, que não buscam romper com a lógica patriarcal e sim serem aceitos por ela, assim como as diversas prisões do cantor por posse de maconha. Diversas vezes, queremos que nossos ídolos LGBT sejam aceitos pela sociedade, mas os comportamentos de George Michael, completamente fora do padrão social, nos faziam pensar se ele não reforçava os estereótipos negativos existentes em relação aos homossexuais. Por vezes me peguei questionando se o cantor não prejudicava a imagem que as pessoas têm dos gays.

Independente de ter vivido uma vida que não servia de exemplo para os jovens gays — e o próprio cantor reconhecia isso, como num esquete que fez para o Comic Relief —, George Michael era um ídolo para todos nós. Porque todos nós passamos pela angústia de viver no armário e pelo medo de ser arrancado de lá à força quando não estamos preparados para isso. Na geração anterior à minha, todo mundo conhece alguém que morreu de AIDS. "Eu sofri coisas terríveis, perdas e humilhações públicas", declarou uma vez o cantor. "Mas apesar disso, minha carreira coloca-se no lugar como um pato de plástico numa banheira". Isso ocorre porque o público reconhecia no cantor a fragilidade humana de quem passou muito mais do que a metade de sua vida adulta dentro do armário. Após uma vida inteira portando rótulos que não lhe pertenciam, tais como "monogâmico", "heterossexual", "bissexual", "thatcherista"(*), George Michael finalmente pôde se livrar de todos eles. A liberdade que ele escolheu como título não de uma, mas de duas de suas canções mais famosas, agora lhe pertencerá para sempre. Descanse em paz, George Michael. Agora ninguém mais poderá te atacar, expor e ridicularizar para vender mais exemplares de tabloides.


(*) Havia uma época em que todas as pessoas bronzeadas eram acusadas de fazerem parte da alta sociedade britânica e o cantor, cujo pai era cipriota, tinha um tom de pele levemente mais escuro do que o "normal".


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