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O dia em que Darth Vader perdeu o avião (ou "A arte de rir de si mesmo")

No ticket, a saída do meu avião estava marcada para as 14:00 Horas. Olhei de lado, inclinei-me sobre minha mochila, e vi na tela: “voo 1414 – previsto”.

Sentado na cadeira azul do aeroporto de Congonhas, tinha que, volta e meia, debruçar-me sobre a minha mochila de colo para conseguir ver melhor a tela que me informava qual a situação do meu voo. Fiz isso e vi: “1414 – previsto”.

Eu havia chegado bem antes do horário de partida do voo. Resolvi, então, ligar meu computador. Como ele estava sem bateria, procurei liga-lo na torre de tomadas bem ao lado da minha cadeira. Todavia, não consegui acessar a internet. Percebi que era pura falta de experiência da minha parte em fazê-lo. Esforcei-me mais uma vez e vi: “1414 – previsto”.

Aliás, explico aqui, voar de avião é algo nada rotineiro para mim. Lembro-me de viajar de avião somente na minha infância. Como se vê, minha experiência com o mais seguro de todos os transportes é mínima. Frustrado com meu fracasso em tentar acessar a internet, guardei meu computador na mochila e, mais uma vez, esforcei-me para ver a situação: “voo 1414 – confirmado”.

Confirmado? Confirmado?! Confirmado! Ufa!!! Finalmente, confirmado. Por onde será que andava esse avião que só agora o localizaram? Decerto, deveria ter-se perdido em algum aeroporto por causa de um passageiro sem relógio – só pode! Eu mesmo tentara neste ano ter um celular, pelo menos para acessar as horas ou ser achado pela minha esposa, mas logo me perdi com as infindáveis chamadas do whatsapp e acabei desistindo de possuir um desses aparelhos.  

O importante, porém, é que eu já podia ficar mais tranquilo, que agora era certeza de viajar naquele dia. O meu avião estava confirmado: “voo 1414 – confirmado” para as 14:00 horas. Observei as horas no relógio de pulso da moça sentada ao meu lado: “13: 15”. Tempo suficiente para comprar umas lembrancinhas para minhas 3 meninas (esposa e duas filhas), que estariam me aguardando no aeroporto de Cuiabá.

Levantei-me com dificuldade, pois a mochila e a minha mala de mão estavam pesadíssimas, mas, indubitavelmente, não as despacharia para não correr o risco de vê-las desviadas para algum outro lugar do Brasil, enquanto eu me dirigia para a capital do Mato Grosso. Ouvi muitas dessas histórias de divórcio entre passageiros e suas bagagens para querer correr esse perigo.

Fui em direção à livraria, localizada bem ali ao lado de onde estava sentado. O que comprar para as minhas meninas? Havia um sapo num copo de plástico, cuja proposta, pelo que eu pude entender, era afoga-lo para vermos o anfíbio virar um príncipe. Foi-se o tempo em que um beijo de um verdadeiro amor seria muito mais eficiente na operação de milagres assim!

Outra lembrancinha poderia ser uma garrafa para quem gosta de fazer exercícios físicos, cujo diferencial era um pino que seria usado para borrifar água e refrescar o esportista. Evidente que este seria um presente para minha esposa que, neste ano, está empolgadíssima com seus exercícios de “walk-walk”.  

Por fim, na estante de livros, achei um título muito engraçado e que logo me chamou a atenção: “A princesinha de Vader”. O livro é uma brincadeira com a imaginação dos fãs de Star Wars. E se Dart Vader tivesse criado Leia e Luke? Há um livro sobre a criação de Luke, mas nem me interessei, porque a minha identificação é sempre com pais de meninas e não de meninos, que já é outra galáxia.

Tenho duas meninas, uma de 10 e outra de 12 anos de idade. Logo que vi o livrinho cheio de gravuras humorísticas, percebi a descrição que dizia que numa galáxia muito e muito distante havia Dart Vader lutando para tentar criar e educar sua pequena Leia. Ela estava crescendo e começava a querer impor sua própria vontade diante do pai, passando para o lado dos rebeldes (quem é fã, logo entenderá a brincadeira).

