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Intolerância: ignorância ou ingenuidade?

Desde que eu me conheço por gente, e até antes disso, a intolerância é notícia quase diária nas páginas dos jornais. Casos de agressão tomam conta das páginas policiais cada vez mais, contra negros, judeus, gays (como esta, uma das mais recentes em Porto Alegre, por exemplo). Gente que se julga, de algum modo, superior por causa da sua raça “pura” ou por sua condição sexual “correta”, os “certinhos da vida”, se acham no direito de fazer justiça com as próprias mãos neste mundo tão desorganizado e bagunçado. Pobres de espírito.

Mal sabem eles das origens das suas famílias (ou sabem, e sentem vergonha) – ainda mais, falando do caso dos brasileiros, todos, sem exceção, miscigenados e, pelo menos uma boa parte da população, de origens pobres, origem escrava, origem prostituta. Porque eu duvido que senhor de engenho algum, por mais nobreza que tivesse em sua sala de estar, não tenha tido uns momentos de prazer com a escrava mais nova, mais negra, mais gostosa, mais sofrida da fazenda, ou com o mulatinho mais desobediente, rebelde e musculoso. Duvido que o bisavô alemão mais racista não tenha tido um caso secreto com a filha dos judeus da loja da esquina ou, “pior”, não tenha amado desesperadamente uma delas, do tipo daqueles amores proibidos dos filmes da década de 50, nos quais os apaixonados se encontravam às escondidas, faziam juras de amor eterno, até acontecer uma tragédia, e o “mocinho” ter que casar com outra. Eu duvido que não tenha sido assim, por décadas – quiçá, por milênios.

Aí vem um playboyzinho que teve tudo na vida, e sabe-se lá Deus o porquê, tem a mente – ou o coração, como quiserem – cheia de ódio, cheia de ensinamentos (que ninguém sabe ao certo de onde saíram) sobre a “moral e os bons costumes” – regras que até ele não deve saber direito quais são – querer ensinar o mundo como se deve ser. Negros serão sempre menos do que brancos, judeus merecem morrer, gays são esse erro da humanidade. Teve tudo na vida, só não sabe pensar.

Vou me ater aos gays, neste post, e já entenderão o porquê. Essas pessoas fazem passeatas para lutar por seus direitos – direitos básicos, como o de poder ser quem são. Passeatas essas que não são violentas, não agridem ninguém; é, no fundo, uma grande festa, uma festa que celebra a diversidade. Daí os machos não se aguentam, e criam uma passeata pelo direito de ser heterossexual. Porque ser hetero é sofrer preconceitos, é ouvir piadinhas o dia todo, é apanhar na rua covardemente, entrar em coma, sofrer abuso. Ah, é, bem isso. Só que ao contrário.

Não, eu não sou gay. Não me sinto atraída sexualmente por mulheres. É a minha condição. Mas eu tinha um tio que era gay. Não, ele não ERA e depois deixou de ser; ele sempre foi e morreu assim. Era um dos cabeleireiros mais adorados do centro de Porto Alegre, no salão que levava seu nome durante aproximadamente 25 anos. Era daquelas bibas escandalosas, que ia praticamente travestida trabalhar: cabelos compridos, maquiagem no rosto, salto alto ou plataforma. Minha mãe escolheu ele para ser meu padrinho. E ele nunca me deixou na mão: sempre me ouviu, sempre quis me ajudar, sempre separou matérias em jornais que achava que eu ia gostar para eu ler e, claro, quando possível, cuidava do meu cabelo. Acima disso, sempre me ouviu em brigas minhas com o resto da família, e sempre procurava mediar as situações desconfortáveis. Metade do meu nome eu devo a ele – a parte do “Loren”, que veio diretamente da Sophia, sua musa. Eu amava este homem, e hoje ele não está mais aqui. Posso dizer que eu amei loucamente um gay, e não tenho vergonha disso. Era, debaixo de toda a maquiagem – sempre impecável – outro ser humano, como nós, heteros.

Uma vez fui numa festa gay, com mais uns oito gays. Acho que nunca ri tanto na minha vida, de todas as piadas que eles faziam, e também acho que nunca dancei tanto na minha vida. Eram em sua maioria adolescentes – assim como eu – e estavam saindo escondidos dos pais (muitos porque os pais simplesmente não sabiam da sua condição, alguns porque eles não aceitavam). Lembro de, um momento na noite, me sentar no balcão com um desses meninos e uma drag queen que trabalhava no local, e falar sobre como eles se sentiam a respeito da sua condição e da aceitação das pessoas na volta. Triste foi ouvir que quem mais recriminava eram seus pais. As mães, na maioria, aceitavam mais facilmente, mas os pais, não. Pais perdendo vínculos com filhos por causa da sua condição sexual: será que não tem nada mais importante do que qual sexo os filhos preferem? Triste, só isso.

Então, sim, tenho pena – não conheço outra palavra pra descrever o que sinto – desses preconceituosos, desses que não aceitam seus filhos, desses que batem, desses que querem curá-los da sua doença (leia essa aqui). Sinto pena porque eles perdem em todos os sentidos: perdem por não abrirem a mente, perdem por não aceitar as pessoas como elas são, perdem por não contemplar mais faces da mesma humanidade que possuem, perdem a possibilidade de fazer mais amigos. Não sei, como a pergunta do post, se isso é ignorância – no sentido mais simples da palavra, a de ignorar, no caso, outros pontos de vista sobre um assunto que, para eles, já tem seu ponto final – ou se é ingenuidade, um caso de uma criança que não sabe nada ainda. No fundo, no fundo, pra mim, parece hipocrisia – como disse antes, alguém que conhece, ou, pelo menos, que tem noção dessa diversidade toda do ser humano e, simplesmente, não aceita. Sinto pena, porque, em última instância, intolerantes são só perdedores. 


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