"Existem noites em que os lobos ficam em silêncio, e apenas a lua uiva."
George Carlin
Luar, luar,
Toma o teu ar,
Deixa a minha menina
Crescer e medrar.
Lua, Luar
Toma lá esta menina
Ajuda-ma a criar
Tu és a Mãe, eu sou a ama
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Cria-o tu que eu lhe dou mama
( Fotos de MD Roque, 5-3-2015)
"Anda cá ver", chamou ele da janela de trás. Eu estava na cozinha à volta dos tachos no ritual diário das sete da noite, enquanto olhava pela ampla janela o fogaréu que o pôr do sol acendera lá ao fundo e sorria, como sempre sorrio à beleza de um momento que gostaria de poder imortalizar fora das minhas recordações.
Apaguei o fogo que ateara no fogão e fui lá atrás ver.
Subindo alegremente por detrás dos prédios no lusco fusco dum céu cinzento-azulado, a lua brilhava radiante, brincando com as meninas dos olhos que se contraíam à luz.
Sorri de novo à lembrança de outras meninas e às palavras da minha Mãe.
"A menina está com a lua" disse ela enquanto a pequenina revirava os olhos no seu cândido sono. " Lembras-te como é ? Como a Avó Júlia ofertava as crianças à Lua? Tens que o fazer numa noite de Lua Cheia"
Lembrava-me bem. A varanda comprida, a luz apagada, a noite escura. Só nós as mulheres, a criança e a lua. Não era coisa para homens, eles não podem porque só plantam não criam, não têm ventre fértil.
Lembro-me da Bisavó pegar o Menino nos braços, levantá-los e a ele à lua e proferir palavras que aprendera com quem aprendera de quem já tinha aprendido.
Luar, luar,
Toma o teu ar,
Deixa o meu Menino
Crescer e medrar.
Lua, Luar
Toma lá este Menino
Ajuda-mo a criar
Tu és a Mãe, eu sou a ama
Cria-o tu que eu lhe dou mama
Lembro-me do silêncio, do jogo de sombras e luz que a Lua pintou na figura da Bisavó Júlia conferindo-lhe a aparência de uma gentia estátua de alabastro, lembro-me da cor esverdeada nas feições das mulheres em segundo plano, lembro-me que na parede atrás de nós adensavam-se figuras amorfas numa amálgama de assombro e escuridão.
Lembro-me do choro do Menino, a quebrar aquele momento de silêncio pagão e belo. Lembro-me de ficar feliz quando acabou, porque eu tinha onze anos e muito medo.
Quanto tempo passou... muito mais de quarenta anos. Olho de novo para a Lua no céu e parece-me tão igual. Eu já não sou criança. O Menino já não é bebé. Nós crescemos, mudámos, mas a lua continua a sorrir-nos com o mesmo sorriso trocista e enigmático da feiticeira que é, detentora do poderoso encanto do tempo e da magia da noite.
Outro tempo, outras crianças, a mesma lua,o mesmo mar de luz, o mesmo ritual.