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As artérias da cidade

Os quatro anos trabalhando como desbravador renderam apelidos insinuantes: “o caçador de rios”, conforme o The Guardian ou “caçador de nascentes”, como dito no programa Esquenta!, da TV Globo. Da Pompeia ao Perus, são dezenas de riachos, lagos, nascentes, bicas e fontes descobertas por Adriano em suas expedições, disponível na página do Facebook Existe Água em São Paulo. Alex Tajra – Revista Saci

Meu trabalho com as nascentes começou em 2013, quando eu conheci a praça Homero Silva, no bairro em que eu moro, encontrei olhos d´água do rio Água Preta que estavam aflorando e juntamente com alguns amigos começamos a pensar o que poderíamos fazer pra dar vida àquele lugar. Um dia a gente foi lá, sem avisar ninguém e construiu um lago. A partir disso, nos apropriamos do espaço para cuidar das nascentes e a minha relação com as pessoas e com a cidade começou a mudar. Quando a comunidade começou a ver que aquilo era benéfico, que ajudava a reduzir até a dengue, famílias começaram a ter mais contato com a praça. É uma ação prática e, juntando os conhecimentos, é só cada um trazer uma sabedoria diferente. É preciso fazer desses seres, desses cidadãos, agentes transformadores. Cada comunidade, cada bairro, deveria fazer a gestão da sua água, e se reunir pra falar sobre isso. Só assim poderia fortalecer a vida na cidade, pra ter mais qualidade de vida. Fico realmente feliz quando vejo as crianças de quatro, cinco anos, falando de olho d’água, de nascente, de peixes. Esse é o lugar que eu quero alcançar.

Me apropriei daquela praça porque o próprio poder público é contrário a essas intervenções, não dão a liberdade e não capacitam as pessoas para que elas se apropriem dos espaços e cuidem dos espaços. E não só a prefeitura foi contra, vários ambientalistas e acadêmicos vieram me ameaçar de processo, falaram que eu estava mexendo onde não deveria. Já tomei porrada de todo mundo, principalmente dos que não aceitam conhecimentos tradicionais, acham que tem que ser técnico, acadêmico. Existem mais de trezentos rios na cidade e São Paulo tem tecnologia para recuperá-los, mas falta vontade política. Já existe uma biotecnologia que utiliza plantas aquáticas para recuperar as águas poluídas, a chamada fitorestauração. Foi o que fizeram no rio Sena, recuperaram o rio utilizando jardins filtrantes. Por isso eu acho que a gente tem que pôr a mão pra fazer acontecer, não tem como ficar esperando a prefeitura ou o governo, tem que se juntar com as pessoas e ser o agente transformador, não ficar só sonhando.

A convivência com os guaranis mudou muito a minha visão sobre a vida na cidade. Hoje acredito que a cidade deveria ter um formato de aldeia, eu percebi que esse é o melhor modo de se viver. Eu me dei a oportunidade de passar cem dias aqui na aldeia pra entender o modo de vida deles e transformar o meu. Nesses quatro anos que eu frequento a aldeia, eu comecei a perceber a quantidade de coisas erradas que tem lá fora e o quanto a gente vive uma vida individualista. A gente precisa de mais coletividade. Aqui os guaranis não falam que a terra é deles, eles falam que a terra é de todos. A minha relação mudou, tive uma compreensão maior sobre solidariedade, coletividade, de viver uma vida mais simples, menos consumista.

Vejo que as pessoas que vivem na cidade são individualistas, moram em casas cercadas por muros altos, portões altos, condomínios. Muitas vezes essa sensação de medo e insegurança é plantada pela mídia, que faz com que as pessoas tenham medo de sair na rua. Pra mim, a rua é como se fosse o quintal da minha casa. Acredito que as pessoas deveriam ver a rua como a extensão da sua vida. Penso que elas devem ocupar mais os espaços públicos, se organizarem entre si pra cuidar das áreas verdes sem esperar o poder público.Através do meu trabalho eu percebi que a gente pode transformar a cidade, mas também entendi que isso tem que partir de cada um. Você mesmo pode tomar uma atitude, se juntar com os amigos, cuidar de uma área verde, de uma praça. As pessoas têm isso dentro delas, essa coisa transformadora. Só que falta oportunidade, a vida na cidade acaba tomando o tempo de todos. Pra eu mudar totalmente minha vida eu tive que abrir mão de muitas coisas materiais, abrir mão de um bom salário, ganhar bem menos, mas ter uma qualidade de vida muito maior que eu tinha antes.

