Get Even More Visitors To Your Blog, Upgrade To A Business Listing >>

O cinza do papel usado

Quantas vezes você não acordou motivado a reescrever sua história? Quantas noites em claro você não passou pensando em como desenharia os dias que viriam? Conheço poucos que responderiam “nenhum” à essas perguntas — e devo ainda confessar que os que conheço, não gosto.

Nós, a maioria, somos o retrato das nossas escolhas ou, infelizmente, às vezes da ausência delas.

As nossas falhas muitas vezes não se dão nem ao trabalho de se esconder, algumas delas ficam ali, estampadas na pele: é a cicatriz no braço esquerdo que me lembra do dia em que ponderei mal o movimento do guidão, é o torto dedinho que um dia ficou na quina do corredor. É a nova pinta, nascida no dia em que “era só um mormacinho”. Aquela ruguinha na testa que surgiu naqueles meses em que decidimos morar juntos. É a queimadura na mão do derrubar do café quente no dia em que decidimos nos separar.

Passei muitas noites em claro procurando pela caneta pra escrever meu futuro ou reescrever meu passado. Perdi dias tentando encontrar a caixa de lápis de cor pra colorir meu presente. Até que um dia notei: crescer não é sobre o lápis, Mas Sim Sobre a borracha. Não é sobre escrever, mas sim sobre apagar.

Não dá pra escrever tolerância, sem apagar as marcas deixadas pelo dia em que ela não veio. É inútil desenhar o amor em cima da rasura do desamor ou da dor. Crescer é sobre apagar as vírgulas, transformar as interrogações em pontos. Mas é também sobre ter a borracha nas mãos e não acabar com o papel em branco.

As pessoas mais incríveis que eu conheço talvez não tenham as vidas todas traçadas, mas levam nas mãos uma capacidade gentil de apagar o rabisco das falhas do mundo, e da gente. Há, no meu ver, uma certa beleza no cinza que sobra no papel. Gosto da sensação de saber que ele foi usado, de que a vida está sendo vivida.

Há quem prefira as mãos cirúrgicas dos que não perdem a linha, mas sempre me encantei mais pelos que sabem recomeçar os desenhos sem desperdiçar o papel. Papel vegetal sempre me pareceu tentar aniquilar nossos instintos animais.

É hora de apagar dois dos pontos das nossas reticências. Talvez eu deixe uma marquinha para me lembrar de que existiram. Mas o corpo pede pra seguir com novos traçados e, quem sabe, até fazê-los a quatro mãos. Dessa vez, vou só me certificar de que a borracha esteja ao alcance de todas elas.




This post first appeared on Divagando Devagarinho – Muito Samba E Amor Até, please read the originial post: here

Share the post

O cinza do papel usado

×

Subscribe to Divagando Devagarinho – Muito Samba E Amor Até

Get updates delivered right to your inbox!

Thank you for your subscription

×