Desengonçados são os meus pensamentos vermelhos durante todos esses 90 minutos de perguntas e constatações.
Surpreendo-me ao perceber que, depois de muito tempo, principalmente depois do Liso que me adoçou a garganta e desafogou a alma, encontrei mais constatações do que perguntas.
A épica batalha contra o Cruzeiro que caiu no Real apenas não se equivale àquela, a dos Agoniados – afinal esta ostenta o permanente baluarte da primeira divisão.
Aos 30 minutos daquela refrega, sob saraivada de gols perdidos, na certeza que coisa boa dali não vinha, precisei recorrer a um dos meus usuais interlocutores da clínica em que moro.
Dessa feita, resolvi arrancar o meu amigo padre da sua prece noturna. Depois de muito esforço e lábia, consegui trazê-lo aqui para a sala de visitas onde a TV é maior e as enfermeiras rebolam com suas bandejas de gardenal e lassidão.
(O Padre foi técnico do time do convento e hoje comanda a equipe da Ala B. Não admira que fosse ele a iluminar minhas penumbras rafaelmourinas com as divinas palavras da despaixão.)
Desarrolhei a garrafa que mantenho no buraco da poltrona, ofereci um golo ao santo, outro ao Padre.
- Me diga – consultei-me – onde esse uruguaio tá com a cabeça para mudar de jogador como quem troca a erva da cuia?
- Meu filho – ele começou – há coisas que você não pode entender. É mais ou menos como a Santíssima Trindade Vermelha.
- Pífero, Aguirre e o Spirit Club Internacional?
- Esses.
- O que têm eles?
- Vou explicar.
- É bom mesmo, Padre.
- Tem um papo lá entre presidente e técnico que vocês não conhecem e é o seguinte.
- Diga.
- Digo. Projeto para o ano inteiro, Campeonato Brasileiro como meta principal, mas não única.
- E a Liberta?
- Se vier é lucro. Quiseram testar todos os jogadores.
- Mas…
- Sim, mesmo o Rafael. Sabe como é. Cheguei agora, jogador contestado, comigo ele joga.
- Sei… Já vimos esse filme B daqui mesmo, deste sofá esburacado.
- Mas não é só isso.
- Tem mais?
- O principal. O Aguirre é um revolucionário, o Che uruguaio.
- Não exagere.
- Ele não vai ter uma equipe base de 14, 15 jogadores, mas de 30.
- Não é demais? Só jogam 11…
- Para o ano todo. Ele tem garantias de ficar mesmo sob bombardeios do exército do Batista.
- O ditador cubano?
- O comentarista.
- Será?
- Você não acha que começou a dar resultado?
- Bom… Temos laterais.
- Lisandro López.
- Esse vai ser o cara.
- Temos um volante.
- É verdade, Padre. Mas um só por enquanto.
- E você deve ter percebido que o Aguirre é rápido para perceber os problemas do time.
- O time jogou bem até.
- Com intensidade, filho. Do início ao fim. Com velocidade sem correria. Do início ao fim.
- Com Juan e Ernando. Do início ao fim.
- Do ano.
- Aí é brabo.
- Mais um gole?
- Vou tomar meu Rivotril.
- Vamos rezar.
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