"Em vez de pintar coisas puseram-se a pintar ideias."
Ortega y Gasset
Tempo — definição da angústia.
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
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Miguel Torga
Divago no vazio do olhar que preguiça, volto a olhar e não me chegam os detalhes, não os sinto, não me falam. Baixo a mão desanimada que segura o pincel e reparo que os braços disformes que marcam o tempo indicam que já passou muito.
Que perda de tempo estar a olhar tanto tempo para o vazio, para aquela terra de ninguém, onde nem as ideias se esboçam arquitectadas em pensamentos ou fantasias.
Também quem me manda aceitar pintar ideias dentro de um prazo ?
Eu que nem sei a forma que um prazo tem e agora há prazos para tudo. Como garantir que não pintarei qualquer ideia já fora de prazo dentro do prazo que me deram ?
Comecei bem, cheia de ideias. Chegavam-me aos molhos, em catadupas, ouvia-as fervilhar-me ao ouvido, bem dentro do pensamento. Depois foi-se instalando a inevitável inquisição sobre a qualidade, a prioridade, a assertividade, a originalidade, a validade, ... sobre toda e qualquer idade em que se cria e desenvolve uma ideia...
Pincelada aqui, dripping ali, frottage acolá, a ideia foi ganhando cor e dimensão. Durante breves momentos, cheguei a senti-la corpórea e poderosa.
Deve ter sido uma noite desesperada aquela em que não consegui segurar a ideia e ela desapareceu.
Agora para aqui estou, a olhar o infinito na parede crua meia dúzia de palmos à minha frente, presa a um pincel de tinta escura, a criar profundidades tristes como abismos vagos de ideias.
Ping !
Então? Então?
Ainda entorpecida pela inação noto que um pingo negro se desprende displicente mas veloz do pincel que equilibro relaxadamente nos dedos.
Olho, procuro, vasculho... nada !
Atento na coluna da direita, onde estão os magos das letras e noto uma sombra sobre o Delito. Pode ser só opinião minha, mas o marafado do pingo fugiu pelo link . Esperto que só ele, pensou que poderia esconder-se naquela floresta densa e colorida de ideias, ideais e opiniões, megalómano como ele só, cogitou no seu íntimo que uma mancha poderia ascender aos píncaros da cultura em toda a sua magnitude. Que mesquinhez querer elevar um borrão ao estrelato!
Encontrei-o anichado entre o Pedro Correia , a Francisca Prieto e o Rui Rocha, a tentar acinzentar-lhes a prosa, não fosse para tal necessário muito mais do que uma simples nódoa. Esmaguei-lhe a intenção com a manga da camisa. Não causara dano.
Foi então que a ideia entrou de rompante, como aquele pé de vento naquele Domingo à tarde que virou tudo de pantanas e ninguém deu por ele:
Vou pintar esta ideia sobre a ascensão e queda de um borrão egocêntrico, insolente, prepotente e atrevido, sobre uma nódoa de alma de sombra negra em todas as suas nuances e tonalidades.
Grande ideia esta!
Até já lhe sinto as cores !
Aposto que nunca na história da humanidade surgiu ideia mais original !