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De volta à vida. De volta ao Blog

Hoje amanheci igual... pensei o que pensei, fiz igual ao que foi feito. Experimentei o  déjà vu e re - postei um escrito.
Três anos e pouco depois, não mudei quase nada nesta imensa mudança que sofri...

"O difícil não é imitar a grandeza com a desmesura. O difícil é que a alma não seja anã."- Vergílio Ferreira



Toda a Sociedade Está dentro de Mim



Fazer qualquer coisa ao contrário do que todos fazem é quase 
tão mau como fazer qualquer coisa porque todos a fazem. Mostra uma igual preocupação com os outros,
 uma igual consulta da opinião deles - característica certa da inferioridade absoluta.
 Abomino por isso a gente  que se preocupa com seres imorais ou infames,
 e com o impingir paradoxos e opiniões delirantes. 
Nenhum homem superior desce até dar à opinião alheia tal importância que se preocupe em contradizê-la.
...


(Fernando Pessoa)









Só se ouviam os meus passos na pedra preta do basalto da viela, sem passeios a contrastar, estreita e claustrofóbica, cortada por entre prédios atarracados e velhos  como se de uma cicatriz se tratasse. Sorri à ideia do caminho para a livraria do portão escuro, enegrecido pelo tempo, onde se guardavam memórias por dentre folhas esquecidas e amarelecidas pelo tempo, necrópole de autores consagrados e de outros não tão conhecidos, mas cuja magia osmótica contagia e se apodera de quem a absorve. Um candeeiro acendeu a sua luz fraca e trémula que anunciava o crepúsculo, arauto da noite. Olhei o número num azulejo escuro e gasto incrustado na parede. Era ali.

Ali, naquela porta verde e baixa, não se guardavam livros. 
Entrei para a sala iluminada por quebra-luzes de vitral, garridos e sujos de pó que espalhavam um caleidoscópio de cores desmaiadas pelos cabides e cruzetas que cobriam  paredes de cor indefinida.
"Vidas em Segunda Mão" - dizia o letreiro sobre a porta, para quem sabia o que procurava; era uma placa ferrugenta, imperceptível e gasta pela erosão das vidas que entravam e saiam, das que ficam e das outras que iam experimentar a mudança.
Entrei e a miúda ao canto junto à registadora, não levantou os olhos do telemóvel onde os polegares batiam ágil e velozmente, nem sequer respondeu  à minha saudação, limitando-se a dizer "Esteja à vontade"... seguramente não estava preocupada que eu lhe roubasse uma vida usada.

Havia-as para todos os gostos. Levei 3 para o provador.

Experimentei a de estrela de cinema. Era tamanho único e estava muito apertada. Apesar de ser maravilhosa, estava esfiapada por dentro e cheia de manchas de vícios mil. Não se podia alargar pelas costuras... já tinha sido escortanhada até ao impossível. Despi-a com pena, deixei-a do avesso com o glamour a assomar por dentre os alinhavos dos remendos... não era para mim.

Experimentei a de político. Assentava-me que nem uma luva, mas convenhamos que aquela espécie de lycra se molda a qualquer corpo com vontade de a envergar. Fedia. O cheiro era tão intenso e nauseabundo que seria necessário um estômago forte e falta de sentidos para a poder vestir. À segunda contracção do bucho, despi-a. Foi como me estivesse a esfolar viva; aquela vida apegara-se-me tão intensamente que a tarefa de a conseguir tirar por completo e mais ao nojo que a assistia me agastou anos à minha própria vida... não era para mim.

Experimentei a de aventureiro e atleta saudável. Esta havia-a em diversos tamanhos porque a vontade de começar é grande e o início auspicioso, mas com o passar do tempo , quase todos a trocam pela vida sedentária, familiar, bem nutrida e  mal regrada ... a única esgotada no escaparate.
Saltos de para-quedas não,  que tenho vertigens e me falta o ar. Mergulhar em apeneia não,  que tenho claustrofobia e me falta o ar. Comer alface não, que sou uma barulhenta pertinaz, mas não sou grilo... e apesar de impregnada com o maravilhoso e inebriante cheiro do ar puro , tive que a despir... não era para mim.

Saí cabisbaixa dos provadores e olhei melhor para as vidas em exposição : as melhores, nem eram de marca, não passavam de tristes imitações baratas, as outras, coitadas, estavam puídas pelos usos e  desusos.
Sorri para comigo e pensei que mudar de vida , afinal  não é assim tão fácil. Nem é tampouco importante. A minha vida não é nova, nem de marca, mas é boa. Só precisa de uns pequenos ajustes aqui e ali e talvez dure ainda mais uns aninhos, ou quem sabe, seja muito mais resistente do que parece e me acompanhe até ao fim.


                                         


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