"É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com Sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava."
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José Saramago
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia.
Baila, baila e rodopia
E tudo baila em redor.
E diz às flores, bailando:
- Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando.
E suas folhas, tombando,
Uma se esfolha, outra cai.
E o vento as deixa, abalando,
- E lá vai!...
Afonso Lopes Vieira
Os meus olhos já não vêm como viam.
Voei num embalo de vento agreste, à procura do que o meu olhar guardou há tantos anos.
E o vento levou-me onde quis ir. Contou-me sussurrando a mesma história secular que nem a erosão do tempo deixou esmorecer no meu espírito.
Segurei um pé de vento e voei.
Pousei onde tinha estado na aurora dos meus dias, quando tudo era claro , alegre e despreocupado.
Regressei no entardecer, no momento em que as cores se esbatem no azul plúmbeo de um céu de outono, já gastas pelo passar dos minutos e das horas.
O manancial da palavra escrita que acumulei durante tanto tempo abriu os tomos do conhecimento e as letras libertaram-se e formaram palavras que giraram e voltearam e me levaram por pedras e frestas, ao pormenor que desconhecia.
E vi, vi de novo como se fosse a primeira vez que via.
Aguardei feliz o pé de Vento que me faria regressar, mas demorou.
Deu-me tempo para me perder no tempo e mergulhar no novo olhar.
Sei que no ocaso, tudo será diferente, que os meus olhos não verão como vêm agora.