Quando as pessoas começam a ter essa consciência, já é um passo para se mudar a vida na cidade. A gente tem que derrubar certas barreiras, achamos que a natureza é uma coisa fora do nosso meio de vida, do nosso contexto. Mas não, tudo tem uma ligação: a natureza, o homem, a terra. Tudo está interligado. Quando se desliga isso, vemos essa cidade com pessoas doentes pela falta da natureza. E a gente não percebe porque os rios da cidade são como as veias do nosso corpo, as artérias. Se elas estão sujas, então todo o corpo está doente. São doenças físicas e espirituais.

Eu comecei a ir pras zonas periféricas e fazer expedições por conta da quantidade de nascentes a céu aberto que se encontra nessas regiões. Percebi também que lá as pessoas estão cuidando das nascentes. Isso porque quando acaba a água na cidade, o primeiro lugar atingido é a periferia, e essas pessoas não vão comprar água mineral para tomar banho, elas vão pegar de uma bica ou nascente que tem nos arredores ou até mesmo no quintal de alguém. Quem vive mais afastado, longe do centro, cria uma outra relação com a cidade e com seu território.

Os eventos climáticos extremos, por conta das mudanças no clima, estão acontecendo em menor tempo. Um sinal que eu uso bastante é o volume das nascentes, e eu to vendo aqui hoje que diminuiu bastante o nível da água. É muito grave isso: a morte de um rio e o desmatamento, isso influencia as chuvas, os rios voadores, não estão vindo pra cá. O padrão de consumo de água continua o mesmo. Acho que quando voltou a chover, a chuva lavou a memória das pessoas. E a gente pode viver uma crise dessas de novo, uma nova crise hídrica vai causar um colapso hídrico. Outras pragas, como dengue e febre amarela, também são resultados da destruição da natureza. Estamos colhendo o que plantamos no passado.

Construímos uma cidade para os carros, não pras pessoas. Imagine se antes utilizássemos o rio Tietê como meio de transporte, que existissem portos nas pontes do rio para escoar as mercadorias. Iríamos depender muito menos do automóvel e teriam menos carros nas ruas. Se os nossos rios estivessem limpos teríamos parques lineares com reflorestamento. Agora, pense, imagine uma cidade com os rios limpos. O empresário está andando na Faria Lima, de terno e gravata, e pára para tomar um banho de rio no horário de almoço.

Ninguém mudou seu padrão de consumo, e o poder público insiste na ideia de buscar água cada vez mais longe e não se preocupa com o próprio quintal. Acredito na recuperação dos rios e na distribuição de água local na cidade. Poderia existir uma logística para distribuição de água aqui, como bairros ecológicos e pequenas estações de tratamento espalhadas. Se existisse esse tipo de organização, quando houvesse uma crise hídrica, as pessoas fechariam a torneira da Cantareira e abririam a dos rios da cidade. Existe essa possibilidade, isso pode ser feito.

No início de uma longa conversa na Aldeia Tekoa Itakupe, em frente ao lago que está desbravando junto aos guaranis, Edson Djekupe e colaboradores através de oficinas, Adriano explica que a região abriga a bacia hidrográfica do Ribeirão Manguinho, um rio vivo que não recebe nenhum tipo de poluição ou esgoto, mas que se encontra parcialmente assoreado, pois parte de sua mata ciliar foi derrubada pelos juruás (homens brancos) para o plantio de eucalipto. Fora

Artirize-se: Essa Terra Chamada Brasil Foi Invadida, Bolsa família, Nossas crianças estão sem água, precisamos da sua ajuda!, Kaingang, Acampamento Terra Livre, Entre Batismos e Degolas: (Des)Caminhos Bandeirantes em SP, John Mawe no Pico do Jaraguá



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