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Viver ao lado das diferenças faz muito bem


"Estimule seu filho a conviver com os diferentes e com as diferenças. Faça isso para ele, mesmo formado, empregado e bem remunerado; não se torne um idiota completo nos moldes do dito 'patriota' e 'cidadão de bem'." - Paulo Branco Filho, Cronista e professor.

Esta frase do meu amigo Paulo Branco trouxe lembranças do passado, na fase em que eu era manso, coxinha e careta. Um período, se caso estivesse alguma máquina do tempo, contornaria a situação, mas isso é impossível e deixamos para isso para trás.

Em que me lembre, quando estava naquela fase juvenil/ adolescente, vivíamos sob os rótulos das aparências e do caráter. Ouvíamos e éramos treinados a entender que as pessoas diferentes de nós eram perigosas, poderiam estragar os hábitos e valores tradicionais da família. Esses conselhos eram vindos dentro e fora de casa.

A escola era o mais perfeito “laboratório” para exclusão. Não poderíamos fazer amizades com gays, praticantes de religiões de matrizes africanas (o famoso “macumbeiro”) e outros de condutas duvidosas. Era comum, por exemplo, um vizinho bem-intencionado comunicar ao nossos pais que estaríamos em má companhia e o perigo de ter o caráter questionado era grande. Ser diferente era crime. Ser amigo dessa gente “diferente” era ser igualado ao mesmo.

Não foi fácil. O processo de libertação mental é duro para ser quebrado e exige muita luta e perseverança. A libertação começa a partir do momento em que não me sinto mais identificado com a religião e começo a explorar outros caminhos sem requisito pré-determinado.

No início dos anos dois mil minha vida começa a tomar outros rumos. Movimentos sociais, pré-vestibular comunitário e estudo de história fizeram-me olhar o mundo e todas as suas formas de diversidade. Foram laboratórios. Desde então, mais independente na opinião e formação, passo a olhar aquele que é diferente não como inimigo desagregador de costumes, apenas diferente. A partir dessa mudança de comportamento, tudo se torna fácil para o melhor entendimento. Afirmo: não é fácil. São trabalhos que devemos incutir como novos hábitos de ideias e comportamento. Livre-se da máscara da hipocrisia.

O episódio envolvendo aquele motoqueiro e o morador do condomínio, na cidade de Valinhos, no estado de São Paulo, cabe perfeitamente na frase acima descrita pelo professor Paulo Branco.

O fim da escravidão no século 19 não significou o reconhecimento dos libertos ao direito à cidadania. O Estado também não preparou os cidadãos libertados a acolherem os emancipados. Nada mudou, inclusive a obra da escravidão que continua incólume e ativa. A ação do morador do condomínio que quis colocar o entregador no seu devido lugar é típica das classes dominantes e também comum nas classes menos favorecidas. A única diferença é que essa última reproduz os modos operantes de opressão.

Ainda é válido destacar que no Brasil houve quem se beneficiou com as políticas de inclusão social e distribuição de renda e passou a alcançar voos mais ousados. Isso deixou furioso quem estava habituado a estar na zona de conforto, a não repartir seus espaços sociais com os diferentes e as diferenças. Tudo isso provocou uma avalanche de ódio racial, classe, gênero e religião.

De nada serve a velha propaganda de que somos uma nação múltipla e colorida, em que ainda pese manter-se apartados os diferentes, colocando-os num mundo à parte. Quem tem a ganhar com isso? Ninguém.

O ex- Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, na sua tese de doutorado* em defesa das Ações Afirmativas, destacou que empresas que trabalham com perfil das diferenças só tem a ganhar com isso. O ambiente de trabalho fica mais produtivo, leve e harmonioso. Partindo da convivência diária, todos passam a relatar experiências diferentes umas das outras.

Sabemos que este trabalho de tratamento aos diferentes e a diferença é longo. Ainda há arestas que não se desmancham tão fácil assim. São trabalhos pautados na paciência e que no futuro vamos testemunhar o surgimento de outras gerações onde o respeito ao próximo e as barreiras que impediam o convívio entre os diferentes, porém iguais, passem a ser fatos do passado.

* - As Ações Afirmativas e os processos de promoção da igualdade efetiva_ BARBOSA, Joaquim Gomes.
Seminário internacional _ As minorias e o direito.


O texto é dedicado a todas famílias dos cento e vinte mil mortos pela COVID 19, a atriz Chica Xavier e o Bispo ativista Pedro Casaldáliga.

(Texto escrito por Fabio Nogueira, estudante de história e professor voluntário de pré vestibular comunitário.)






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