A cada página virada, a cada gravura vista, brotava um sorriso do meu rosto. Criar meninas é uma tremenda aventura que deixava até o poderoso Dart Vader em maus lençóis.

Numa das gravuras, Vader precisa se controlar diante da surpresinha que sua filha tricotara para ele: uma proteção de lã para seu capacete! Diga-se, uma touca vermelha que ela havia feito para o pai e que ele agora tentava encontrar as palavras certas para agradecer a sua filhinha: “Só diz para ela que gostou...”, pensa consigo mesmo o poderoso Lord Darth Vader.

Noutra cena, com a qual também me identifiquei, vemos Leia vestida com aquela roupa de escrava de Jabba, ao que, imediatamente, dita o paizão Vader – conquistador do Universo – com toda a autoridade para sua filha: “Você não vai sair de casa vestida assim”!

Acredito que muitos pais passam por isso. Sempre há aquele momento no qual nossos filhos acabam vendo seus pais como os grandes vilões do lado negro da força. E para os pais – lutando contra o que pode haver de pior na sua própria natureza masculina negra – tentam evitar a fuga dos filhos para o lado das forças rebeldes.

Sim, se até Vader tem suas dores de cabeça, por que meros mortais como nós também não teríamos? Entretanto, após gravuras e gravuras de batalhas e lutas na educação de sua princesinha, o livro termina com Leia dando um gostoso abraço no seu pai Vader. Como não se identificar? Por isso tudo, eu pensei em comprar aquele livrinho antes de sair o avião. Avião?!

Saí dali da papelaria sem comprar nada, pois queria confirmar que horas sairia o tal voo das 14 horas, pois já eram 13:50 e nada de me chamarem! Ao me dirigir para a saída do embarque, vi que na tela do vídeo não havia mais nenhuma referência ao voo 1414. Tive um mau pressentimento (será que já estava me transformando num Jedi?).

“Moça, que horas vão nos chamar para embarcarmos no voo 1414?”. Ela me olhou firmemente nos olhos e disse: “Senhor, as portas já foram fechadas. Onde o senhor estava?”. Tentei explicar que estive o tempo todo bem ali na sala de embarque. “Aqui?! O senhor estava aqui o tempo todo? E o senhor não ouviu a chamada?!”. Perplexo com a situação inesperada, eu só podia responder: “Não”!

Não vou negar que um nó na garganta travou o meu choro. Não sei se queria chorar porque havia perdido o voo estupidamente ou porque previa que minha chagada em casa iria se tornar uma angustiante romaria. “O que eu faço agora?”, perguntei.

“Qual o seu nome, senhor?”. Respondi: “Vader, quer dizer, Fábio... Desculpa”! Consultando o computador, ela disse: “Só faltou o senhor para embarcar. Mas agora as portas do avião já fecharam!”.  Tentei insistir com ela: “O que eu faço agora, senhorita?”.

“Há um voo ainda, mas tem dois problemas: primeiro, ele tem conexão e o senhor só vai chegar em Cuiabá lá para as 10 da noite; e segundo, o voo já está para sair, assim, o senhor deve correr para remarcar no check-in”, esperançou-me ela!

Saí correndo para o check-in e, uma vez com a passagem trocada, disparei para o embarque carregando minhas duas enormes e pesadas bagagens de mão comigo, que o portão de embarque para essa conexão era no andar de cima e no final de um longo e interminável corredor.

Enquanto corria esbaforido e tropeçando pelo corredor daquele aeroporto, pedindo desculpas aos que eu atropelava pelo caminho, pensei que nem tudo em mim era assim tão parecido com o Vader. Tenho certeza que, no meu lugar, Vader já teria controlado a mente do piloto do avião e o obrigaria a espera-lo, do contrário, todos seriam mortos naquele voo.


Além disso, o meu pressentimento jedi indicava-me que, apesar de Vader ter seu sistema respiratório totalmente comprometido devido às terríveis queimaduras sofridas, ainda assim, Darth Vader estaria em muito melhor forma física do que eu me encontrava naquele momento. Todavia, no fim de toda aquela aventura, consegui pegar o novo voo e voltar para o meu Império (ainda que com 8 horas de atraso). 


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