Get Even More Visitors To Your Blog, Upgrade To A Business Listing >>

Quanto melhor, pior? Uma reflexão sobre o jogo do último sábado

Mais Turistas por metro quadrado do que em qualquer outro jogo nos últimos 6 anos

Não quero ser alguém que gosta de desgraça. Não quero olhar para o meu time capengando nas divisões inferiores, sem calendário anual, sem disputar jogos fora de São Paulo, e dizer que está ótimo assim. Não quero dizer que quanto pior, melhor o time estará para mim.

Quero ver meu time bem, lutando entre os grandes, enfrentando as dificuldades e os desafios que o futebol de alto nível proporciona, calando estádios rivais lotados sempre que possível. Quero um Santo André como o de 2010, que mesmo roubado descaradamente, fez o Santos de Neymar, Ganso e Robinho tremer. Quero o Santo André de 2004, que silenciou um Maracanã de flamenguistas atônitos. Quero aquele Santo André de 1984, que não vi jogar, mas que me impressiona pelas histórias como a da faixa de campeão mundial do Grêmio sendo carimbada em nosso estádio.

Mas não quero as consequências que, hoje, isso acarretaria. Nos últimos 15 anos, por diversas razões, a população da cidade se afastou do Esporte Clube Santo André. Não tenho dúvidas de que o time fez por merecer. Ingerência, uma capitalização desastrosa, despreocupação com o torcedor, atitudes que fizeram com que somente meia dúzia de apaixonados, lunáticos ou problemáticos continuasse acompanhando o Ramalhão nas arquibancadas.

Eu não acredito em classes especiais de torcedores. Não acho que possamos classificar torcedores em melhores ou piores, em mais ou menos importantes, em mais ou menos apaixonados. Cada torcedor sente seu time de uma maneira, e desenvolve uma maneira de se relacionar com o time. Entretanto, aqui está um ponto importante: isso significa que torcedor é aquele que se relaciona com o time. Não interessa se nas arquibancadas ou nos radinhos de pilha. Torcedor é quem mantém um sentimento duradouro que o faz se sentir ligado ao time. Nesse sentido, é perfeitamente possível um torcedor ser “misto”. Nada impede que um sujeito goste de dois, três ou dez clubes. Cada um sabe da sua própria vida e de seus próprios sentimentos.

Porém, quando o Santo André começa a se destacar, sempre acontece um fenômeno que, para quem é torcedor, incomoda: surge gente, sabe-se lá de onde, para assistir ao time. Os torcedores os chamam de turistas. O que é um turista? Segundo o dicionário Michaelis, é aquele que viaja para se recrear. A definição me parece apropriada. Já visitei estádios de futebol por aí em dia de jogo entre clubes pelos quais não tenho qualquer simpatia ou antipatia. Creio que, em todas as vezes que o fiz, estava viajando a lazer. Não vejo problema algum nisso.

Depois de seis anos amargando jogos insossos, o Santo André chegou a uma semifinal de Campeonato Paulista Série A2. Se superar o Barretos, voltará à divisão principal do futebol de nosso estado, e terá chance de galgar novamente um espaço em competições nacionais. Aí, aquela meia dúzia de efetivos torcedores, que amargou jogos horríveis e elencos horríveis sem arredar o pé da arquibancada, vê-se dividindo o concreto com um monte de gente que parece ter caído de paraquedas naquele espaço. São os turistas.

Não há problema algum em haver turistas em um estádio de futebol. O problema é que eles são muitos, chegam todos de uma vez, e não demonstram qualquer interesse cultural por aquele novo ambiente. Não aparentam querer conhecer os usos e costumes que quem frequenta aquelas arquibancadas há muito mais tempo. Reclamam do que, para os torcedores, sempre esteve bom. E exigem aquilo que, para os torcedores, parece um absurdo.

São turistas. E são turistas da pior espécie. Não são turistas educados, que buscam novas vivências e aprendizados. São turistas construídos pela mesma lógica capitalista que monta pacotes turísticos para carnavais e outras festas populares, abarrotando eventos culturais com gente que não faz ideia do que está acontecendo ali; a mesma lógica capitalista que induz pessoas a fazerem trilhas em patrimônios ambientais, levando lixo e doenças, ameaçando a fauna, a flora e o estilo de vida das comunidades autóctones; a mesma lógica capitalista que estimula pessoas e gastarem suas economias indo para dez cidades em cinco dias, passando por diversos locais e não conhecendo, de verdade, nenhum.

No jogo de sábado, esses turistas eram maioria no Estádio Municipal Bruno José Daniel. Muitos Desses Turistas uniram-se em coro para criticar jogadores que, para os torcedores andreenses, são referência de raça e caráter. Muitos desses turistas praticaram gritos que não têm qualquer relação com o que se pratica habitualmente nas arquibancadas daquele espaço, sendo que o mais destacado desses gritos foi o inúmeras vezes repetido “OOO BICHA!” toda vez que o goleiro adversário repunha uma bola em jogo com os pés, uma prática homofóbica, desnecessariamente agressiva a um jogador adversário, e que nitidamente foi copiada de outros locais e de outras torcidas para se tentar impor à torcida andreense naquele momento. Muitos desses turistas permaneceram em silêncio sepulcral nos lances de ataque do Santo André, não entoando os tradicionais gritos puxados pelas torcidas organizadas, como “Ramalhão EÔ”, “É Santo André!” e o clássico “Uh, Ramalhão!”, sempre cantado após o time marcar um gol. Um desses turistas, usando, sabe-se lá por que razão, um chapéu ridículo de cabeça de dálmata, invadiu o campo após um dos gols, podendo causar prejuízos ao clube e à torcida. Turistas com camisas de outros times desfilavam nas arquibancadas, como se o interesse em ver e aprender outras culturas fosse de quem é visitado, e não do visitante.

Em suma: uma horda de turistas invadiu o estádio, trouxe para dentro daquele espaço seus próprios usos e costumes, e não absorveu nada da cultura local. Tal qual a lógica capitalista de reprodução do turismo propaga, foram a um espaço diferente do seu habitat social, fotografaram as paisagens e as pessoas que lhes foram mostradas através do ingresso/pacote turístico, e foram embora sem aprender nada sobre a cultura a qual invadiram.

Isso é sempre assim em jogos desse porte. E isso me leva a pensar que, se isso continuar sendo sempre assim, eu já não sei se quero ver meu time entre os grandes, servindo de atração turística. Se não é certo que quanto pior, melhor, por outro lado, parece-me que, quanto melhor, pior.

Texto publicado originalmente na minha conta pessoal do Facebook. Decidi postá-lo também aqui para tirar a poeira do blog. Este texto se refere ao jogo entre Santo André e Barretos, em 23 de abril de 2016, pela semifinal da série A2 do Campeonato Paulista. Em breve, posto também as fotos do jogo.

 




This post first appeared on Cenas Andreenses | Registros Da Torcida Mais Apaix, please read the originial post: here

Share the post

Quanto melhor, pior? Uma reflexão sobre o jogo do último sábado

×

Subscribe to Cenas Andreenses | Registros Da Torcida Mais Apaix

Get updates delivered right to your inbox!

Thank you for your subscription

×