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Como definir “milagre”?

Pelo menos desde David Hume, os milagres são frequentemente definidos tanto por defensores como por críticos como violações de leis da natureza. A ideia é que as leis da natureza descrevem uniformidades efetivas que ocorrem no nosso mundo. Mais especificamente, são generalizações universais que descrevem o que ocorrerá ou não sob determinadas condições específicas. Por exemplo, algumas das nossas leis confirmam que a água não se transforma instantaneamente em vinho. Por isso, se realmente a água se transforma em vinho, deve-se a uma violação em tais leis. Com base nesta definição de milagre, pode-se defender com algumas premissas adicionais que é irracional acreditar em milagres (ver aqui).

Mas será plausível definir milagre como violação das leis da natureza? Podem-se apresentar algumas dificuldades relevantes contra essa definição. Analisando algumas dificuldades conceptuais, pode-se alegar que o entendimento de milagres como violações de leis da natureza pressupõe que tais leis são deterministas. Contudo, isso é bastante disputado. Pois, tal como aponta o filósofo Peter van Inwagen (2016), a vida depende da química e a química depende de átomos e átomos dependem da mecânica quântica e a mecânica quântica é essencialmente indeterminista1. Ora, se as leis da natureza são indeterministas, pode então parecer que é dado a Deus mais “espaço” para realizar milagres sem referência à violação de leis. Em suma, não pode haver violação de leis se elas forem indeterministas.

Além disso, pode-se argumentar que pelo facto de nos depararmos com uma instância contrária às leis estabelecidas apenas demonstra que estas podem ser inadequadas ou incompletas, sendo que devemos estar sempre dispostos a expandir as nossas leis naturais para acomodar qualquer ocorrência efetiva. Ou, como defende Timothy McGrew (2016), se as leis da natureza são simples afirmações de regularidades naturais, então uma suposta “violação” seria mais naturalmente uma indicação de que aquilo que pensávamos que fosse uma lei, afinal não é realmente uma lei. Se esta linha de raciocínio for plausível, então uma violação das nossas leis da natureza é conceptualmente impossível. Assim, perante efetivas instâncias contrárias às nossas atuais leis, é razoável continuar à procura de leis novas e modificadas para possivelmente acomodar a anomalia em questão.

Mas, se os milagres não constituem violações de leis de natureza, como definir milagre? Uma outra possibilidade é entender milagre como aquilo que vai além da ordem natural. Nesta linha, Tomás de Aquino define milagre como um evento que excede o poder produtivo da natureza. Por exemplo, Deus poderia ocasionalmente produzir algumas partículas elementares com poderes causais diferentes dos seus normais. Ainda outra possibilidade seria entender milagre como coincidente com a explicação natural disponível. Serão estas definições rivais melhores? Haverá alguma outra mais plausível? Talvez se possa defender com alguma plausibilidade que um milagre é um evento não usual, inesperado, e observável que se deve em parte à atividade interventiva direta de Deus. Mas não será tal definição demasiado genérica? Ainda fica por explicar realmente qual é a natureza desse próprio evento não usual e inesperado.




  1. O indeterminismo é a tese segundo a qual nem todos os acontecimentos são a consequência necessária de acontecimentos anteriores e das leis da natureza.↩


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