RIO — Em entrevista ao GLOBO, sócio-fundador e chefe da área de Pesquisa da consultoria Gavekal Dragonomics, Arthur Kroeber, um dos maiores especialistas do mundo em China, defende que país não tem interesse em reduzir o papel do Estado, mas sim em torná-lo mais eficiente.
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O GLOBO: Qual é o risco do governo Trump para a economia chinesa?
Kroeber: Se ocorrer uma guerra comercial, há um problema para a China. Cerca de 14% do PIB da China vêm das exportações. Um quinto das exportações chinesas é para os EUA. Se houver uma queda de 20% das vendas chinesas para os EUA, isso significaria uma redução de um ponto percentual do crescimento anual da China, previsto para perto de 6,5% em 2017. Não é um efeito pequeno, é muito. Há um mês acharia mais provável, estou um pouco mais otimista hoje. Se os EUA decidirem agir, a China tem muitas maneiras de retaliar.
O que mudou?
Eu acredito que o governo americano começou a pesar isso e avaliar que será muito doloroso, que os EUA podem sofrer mais que a China. Juntando tudo, acho que seria muito estúpido e autodestrutivo se os EUA começassem uma guerra comercial com a China. E acho que os funcionários do governo Trump (Donald Trump, presidente dos EUA) começam a avaliar que precisam ser mais cuidadosos para evitar impacto para a Economia americana.
Mas o risco persiste?
O risco ainda está lá, mas, hoje, uma maior possibilidade é o Trump fazer algo simbólico. É uma grande bagunça. Há uma grande confusão em Washington sobre o que devem fazer. O que vemos agora é uma pausa para avaliar que táticas podem usar. Se for fazer uma coisa grande, do ponto de vista político, o melhor é fazer rápido. Quanto mais se espera, mais difícil fica, porque as pessoas que seriam prejudicadas nos EUA têm a chance fazer lobby contra. Politicamente, acho que eles provavelmente perderam o momento de fazer algo grande e agressivo.
Qual é o potencial de investimentos chineses no Brasil?
Uma das áreas possíveis é em agricultura e setores correlatos. A longo prazo, uma vantagem competitiva do Brasil está na agricultura e segmentos relacionados, como distribuição e infraestrutura.
Muito se esperou no passado…
Vim pela primeira vez ao Brasil em 2005, poucos meses depois da visita de Hu Jintao (então presidente da China), em que ele prometeu investimentos em infraestrutura e nada aconteceu. E as pessoas aqui ficaram muito desgostosas e desconfiadas. A China agora é mais sofisticada e muito do investimento é feito pelo setor privado, que tende a prometer menos e fazer mais. Há mais maturidade no ambiente corporativo chinês.
A China já fala há alguns anos sobre a transição de seu modelo de crescimento, que passaria a ser mais dependente de consumo doméstico que de exportações e investimentos. Há quem diga que o processo está lento. Como vê?
Este é um processo longo, de duas décadas, e estamos apenas no início. Claramente houve uma grande transição de uma economia que se baseava principalmente em exportações e investimentos, para uma economia que depende mais da demanda doméstica. A indústria está reduzindo de tamanho nos últimos três anos, e os serviços passaram a ter uma participação na economia. Chama atenção ainda o aumento do consumo. Esta é uma transição muito estabelecida e com uma clara direção. Para mim, mais importante que a velocidade é a direção. É difícil mudar a forma como as pessoas fazem as coisas e leva tempo. Mas a direção é claramente para uma economia mais dependente de consumo.
Qual é o papel da política na economia chinesa? Analistas afirmam que 2017 será mais o ano da política que da economia, por causa do 19º Congresso do Povo, que escolhe os próximos líderes políticos.
Em todo país, tem um papel importante. Na China, este ano, claramente a política será a número 1, e a economia, a número 2. Xi Jinping (presidente da China) e outros líderes querem sucesso no Congresso do Povo e, para isso, querem uma economia suave. A questão é se depois do Congresso haverá uma ênfase mais forte nas reformas econômicas. E eu acho que provavelmente não. Quando Xi Jinping assumiu em 2013, divulgou um plano que parecia indicar que havia potencial para movimentos em direção à redução do papel do Estado na economia. O que ficou claro nos últimos três anos é que ele não tem interesse em reduzir o papel do Estado, ele tem interesse em tornar o papel do Estado mais eficiente.
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