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A terceirização e a precarização do trabalho jornalístico


Ontem, 22 de março, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei da terceirização, que prevê a subcontratação de qualquer serviço, inclusive da atividade-fim.

Com essa regulamentação, o número de jornalistas “frilas” (freelancers), “frilas fixos” e “pejotas” deve aumentar vertiginosamente, bem como tornar mais grave a precarização do trabalho jornalístico e a flexibilização da carreira.

Independentemente da lei, a terceirização e o trabalho precário são práticas gêmeas, generalizadas e crescentes na mídia brasileira, que se propagam há décadas.

A pesquisa “Perfil do jornalista brasileiro” evidencia que 12% atuam como “frilas” (freelancers), prestadores de serviços esporádicos; 8% “frilas fixos”, com jornada de trabalho regular e 7% “pejotas” (uma gambiarra trabalhista), ou seja, pessoas físicas contratadas na condição de pessoas jurídicas.

Partindo da estimativa de 146 mil jornalistas brasileiros, 55% atuam na mídia (80 mil) e, destes, 60% trabalham com carteira assinada. Portanto, restam 12 mil jornalistas que prestam serviços na condição de “frila”, desempregado e outros vínculos.

Para estimar os impactos da terceirização na precarização do trabalho jornalístico, eu realizei uma pesquisa com 71 jornalistas terceirizados, sendo 56% do sexo feminino; a maioria na faixa etária de 31 a 50 anos (61%). O maior número de respondentes, 47%, é do estado de São Paulo.

Destes, 76% atuam como “frila” (freelancer), 44% como “frila fixo” e 49% como “pejotas”.

Mas por que essa parcela de jornalistas atua nesse formato? Para 55%, por uma necessidade do mercado (“não consigo emprego fixo”) e outros 25% por imposição da mídia, de empregado para a condição de “pejotas”.

Outro grupo aponta uma estratégia de trabalho: 27% por oportunidade de trabalho, 34% para ter mais liberdade de atuação e 24% em busca de melhor qualidade de vida.

Ao ser terceirizado, para 45% a renda mensal reduziu, 32% permaneceu igual e em 23% dos casos teve um aumento comparado ao salário bruto.

Atualmente, 36% recebem o correspondente a dois salários mínimos ou menos, 26% de dois a cinco mínimos e 38% têm um rendimento mensal superior a cinco salários.

Se comparado aos empregados, mais que o dobro recebe até dois salários mínimos, o que demonstra uma clara redução de rendimento na terceirização, além de não contar com as garantias e benefícios trabalhistas.

Considerando as respostas múltiplas, a falta de segurança trabalhista (férias, 13º, fundo de garantia, aposentadoria), 70%, e de benefícios (plano de saúde e previdência privada etc.), 69%, representam os fatores que mais precarizam a terceirização na mídia.

Para 59% dos entrevistados, a precarização está na instabilidade financeira, enquanto para 42%, no salário inferior, para 39%, na maior carga horária e para 32%, no trabalho inseguro e insalubre.

A maior parte dos respondentes, 30%, atua de 6 a 10 anos na condição de terceirizado, outros 28% entre 2 a 6 anos, enquanto 23% há mais de 10 anos e 20%, até 3 anos.

Os jornalistas “frilas”, ao opinarem (questões abertas) sobre as suas atuações, compõem um painel do evidente processo de precarização: “não encontro uma vaga CLT com bom salário”; “é um mercado predatório, de verdadeiros leilões reversos (aquele que cobra menos leva o trabalho)”; além da “redução da qualidade das notícias”; “é comum as empresas atrasarem os pagamentos dos frilas”; “te dão uma canseira pra pagar”; enfim, “é um trabalho extremamente precário”.

Outros se referem à falta de representatividade sindical e apontam o fim da profissão: “o nosso sindicato é muito fraco e não oferece nenhum tipo de apoio”; “além disso, somos uma classe fragilizada pela não obrigatoriedade do diploma”; “é o fim do emprego fixo no jornalismo”; “a terceirização é um caminho sem volta”; “é mais uma etapa na desconstrução da profissão”, ou seja, “estão acabando com a profissão, a terceirização é mais uma pá de cal”.

São muitas as opiniões contrárias à contratação de pessoa física como empresa (“pejota”) e “frila fixo”: “sempre houve empresas e até ONGs que obrigam os profissionais a se submeterem a isso”; “é uma forma das empresas ganharem mais sem ter de cumprir os direitos básicos trabalhistas”; “tem que cumprir horário, tem subordinação, vale-refeição”; “mas é uma jogada dos patrões para reduzir os custos trabalhistas”; “também na assessoria de imprensa tem muito PJ” e “acho a pejotização algo totalmente pernicioso”.

Alguns depoimentos indicam vantagens nessa configuração e o jornalista, um profissional indispensável: “o lado bom disso tudo é a independência, que tende a aumentar à medida que nos afastamos das grandes corporações”; “acho ótimo, oportunidades e áreas diversificadas de atuação”; “ideal para projetos específicos”; “o jornalista será sempre imprescindível para a sociedade, não importa como, de que forma nem em que mídia atue”.

Para 87% dos jornalistas que atuam como terceirizados, o processo de terceirização deve aumentar com a aprovação dessa lei, enquanto para 11% deve se estabilizar, isto é, a lei não terá influência direta.

A conclusão mais evidente é de que a terceirização da atividade-fim (reportagem, redação, fotografia etc.) contribuirá para o seu aumento generalizado na mídia, transformando uma profissão em ocupação “neoliberal”, pela desregulamentação da atividade, com autônomos “sem autonomia”, pelo trabalho sem vínculo empregatício, mas submisso às regras do jogo das organizações de mídia.

A lei da terceirização vem legalizar, acelerar e ratificar uma prática disseminada na mídia.

As redações, já enxutas, certamente serão ocupadas por gestores de pautas e por prestadores de serviços.

Provavelmente as atividades-fim dos jornais e revistas não serão os conteúdos jornalísticos, mas a sua impressão e distribuição; das emissoras de rádio e TV, a retransmissão, e, dos portais de notícias, a plataforma e não o conteúdo.

Há, portanto, na percepção dos “frilas”, uma clara marcha para a flexibilização da carreira do jornalista e uma reconfiguração nas relações de trabalho.

E aquela “identidade inacabada” provavelmente terá seus contornos ainda mais imprecisos, sua autonomia mais relativa, o campo jornalístico mais heterônomo e consequentemente uma variedade de “jornalismos” irreconhecíveis.

(Por Aldo Schmitz, Doutorando em Sociologia Política (UFSC), especial para objETHOS)

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